26/06/2025 15:28
“O Brasil nasceu de costas para o interior”. Sérgio Buarque de Holanda
Por Alfredo Lopes e Maurício Loureiro, articulistas do portal Brasil Amazônia Agora –
Follow Up Especial - Série: De costas para a Amazônia
EPISÓDIO 1 — A OMISSÃO COMO MÉTODO
Uma política de contenção disfarçada de austeridade: esta é uma descrição adequada ao modo como o Brasil olha para a Amazônia desde a Cabanagem, na primeira metade do Século XIX. Nas últimas décadas, em virtude de um ambientalismo estéril e da ausência de propostas focadas na sustentabilidade, a Amazônia é tratada como um território que deve ser “preservado” — não por quem a vive e estuda, mas por quem a teme.
A política de contenção da região não se apresenta como tal. Ela se esconde por trás de argumentos técnicos, estudos de impacto, ajustes fiscais, cortes orçamentários. Mas no fundo, é um pacto de silêncio e paralisia orquestrado em Brasília, e devidamente nutrida pela mídia bancada pelo rentismo. E o projeto é impedir que a Amazônia cresça com autonomia, tecnologia e cidadania econômica.
Ciência como resistência, não como prioridade
Nas instituições de pesquisa e desenvolvimento da região, como a UFAM, UEA e em redes como o Bionorte, ou de pesquisas temáticas, como INPA, Emilio Goeldi e Embrapa, o que se vê é um esforço heroico de resistência. Temos caso de doutorandos ensinando inovação tecnológica para mais de 160 alunos da Amazônia Legal. São startups como a Elevar Amazônia, desenvolvendo vinagre de cupuaçu em meio à precariedade estrutural. É ciência feita à unha, com paixão, criatividade — e quase nenhum suporte ou articulação com um projeto de médio ou longo prazo. E tudo isso à margem de uma infraestrutura que não contribui com a Amazônia com programas ou modelagens que adotem sustentabilidade como paradigma.
A boca e o trombone
Na última reunião do CODAM, o Conselho de Desenvolvimento do Amazonas, o secretário de Ciência e Tecnologia, Serafim Corrêa, denunciou o destrato. Ele tem sido um dos poucos a desnudar os mecanismos perversos dessa engrenagem sem nexo. Por exemplo, denuncia a cobrança em duplicidade do IPI — uma manobra indecente que infla artificialmente o custo dos produtos fabricados no Polo Industrial de Manaus – com dupla cobrança – e sustenta a narrativa falaciosa de que a ZFM representa um ‘rombo fiscal’.
“A renúncia fiscal da ZFM nunca ultrapassou 7% da arrecadação bruta”. Os gastos tributários da Receita são hilários para não dizer descabidos quando nos atribui o rombo fiscal. Os 93% restantes voltam ao Tesouro Nacional. Ainda assim, acusam-nos de onerar o país. Falácias baseadas em narrativas moralistas para camuflar outros propósitos de remover equipamentos da residência. Posturas assumidas as vezes por quem deveria defender o processo urgente da desigualdade regional.
O método: sufocar para desacreditar
Cortam verbas da ciência. Congelam investimentos em infraestrutura. Subestimam a inovação regional. Criminalizam os incentivos fiscais. E por fim, culpam a própria Amazônia por não ‘decolar’. Não é descaso. É método. Não é ignorância. É veto calculado. É o pacto cínico contra a Amazônia que dá certo — para eles.
A contradição do momento: boas intenções, mãos atadas
Desde a Constituição de 1988, a Zona Franca de Manaus tornou-se uma política de Estado — um compromisso federativo com a redução das desigualdades regionais. E, é justo reconhecer que o atual governo tem reiterado esse compromisso em fóruns estratégicos, reformas sensíveis e na retórica pública. No entanto, o que se impõe é um paradoxo cruel: falta base no Congresso, faltam recursos no orçamento, e falta força para transformar sinalizações em ações concretas. A consequência é clara: uma Amazônia com direito garantido, mas acesso bloqueado. E não é de hoje.
A separação necessária
É hora de fazer uma distinção fundamental: o interesse da Amazônia transcende governos, partidos e ciclos eleitorais. A floresta em pé, produtiva e soberana, não é pauta de ocasião. É projeto de país. Precisamos tratá-la com essa grandeza. É preciso brasilidade no sentido da despolarização civil. Na interlocução sadia e na partilha das oportunidades. Aqui habitam as terras raras, não aquelas dos conflitos geopolíticos, mas mas da farmacologia integral, da nutracêutica da longevidade e na dermocosmética persistente.
Mídia, lobby e invisibilidade induzida
Enquanto isso, a mídia patrocinada pelos interesses do rentismo e do agronegócio expansionista e conservador — segue operando para silenciar a Amazônia pensante e produtiva. Não por acaso, foi justamente o setor agroexportador que, em governo recente, ensaiou transformar a floresta num roçadão — uma mega fazenda a serviço do latifúndio climático.
Urge dar nome aos bois do Brasil que nos quer calar. Este é um país que teme nosso êxito. Porque uma Amazônia bem-sucedida expõe o fracasso ético de um projeto de país que exclui para acumular e usufuir sem distribuir.
Os dados falam por si.
O Brasil centralizado quer permanecer de cócoras e de costas para a Amazônia porque não tem projeto de sustentabilidade e gestão inteligente. Aqui seguimos de pé e altivos. Olhamos para o futuro enquanto ousamos enfrentar a interlocução capenga do presente. Está na hora de virar a insensatez deste jogo de cartas viciadas.