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No AM, cheia prejudica agropecuária e intensifica fome no interior

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06/07/2021

Fonte:EM TEMPO

Waldick Júnior

Manaus - Os rios do Amazonas já iniciaram a vazante, mas os prejuízos da cheia histórica ainda vão se estender por algum tempo. Os danos à produção rural no interior do estado já somam mais de R$ 206 milhões. Esse valor é o mais alto dos últimos cinco anos, segundo dados do Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal Sustentável do Estado do Amazonas (Idam).

O levantamento do órgão aponta que, pelo menos, 17.699 famílias tiveram suas produções atingidas em 26 municípios do Amazonas. Entre as principais plantações prejudicadas estão a de banana (R$66,6 milhões), mandioca (R$31,1 milhões), hortaliças (R$29,5 milhões) e o mamão (R$24,2 milhões).

"Os danos econômicos da cheia deste ano são indiscutíveis. Eu tive a oportunidade de visitar vários municípios do interior, como Coari e Tefé, e vi de perto os prejuízos. Há famílias que perderam produções inteiras, como roça de macaxeira e plantações de banana-pacovã", comenta Martinho Luis Gonçalves Azevedo, presidente do Conselho Regional de Economia (Corecon-AM).

Segundo ele, o cenário no interior do Amazonas é de grandes perdas. Isso porque, além de a enchente ter estragado áreas de plantação, houve ainda prejuízos à pecuária. Somado a isso, alguns ribeirinhos tiveram as próprias casas inundadas.

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O ponto importante a lembrar é que o produtor rural é muito observador e fica atento ao comportamento da natureza, como até onde a última cheia chegou. Isso define onde a plantação será feita. No entanto, a enchente deste ano foi muito além do esperado"

Martinho Azevedo, economista

Em Manaus, o Rio Negro atingiu a cota histórica de 30,02 metros. As águas invadiram o Centro da cidade, incluindo a principal feira da capital, a Manaus Moderna. Além disso, ruas com atividade comercial também foram atingidas.

Agricultura de subsistência

Apesar de o Amazonas ser conhecido pelo projeto econômico do Polo Industrial de Manaus (PIM), essa grandeza se limita à capital. No interior do estado, boa parte da população tem renda a partir do comércio, agricultura de subsistência (planta para comer) ou são servidores públicos.

Neste cenário, os danos da cheia nas plantações se tornam ainda maiores. É o que explica o presidente da Central de Associações de Moradores e Usuários da Reserva Amanã, Edivan Ferreira Feitosa, em uma região próxima à Tefé (AM). A associação abriga 82 comunidades, somando mais de seis mil pessoas.

"Em todas essas comunidades, a principal renda das famílias é a agricultura, o que gerou prejuízos a 99% das vilas na cheia. Quem mora na área de várzea, onde era mais fácil alagar, perdeu 100% da produção. O que está nos salvando é o açaí, mas outros itens que vendíamos ficaram escassos", lamenta ele.

A preocupação maior de Feitosa é que as famílias ainda estão se alimentando com o que guardaram da última colheita. Quando este estoque acabar, não sabem o que pode acontecer, já que perderam o que seria a nova produção.

"No momento, as pessoas ainda estão suprindo suas necessidades com a roça que tinham, mas para os próximos meses, pode ficar complicado, porque não vai ter de onde tirar alimento de agricultura", desabafa o presidente da associação.

Rio 'sem peixe'

Além da agropecuária, ribeirinhos também têm dificuldade para pescar durante a cheia. O jovem Jonatha Coelho, de 24 anos, passa pelo problema com a família. Ele mora na comunidade Boca do Mamirauá, região de Tefé.

"Aqui a gente mora em área de várzea, então, na época da cheia, o rio chega a subir mais de 12 metros. Quase 95% da terra fica debaixo d'água e isso dificulta muito a pesca, porque quando está seco, os peixes ficam em pequenos lagos, mas na cheia, eles se espalham muito mais", conta Coelho.

Na região, a pesca serve também como forma de renda. Segundo relatório do Instituto Mamirauá, localidade onde mora Coelho, o manejo do pirarucu rendeu cerca de R$ 1,5 milhão às famílias da região. Porém, na cheia, encontrar os peixes no fundo do rio se torna um desafio.

Fome em evidência

A insegurança alimentar - escassez de alimento - vivida por ribeirinhos no Amazonas foi documentada por pesquisadores da Universidade Federal de Lavras (Ufla), em Minas Gerais, da Universidade Federal do Pará (UFPA) e da Universidade de Lancaster, no Reino Unido.

Publicado na revista People and Nature, o trabalho ganhou o nome de 'Pesca Difícil e Severa Segurança Alimentar Sazonal em Florestas Inundadas na Amazônia' (tradução livre). O trabalho é assinado pelos cientistas ingleses Daniel Tregidgo, Jos Barlow, Luke Parry, e Paulo Pompeu, do Brasil.

Para o estudo, os pesquisadores entrevistaram 331 famílias ribeirinhas de 22 comunidades ao longo de 1,2 mil km às margens do Rio Purus, nos municípios de Lábrea e Beruri, ambos no Amazonas.

As entrevistas foram realizadas durante a cheia (abril a julho) e seca (agosto a novembro) dos rios, em 2014. Os participantes foram questionados sobre suas rotinas alimentares nos últimos 30 dias anteriores à visita dos pesquisadores.

Os resultados apontam que, durante a cheia dos rios, 85% das famílias disseram precisar substituir o peixe ou a carne por outro alimento, pelo menos uma vez ao longo de 30 dias. Além disso, mais da metade dos entrevistados (65%) disse ter comido menos do que gostaria. 33% precisaram pular alguma refeição e 17% não comeram nada por um dia inteiro.

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Se eu somente tivesse uma cebola e um pacote de macarrão em casa, sem como comprar mais hoje ou amanhã, eu ficaria preocupado. É essa a insegurança que parte dos entrevistados sentem. Mas quando a pesca é boa, se come bastante mesmo. E esses lugares não são chamados de comunidades por qualquer motivo. Quando alguém não tem comida, eles dividem uns com os outros"

Daniel Tregidgo, biólogo e um dos autores do estudo

Alternativas

De volta em sua análise, o economista Martinho Azevedo, presidente do Corecon-AM, diz que a solução para o problema está em investimentos e incentivos à agropecuária.

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Recomendo que haja maior atenção à ciência e tecnologia para podermos possibilitar novas formas de aproveitar os produtos produzidos. A banana não precisa ser vendida apenas enquanto fruta in natura. Por que não estudarmos maneiras de produzir farinha de banana ou mingau?"

, questiona Azevedo

O especialista exemplifica o caso da macaxeira, outro produto muito comum no interior. "Se você for ao supermercado, o quilo de macaxeira pasteurizada é superior a R$ 10. Precisamos investir nessas alternativas e dar crédito aos produtores", comenta o economista.

Com estes investimentos, Azevedo acredita que as famílias agropecuaristas poderiam ficar mais estáveis economicamente, sem depender totalmente da produção para se alimentar.

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