29/03/2021
Fonte: Folha de S. Paulo
Mayara PaixãoSusana Terao
SÃO PAULO
Sistemas tributário e regulatório complexos. Falta de estabilidade no financiamento de ciência e pesquisa. Competição frágil entre empresas. Carência de mão de obra qualificada. Essas são as quatro principais barreiras à inovação no país, segundo especialistas.
O diagnóstico foi feito no 4º seminário Inovação no Brasil, realizado pela Folha, na quinta-feira (25).
Para transpor a primeira barreira, a aposta é a reforma tributária, em tramitação no Legislativo, e o marco legal das startups.
Além de simplificar o cipoal de impostos brasileiro, a reforma pode estimular a inovação. Na tributação de automóveis, por exemplo, é possível privilegiar os carros elétricos ou veículos que emitem menos carbono.
O marco legal das startups, que também tramita no Congresso, pode ajudar a estimular investimentos. Aprovado por unanimidade pelo Senado em fevereiro, o texto aguarda nova análise da Câmara, sua casa de origem.
Em linhas gerais, o marco desburocratiza os processos de abertura e fechamento de negócios, além de prever regras e critérios para que as empresas sejam consideradas startups.
Para o advogado Marcel Daltro, sócio do Nelson Wilians Advogados, o principal avanço está na proteção do investidor. “Como o investidor-anjo [pessoa física que aplica o próprio patrimônio em startups] deixa de ser considerado sócio, ele acaba sendo protegido, o que incentiva mais investimento.”
Na prática, isso significa que os investidores-anjo não respondem por dívidas das startups. Eles compartilham os lucros, mas sem a responsabilização que teriam por fazer parte do capital social da empresa.
Esse tipo de segurança jurídica move o setor privado que, em certa medida, pode suprir a falta de investimentos públicos, mas há um limite.
Os especialistas são unânimes ao afirmar que as constantes reduções no investimento em pesquisa e ciência pelo governo federal são preocupantes.
“Não há bala de prata ou solução mágica. A única saída é persistir em políticas que valorizam educação, saúde, ciência e tecnologia”, diz o sociólogo Glauco Arbix, coordenador do Observatório da Inovação da USP.
Além do montante de cortes já feitos, pesa a preocupação sobre o que pode aparecer no plano de redução dos incentivos fiscais que o presidente Jair Bolsonaro deve enviar ao Congresso até setembro. O plano será feito para cobrir os gastos da PEC Emergencial (agora emenda constitucional 109/2021).
O deputado federal Aliel Machado (PSB-PR), que preside a Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara, diz que, para que a PEC fosse aprovada, o governo firmou com parlamentares da oposição o compromisso de que os setores de ciência e tecnologia não serão impactados.
A única nota pública do Ministério da Economia, porém, é mais breve, e afirma que a Lei de Informática, dispositivo que reduz impostos de empresas que produzem hardwares, não será afetada.
O deputado lembra que uma vitória recente foi a derrubada do veto presidencial na proibição de contingenciamento de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, uma das principais fontes de financiamento da inovação no país.
“Não há como fomentar a inovação se não tivermos consciência da importância do investimento”, afirma.
Gianna Sagazio, diretora de Inovação da CNI, concorda que faltam políticas públicas que incentivem pesquisa e desenvolvimento. “Estamos na contramão do que está acontecendo no mundo. Os países mais inovadores reconhecem que essa é a principal estratégia de desenvolvimento.”
Ela cita como exemplo países membros da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), como Israel e Coréia do Sul, com investimento em P&D de até 5% do PIB. No Brasil, ela estima que o valor esteja por volta de 0,5%.
Para Leonardo Gomes, professor de administração da FEA-USP, a competitividade é outro importante gatilho do processo de inovação. O exemplo, nesse caso, são as fintechs (startups com foco em agilizar, com tecnologia digital, serviços financeiros), que levaram os grandes bancos a procurarem soluções inovadoras no atendimento aos clientes.
“O Brasil é muito fechado para o comércio internacional, o que limita a competição e o acesso a tecnologias, que entram no mercado brasileiro a um preço muito superior”, afirma Fernanda De Negri, economista do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).
Para promover inovação, porém, é preciso mão de obra qualificada. Alberto Miyazaki, diretor-chefe em tecnologia (CTO) da IBM Brasil, defende que a missão das empresas é contribuir para a formação de seus funcionários. “Com a pandemia, as empresas tiveram que promover mudanças rapidamente. O principal desafio daqui para frente vai ser como continuar inovando. É necessário atrair e preparar os talentos.”
Uma vez nas empresas, esses novos colaboradores precisam sentir que a cultura corporativa aceita o erro. “Existe uma dificuldade gigantesca em entender que a inovação envolve experimentação e falhas”, afirma Leonardo Gomes, da USP.
O professor resume o desafio: “Inovação tem que ser um esporte nacional praticado por todas as empresas”.
O webinário foi mediado por Vinicius Torres Freire, colunista da Folha, e teve patrocínio de Santander, Synapcom, além de apoio do grupo Nelson Wilians.