11/03/2023
Giovanna Marinho
giovanna@acritica.com
11/03/2023 às 12:17.
Atualizado em 11/03/2023 às 12:17O projeto de lei que cria multa para empregadores que pagarem salários menores a uma mulher com o mesmo tempo em atividade, função e escolaridade que um homem pode, na avaliação do vice-presidente da Federação das Indústrias do Amazonas (Fieam), afugentar contratações de mulheres. A conselheira do Centro das Indústria do Amazonas (Cieam), Régia Moreira, defende a proposta e culpa a “cultura de exclusão das mulheres” pela demora para alcance da paridade entre os gêneros no mercado de trabalho.
Embora reconheça que a proposta tende a corrigir possíveis distorções da legislação atual “nos salários de todos inclusive de mulheres”, o vice-presidente da Fieam, Nelson Azevedo, conconsiderou o valor da penalidade “desproporcional e conflitante com as sanções já previstas na lei trabalhista”.
“Como se trata ainda de projeto, esta norma ainda pode sofrer alterações, mas o que nos chama atenção é a penalidade às empresas com sanção de 10 vezes o maior salário da empresa, o que nos parece desproporcional e conflitante com as sanções já previstas na lei trabalhista. Esta punição pode dificultar o mercado de trabalho para mulheres por receio de penalidades”, disse Nelson Azevedo.
Ultrapassado
Ele reconhece que embora a equiparação salarial pareça óbvia, durante muito tempo foi ignorada por muitos empresários por conta do preconceito de que “a mulher era menos qualificada profissionalmente”, argumento que não cabe na atualidade já que em regra são as mulheres que possuem maior grau de escolaridade atualmente.
“No Distrito Industrial, não se tem notícia de que impere esse desequilíbrio de remuneração entre gêneros, o que não significa inexistir, mas as empresas atualmente estão mais atentas a eventuais desequilíbrios na remuneração”, disse Nelson Azevedo citando o artigo 461 da Constituição das Leis Trabalhistas, dispositivo que estabelece a não distinção de valor pago ao funcionário por sexo, nacionalidade ou idade.
Além da punição maior aos patrões que não equiparam salário de funcionárias e funcionários, a proposta prevê também a obrigação das empresas que têm mais de 20 empregados darem transparência às faixas salariais para dar capacidade de fiscalização ao Ministério do Trabalho.
Pesquisa
Recente pesquisa publicada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) aponta que para 43% dos empresários a paridade salarial é a ação mais importante para a igualdade de gênero no trabalho. E para 26% o estímulo maior à presença feminina em posições de chefia são as principais políticas que devem ser adotadas para promover a igualdade de gênero no setor.
Para Régia Moreira, que também atua como diretora na Impressora Amazonense Ltda, apesar de avanços significativos na legislação de paridade de gênero, as mudanças são lentas “justamente pelo machismo e pela cultura de exclusão das mulheres neste mercado” e é possível notar o retrato na indústria local.
“O fato é que nas empresas o ambiente continua muito masculino, são pensadas por homens e para homens. Quanto mais mulheres em posições de liderança e mais mulheres ocupando esses espaços nas empresas e no mundo, mais exemplos nós vamos ter de atualização das culturas organizacionais que são cada vez piores”, reforçou a conselheira.
A afirmação de Régia vai ao encontro a outro dado mapeado pela CNI apontando que apenas 29% dos cargos de chefia na indústria são comandados por mulheres e elas são apenas 30% da mão de obra no setor. No Amazonas, segundo o Sindicato dos Metalúrgicos, nas quase 700 empresas beneficiadas pela Zona Franca de Manaus (ZFM), as mulheres ocupam menos de 10% dos cargos nas diretorias que são em sua maioria coordenadas por homens brancos não-amazonenses.
“As desigualdades de gênero no Brasil ainda impõem barreiras que sobrepõem essa paridade entre homens mulheres no mercado de trabalho”, disse a diretora ao recordar que a ausência de mulheres nos altos postos não impera somente na indústria, mas também no quadro político do país.
'Lupa sobre o perfil das mulheres'
Na avaliação da Coordenadora do Departamento de Gênero da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Amazonas, Alessandrine Silva, as propostas encaminhadas pelo governo Lula são a virada de chave nos direitos das mulheres, após 4 anos de retrocesso no governo de Jair Bolsonaro.
Ela destaca que as propostas vão além da questão salarial e se somam às carências de políticas públicas em vários âmbitos da vida das mulheres, o que retrata a influência direta da maior presença feminina no primeiro escalão do governo.
“Elas colocaram uma lupa sobre o perfil das mulheres do Brasil. Além de tudo isso, tem a retomada de mais de mil creches no Brasil e isso tem sido uma pauta muito trabalhada porque se as mulheres não têm creches elas não tem como sair para trabalhar, não podem sair para estudar. Ele é um ponto essencial porque como se não bastasse as mulheres ter várias jornadas – cuidando da casa, família, trabalho e estudo – não sendo suficientemente desigual, chega no emprego e elas ainda ganham menos que um homem no mesmo patamar. Isso é um absurdo. Que bom que estamos pensando essas medidas e que bom que o governo federal está preocupado com as nossas vidas e cabe a nós, ativistas, militantes, mulheres que seguem em luta cabe a nós fiscalizar para que essas medidas saiam do papel. É muito bonito o anuncio, mas a gente quer isso implementado e refletindo nas nossas vidas na prática”.
Blog
Fabiola Salmito, Procuradora do Trabalho
“Emboratenhamos uma legislação favorável à igualdade de remuneração e de oportunidades, não há registro de melhoras consistentes nos indicadores de desigualdade da mulher, ainda mais quando analisamos as funções e cargos que asseguram maiores ganhos, como diretores e gerentes e grupo dos profissionais da ciência e intelectuais.Assim, se faz necessária e imprescindível a adoção de legislação nesse sentido, com imposição de penalidades, para aniquilar o quadro de discriminação histórica das mulheres no mercado de trabalho e na sociedade como um todo. Normas nesse sentido se fazem necessárias para que possamos avançar e ultrapassar as barreiras e preconceitos que ainda cultivamos,em especial contra a mulher que é negra, mãe, que possui responsabilidades de cuidados e, no cenário mais triste, que é trans. Traduz, em suma, o pensamento de empresários que não se coadunam com os preceitos constantes em nossa Carta Magna e nos diplomas internacionais voltados para a promoção do trabalho decente, digno e do desenvolvimento socialmente sustentável.
Análise
Gisele Araújo Loureiro de Lima, juíza titular da 10ª Vara do Trabalho de Manaus
‘Tem caráter pedagógico’
De acordo com o relatório “Estatísticas de Gênero” de 2021 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ,as mulheres seguem recebendo cerca de ¾ dos valores percebidos pelos homens e, mesmo com maior taxa de escolaridade, ocupam apenas 37,4% dos cargos gerenciais e se encontram sub-representadas na esfera da vida pública, de tal modo que o Brasil ocupa a 142ª posição entre os 190 países que informaram o percentual de cadeiras no Parlamento.
Ora, tais dados são suficientes para demonstrar que mesmo com a previsão legal existente, o trabalho da mulher é estigmatizado, especialmente diante das inúmeras responsabilidades extralaborais assumidas por elas. Portanto, algo precisava ser feito, diante de tamanha desigualdade e injustiça com a parcela da população com tanto valor social, como de gerar vidas e conduzir o futuro da humanidade.
Portanto, embora haja certa repetição da proteção à isonomia entre os gêneros, o projeto de lei apresenta um reconhecimento do valor social da mulher e como o próprio presidente menciona, o reparo de uma “violência histórica”, especialmente diante da previsão de multa que entendo ter um maior caráter pedagógico, que punitivo.
Entrando em vigor tal projeto de lei teremos um grande avanço diante do poder de fiscalização e punição das desigualdades ainda existentes.
Fonte: Acrítica