09/11/2022
Por Kátia Simões — De São Paulo
Nos últimos anos um novo conceito vem ganhando força junto à indústria e ao grande varejo, a green logistics, também conhecida como ecologística. Trata-se de um conjunto de medidas, ações e políticas sustentáveis, que têm por principal objetivo reestruturar processos logísticos para que gerem menos impacto ao meio ambiente. O novo comportamento envolve produção, armazenamento, transporte e retorno dos resíduos gerados para que sejam reintegrados à cadeia de produção. Nessa engrenagem, a embalagem - que transita em todas as etapas logísticas, da produção ao consumidor final, passando pela reciclagem - ganha um papel ainda mais significativo.
Já não basta mais ser resistente, leve, de fácil manuseio e chamar atenção na gôndola, em uma economia verde, as embalagens precisam provocar menos impacto, seja com o uso de matéria-prima sustentável, na otimização do espaço no armazenamento e transporte, ou ainda na geração de menor volume de resíduos na casa do consumidor.
Tudo isso deve - ou deveria - começar com o design. Beatriz Luz, diretora da Exchange 4Change Brasil, organização que orienta a transição para a economia circular no país, explica que por um bom tempo o design de embalagem era visto apenas sob a ótica da escolha da matéria-prima no universo da sustentabilidade. “Mais tarde, passou-se a dar atenção não só ao material, mas, também, à experiência do consumidor”, diz. “Agora, as empresas precisam inserir nesse processo a fase pós-uso. Ou seja, a embalagem deve ser eficiente na proteção do produto, exibição e experiência do consumidor, mas, também, própria para ser reciclada”. Na prática, isso se traduz em desenvolvimento de diferentes pacotes, aumento da infraestrutura para coleta e reciclagem, e mais consciência e cultura por parte do cliente final.
A empresa de cosméticos orgânicos, veganos e naturais Simple Organic é uma das que captaram a mensagem. Para Patrícia Lima, fundadora da beautytech, cada vez mais as marcas têm de se preocupar com o processo inteiro, desde a escolha da matéria-prima, formulação, criação e composição das embalagens, até o pós-consumo, com descarte correto dos materiais. “Nós adotamos embalagens de tecido no lugar das sacolas tradicionais, usamos papel reciclado, optamos por frascos de vidro e, quando o plástico é indispensável, damos preferência à mistura com alto teor de reciclagem, além de promover a logística reversa ao longo de todo o ano”. Fundada em 2017, a Simple Organic, com sede em Florianópolis (SC), é associada à Certificação Lixo Zero, reconhecida internacionalmente pela ZWIA-Zero Waste Internation Aliance, que atesta ações de gestão de resíduos sob a perspectiva do conceito Lixo Zero.
Relatório recente divulgado pela Fundação Ellen MacArthur, focada em economia circular, mostra que quando as empresas querem, elas conseguem mexer nos ponteiros. Entre 2018 e 2021, a parcela de conteúdo reciclado pós-consumo aumentou de 4,8% para 10,0% nas companhias signatárias do Compromisso Global para uma Nova Economia dos Plásticos, lançado pela entidade junto à Organização das Nações Unidas (ONU). Desde 2018, mais da metade das marcas e varejistas reduziram o uso de plástico virgem.
Integrante de uma das cadeias mais avançadas quando se trata de economia circular -- com 60% do volume de embalagens de vidro retornáveis e mais de 95% de taxa de reciclagem de latas de alumínio -, a Heineken tinha dificuldades em operar com a mesma eficiência com PETs e long necks. Disposta a virar o jogo, em 2021 a companhia descontinuou a oferta de garrafas PETs de 1 e 2 litros das marcas Itubaína, FYs, Skinka e Viva Schin, e as de 1,5 litro das marcas Skinka e Água Schin. A empresa firmou compromisso público de ser 100% circular em plástico até 2025.
“Diminuímos 80% o volume total de PETs na operação brasileira, o que representa cerca de um quarto do total de plástico usado pela empresa”, afirma Mauro Homem, vice-presidente de Sustentabilidade e Assuntos Corporativos do Grupo Heineken. “Com isso, deixamos de colocar no mercado o equivalente a 14 mil toneladas de PETs, além de reduzir drasticamente o volume de embalagens secundárias que envolviam as bebidas”.
Por embalagens secundárias, o executivo se refere especialmente ao filme shrink, aquele plástico resistente que envolve packs de bebidas, como cervejas e refrigerantes. A Heineken anunciou em outubro a utilização de 30% de PCR (post consumer resin - resina pós consumo, na livre tradução), reciclada, no filme shrink da marca Devassa. A partir do ano que vem, todas as cervejas da categoria mainstream adotarão o mesmo procedimento. A expectativa é, em 2023, reutilizar 765 toneladas de plástico.
Segundo Mauro Homem, a empresa também busca maneiras de incentivar o retorno dos vidros. Este ano, a companhia começou a rodar em Itu (SP) o piloto do projeto Volte Sempre Long Neck Bar. “Disponibilizamos caixas garrafeiras para que o bar ou restaurante possa armazenar as garrafas pós-consumo até que sejam recolhidas no dia de entrega de novos pedidos”, afirma. Em 80 dias, 5,42 toneladas de vidro foram coletadas, 85% do volume vendido aos parceiros. A expectativa é recolher 21 toneladas até dezembro. Ainda em 2022, o grupo começará a rodar o projeto no Centro de Distribuição de Goiânia (GO), e a partir do próximo ano em Benevides (PA), Recife (PE), Curitiba (PR) e Cachoeirinha (RS).
Outra frente são as máquinas de coleta de garrafas de vidro, que trituram o material e geram vantagens para os consumidores, estimulando um novo comportamento em relação ao descarte. “O programa, que deverá ser expandido para 10 capitais brasileiras, além de São Paulo e Belo Horizonte, até o início de 2023, já coletou mais de 390 mil garrafas, contou com a colaboração de mais de 5.030 clientes e gerou 189 toneladas de vidro que retornaram à fase inicial de produção”, aponta o executivo da Heineken. Um terço do portfólio de produtos do grupo é de embalagens de vidro não retornáveis.
Fonte: Valor Econômico