09/07/2025 07:47
“A narrativa do “ventilador no meio da selva” é uma construção simbólica colonial que visa nos manter no papel de fornecedor de recursos brutos, sem voz, sem valor e sem soberania”.
Enquanto a Amazônia real respira à base de suor, inovação e resistência, a elite fiscal do asfalto — empoleirada em gabinetes climatizados e colunas de opinião no eixo Sul-Sudeste — lança seus veredictos sobre a Zona Franca de Manaus sem jamais pisar no chão da floresta ou no asfalto quente do Distrito Industrial.
A mais recente manifestação partiu da colunista Maria Carolina Gontijo, que se autodenomina Duquesa de Tax, em programa do Estadão no qual, com ironia e aparente autoridade, rotulou o Polo Industrial de Manaus como um “oásis fiscal cercado por floresta, logística cara e lobby fortíssimo”.
É importante deixar claro: não se trata aqui de confrontar a colunista em sua condição ou estilo. Toda voz merece respeito. Mas o que se impugna é o conteúdo — frágil, desinformado e perigoso — de uma crítica que perpetua preconceitos históricos contra a Amazônia produtiva. Quando a sátira fiscal escorrega para a caricatura da ignorância, resta-nos responder com dados, Constituição e compromisso com a verdade.
Amazonas arrecada, sim — e muito
Segundo dados públicos, o Amazonas é o estado que mais arrecada tributos federais per capita entre todos os do Norte e Nordeste. Supera Bahia, Ceará, Pernambuco e Maranhão. Arrecada mais por habitante. Como pode, então, ser tratado como parasita fiscal?
A Zona Franca de Manaus não é uma ilha de isenções, mas um arranjo produtivo constitucional que responde por mais de 500 mil empregos diretos e indiretos, financia a maior universidade multicampi do Brasil (UEA), evita o desmatamento e representa uma das poucas iniciativas brasileiras eficazes de descentralização econômica.
O truque da planilha rasa: o falso custo da ZFM
A Constituição de 1988, em seu artigo 165, §6º, determina que o projeto de lei orçamentária venha acompanhado de um demonstrativo regionalizado dos efeitos de incentivos e isenções. Mas em nenhum momento afirma que esses efeitos devam ser negativos, ou mesmo vinculados ao mesmo imposto isentado.
Mesmo assim, a Receita Federal utiliza uma estimativa de “gasto tributário” baseada em um cálculo fictício — uma “conta gráfica” que imagina quanto se arrecadaria se a ZFM não existisse, ignorando:
- o efeito cruzado, em que a redução de um tributo aumenta a arrecadação de outros;
- e o aumento de base, que ocorre quando há mais circulação de bens, mais empregos e mais atividade econômica.
O autor do gráfico que descreve os gastos fiscais talvez seja o mesmo servidor da Receita que criou a DIRB — uma declaração obrigatória que transfere ao contribuinte a responsabilidade de estimar sua renúncia fiscal, invertendo perversamente o ônus da prova. E muitos a preenchem de boa-fé, sem perceber que estão ajudando a alimentar uma ficção que é usada nos ataques injustos e maledicentes.
Custo real? Vamos falar dele com seriedade
A crítica que acusa a ZFM de ser “onerosa” não considera que o Simples Nacional consome R$ 128 bilhões em renúncia fiscal, cinco vezes mais que os R$ 26 bilhões estimados para o modelo amazônico. Também se esquece dos subsídios dados a latifúndios improdutivos, fundos especulativos e grandes corporações do centro do país.
O verdadeiro custo para o Brasil está em negligenciar o modelo que protege a floresta, evita migrações em massa, combate o narcogarimpo e garante dignidade à população do Norte. A narrativa do “ventilador no meio da selva” é uma construção simbólica colonial que visa nos manter no papel de fornecedor de recursos brutos, sem voz, sem valor e sem soberania.
A blindagem não é política — é resistência histórica
A colunista sugere que a Zona Franca sobrevive por blindagem política. Na realidade, o modelo resiste apesar da negligência federal desde sempre, da insegurança jurídica, das tentativas recorrentes de esvaziamento e da incompreensão institucional sobre seu valor geoestratégico. O que mantém a ZFM viva é a resiliência das pessoas, das empresas e das instituições que nela acreditam.
À Duquesa, nossa deferência. À crítica sem base, nossa resposta firme.
Maria Carolina Gontijo merece o respeito de todo o debate público. Mas sua crítica, neste caso, é menos um exercício de jornalismo investigativo e mais um ato de reprodução acrítica dos mitos de planilha. A narrativa do “ventilador no meio da selva” é uma construção simbólica colonial que visa nos manter no papel de fornecedor de recursos brutos, sem voz, sem valor e sem soberania.
Mitos que alimentam a desigualdade histórica entre o Brasil “bacana” e o Brasil que sua a camisa — e ainda por cima sustenta a arrecadação.
Por isso, resistimos.
Não com ressentimento, mas com trabalho. Com produção industrial de base limpa, com floresta em pé, com universidades em expansão e com arrecadação digna. Nosso compromisso é com um Brasil inteiro — e não apenas com suas coberturas editoriais.
Que venham as críticas, mas que venham com coragem, com verdade e com o mínimo de justiça fiscal.
(*) Coluna Follow Up é publicada pelo Jornal do Comércio às quartas, quintas e sextas feiras, sob a responsabilidade do CIEAM e coordenação o editorial do Alfredo Lopes, editor do BrasilAmazoniaAgora