18/08/2014
Embora os acordos de livre comércio possam ter influência no aumento de competitividade da indústria, eles, por si sós, são incapazes de garantir esse objetivo. Ideias como as defendidas por Tavares de Araújo, que fazem parte de um intenso debate travado longe dos holofotes por especialistas em comércio e política industrial do país, merecem influir nos rumos de uma possível política industrial para o próximo governo, já que a atual tem sido insuficiente para assegurar o aumento sustentado dos investimentos e das exportações de manufaturados.
O economista, que, dentro de um mês, apresentará suas conclusões em seminário da Fundação Getulio Vargas, em São Paulo, sustenta que o Brasil já dispõe de instrumentos afinados com as mais modernas recomendações de política industrial, como a prevenção contra a excessiva concentração de mercado providenciada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e o impressionante aparato de financiamento a inovação garantido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e outros organismos oficiais. Esses mecanismos não funcionam adequadamente, porém, por terem seu funcionamento prejudicado por medidas apoiadas em antigas concepções de política industrial, argumenta o diretor do Cindes, ativo centro de estudos sediado no Rio.
Um dos alvos de crítica de Tavares Júnior é o sistema de incentivos fiscais, que assegura a empresas financiamento subsidiado e redução de impostos, desde que sigam "processos produtivos básicos", os PPBs, definidos em acordo com o governo. Esses PPBs, na maior parte sugeridos pelas próprias beneficiadas, transformaram-se em mera formalidade burocrática, já que se aumentou o coeficiente de importação dessas indústrias (a parcela importada de cada mercadoria) sem um correspondente aumento das exportações, que revelaria maior competitividade dos setores beneficiados.
Tavares Araújo calcula que, em valores de 2011, três setores que concentram a maior parte dos benefícios fiscais assegurados pelo PPB - bens de informática, máquinas e equipamentos e material elétrico - receberam cerca de R$ 60 bilhões em incentivos fiscais, nos últimos 13 anos. Entre 1996 e 2011, o coeficiente de importações do setor de informática cresceu de 24% para 52%; o de máquinas e equipamentos passou de 5% para quase 41%.
O economista questiona também o uso de medidas antidumping, que cresceu exponencialmente nos últimos anos e, embora o governo argumente basear-se em critérios exclusivamente técnicos, beneficia fortemente produtos oligopolistas ou monopolistas de produtos intermediários, na maioria produtos químicos ou siderúrgicos - importantes componentes de custo de outras indústrias.
Em julho de 2014, contabiliza o economista, das 70 medidas antidumping (cotas e tarifas punitivas de importação) em vigor, 52 protegiam insumos da produção industrial, como laminados de aço, PVC, vidros planos e fios de viscose. Entre os beneficiários dessas medidas no Brasil, 91% eram indústrias com até três produtores; 58% delas monopólios e 24%, duopólios.
Não é difícil encontrar justificativas para a proteção garantida aos produtores nacionais - que vão da concorrência com produtos fortemente subsidiados por concorrentes estrangeiros ao excesso de capacidade mundial que estimula exportações com preços desleais. Mas o fato é que essa situação cria forte desvantagem competitiva para o parque industrial no Brasil, que não será removida com a mera adesão a acordos de livre comércio.
Tavares de Araújo sugere maior moderação no uso das medidas antidumping, e uma revisão dos mecanismos de incentivo, para cobrar mais eficientemente das empresas compromissos com inovação, proteção ao meio ambiente e metas de integração regional (não de criação de enclaves de montadoras voltadas ao mercado interno, como parece ser o caso da Zona Franca de Manaus). O mais importante é formular políticas de apoio à indústria que garantam, de fato, ao Brasil, estar na fronteira tecnológica, defende o economista. Ele deixa claro que considera o debate sobre cadeias globais de valor menos relevante, já que não tem impacto sobre indústrias de forte vantagem competitiva no Brasil, baseadas em recursos naturais, como a de óleo e gás e a de carnes, por exemplo.
A opinião provocativa de Tavares de Araújo sobre um tema da moda, o das cadeias globais de valor, é confirmada por estudos recentes como o realizado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) para avaliar o impacto da fragmentação produtiva na Europa (www.imf.org/external/np/seminars/eng/2014/EURbook). Segundo o estudo do FMI, que não menciona Brasil ou América Latina, um fator de enorme importância para garantir vantagens ao país que se une a cadeias globais de valor é sua proximidade aos grandes centros produtores (Alemanha e outros países do norte da Europa, no caso europeu, ou China e EUA), a existência de laços anteriores com os centros de produção e pré-condições macroeconômicas, como tarifas baixas de importação e câmbio pouco volátil. Não parece uma descrição das condições vigentes no território brasileiro.
Fonte: Valor Econômico