06/02/2025 08:43
“A integração da Zona Franca de Manaus precisa ser ampliada e profissionalizada, utilizando argumentos sólidos para mostrar que o modelo não é um fardo fiscal, mas sim um ativo estratégico para a economia, a tecnologia e a cultura do Brasil. O grande desafio, portanto, não é apenas manter a Zona Franca funcionando, mas garantir que ela seja parte essencial do sumário da política industrial, econômica, científica e cultural do país no século XXI.”
Por Alfredo Lopes
___________________
A Zona Franca de Manaus (ZFM) nasceu como uma estratégia para a ocupação econômica da Amazônia, impulsionando o desenvolvimento regional e garantindo a soberania sobre um território crucial para o Brasil e para o mundo. Décadas depois, o modelo consolidou um polo industrial robusto, que movimenta a economia local e agrega 30% com a geração de riqueza em toda a Região Norte, mas também impacta a economia nacional e desempenha um papel fundamental na preservação da floresta. No entanto, em meio aos desafios da nova economia global e às mudanças nas diretrizes de políticas públicas, a ZFM enfrenta um novo dilema: conquistar seu espaço no sumário das grandes estratégias nacionais de política industrial, econômica, científica, tecnológica e até cultural.
O recente encontro entre a Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa) e economistas do Conselho Regional de Economia de São Paulo (Corecon-SP), realizado por solicitação do Centro da Indústria do Estado do Amazonas (CIEAM), evidenciou essa necessidade. O debate revelou que, apesar dos números expressivos e da relevância do modelo para o Brasil, a ZFM ainda sofre com uma visão distorcida em boa parte do país, especialmente em centros econômicos como São Paulo, onde a percepção da renúncia fiscal se sobrepõe aos benefícios estruturais proporcionados pelo modelo.
O Mito da Renúncia Fiscal e a Falácia da Carga Tributária
Um dos pontos centrais do debate sobre a ZFM é a chamada “renúncia fiscal”, frequentemente usada como argumento contra os incentivos oferecidos às empresas instaladas no Polo Industrial de Manaus. O superintendente-adjunto da Suframa, Frederico Aguiar, desmistificou essa questão ao explicar que os valores não representam um dinheiro “perdido” pelo governo, mas sim uma condição para viabilizar a produção industrial na região. A matemática é simples: se a ZFM não existisse, os produtos não seriam fabricados em Manaus, e a arrecadação tributária simplesmente não aconteceria, e a importação afetaria substancialmente o equilíbrio da balança comercial.
Além disso, o Amazonas é um dos poucos estados que contribuem mais do que recebem da União. Em 2023, foram arrecadados R$ 21 bilhões em impostos federais no estado, enquanto as transferências constitucionais para a região somaram apenas R$ 7 bilhões. O que demonstra que, mesmo com os incentivos, a economia local gera um saldo positivo para o país.
Os estudos apresentados pela Suframa e pela Fundação Getúlio Vargas também mostram que para cada R$ 1 de imposto “renunciado”, a ZFM devolve R$ 1,68 para a economia. Esses dados desmontam a narrativa de que o modelo seria insustentável ou oneroso para a União. No entanto, tais informações não chegam ao grande público com a força necessária. Esse vácuo de comunicação tem custado caro à Zona Franca, que constantemente precisa se defender de ataques e tentativas de desmonte – como as recentes ameaças contidas na Reforma Tributária.
Zona Franca e a Política Industrial do Século XXI
A ZFM não pode mais ser tratada apenas como um modelo de desenvolvimento regional. Ela precisa estar no cerne da política industrial e econômica do Brasil como um ativo estratégico, especialmente em um cenário de transição para a economia de baixo carbono e a revolução tecnológica.
![O economista Haroldo Silva, do Corecon-SP, trouxe uma visão interessante ao apontar a “miopia” da Faria Lima e outros centros financeiros sobre o real impacto da ZFM. Como ele destacou, a extinção da Zona Franca não significaria uma migração natural da produção para o Sudeste ou outras regiões do Brasil, mas sim para outros países, tornando a economia brasileira ainda mais dependente de importações. Como exemplo prático, ele cita a produção de motocicletas em Manaus: sem a Zona Franca de Manaus, esses veículos seriam importados, encarecendo produtos ou serviços básicos, como a entrega de uma simples pizza.](https://brasilamazoniaagora.com.br/wp-content/uploads/2023/11/faria-lima-Germano-Luders-Exame.webp)
O economista Haroldo Silva, do Corecon-SP, trouxe uma visão interessante ao apontar a “miopia” da Faria Lima e outros centros financeiros sobre o real impacto da ZFM. Como ele destacou, a extinção da Zona Franca não significaria uma migração natural da produção para o Sudeste ou outras regiões do Brasil, mas sim para outros países, tornando a economia brasileira ainda mais dependente de importações. Como exemplo prático, ele cita a produção de motocicletas em Manaus: sem a ZFM, esses veículos seriam importados, encarecendo produtos ou serviços básicos, como a entrega de uma simples pizza.
Esse exemplo ilustra um conceito fundamental: a ZFM não é uma anomalia econômica, mas sim um modelo adaptado às condições específicas da Amazônia. Em vez de enfraquecê-la, o Brasil deveria estar pensando em como integrá-la às novas diretrizes da política industrial nacional, fomentando cadeias produtivas conectadas à bioeconomia, à indústria 4.0 e à transição energética. O próprio Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) tem defendido a reindustrialização do Brasil, e a Zona Franca precisa fazer parte desse plano.
Ciência, Tecnologia e Inovação: A Fronteira da Zona Franca
Outro eixo que deve ser fortalecido é a inserção da ZFM na política nacional de ciência, tecnologia e inovação. O modelo já possui um sistema de Pesquisa & Desenvolvimento (P&D) robusto, topo do ranking nacional de intensidade tecnológica, com investimentos anuais em inovação, mas ainda carece de uma integração maior com as políticas federais. O Polo Industrial de Manaus precisa ser expandido em seus laboratórios de novas tecnologias, necessariamente sustentáveis na expansão de novas cadeias produtivas. O caminho é fortalecer parcerias com centros de pesquisa e universidades para transformar a biodiversidade amazônica em um diferencial competitivo global.
Essa conexão entre indústria e ciência é o que garantirá a longevidade da ZFM. Se antes a preocupação central era a substituição das importações e a geração de empregos, hoje o desafio é criar um novo ciclo de desenvolvimento baseado na economia do conhecimento. Isso significa apostar em áreas como bioeconomia, nanotecnologia, inteligência artificial e soluções de baixo carbono, consolidando a ZFM como um polo de inovação para o Brasil e o mundo.
A ZFM Como Cultura e Narrativa Nacional
Por fim, um aspecto muitas vezes negligenciado é o papel da ZFM na cultura e na identidade nacional. Durante muito tempo, a narrativa dominante no Brasil foi a de que a Zona Franca seria um enclave artificial, sustentado por benefícios fiscais. Essa visão simplista ignora o fato de que a ZFM representa um modelo próprio de desenvolvimento, que ajudou a consolidar Manaus como uma das capitais mais dinâmicas do país e fortaleceu a presença brasileira na Amazônia.
A integração da ZFM precisa ser compreendida como um elemento estratégico da cultura nacional, da soberania territorial e da identidade amazônica. O modelo faz parte da história do Brasil e deve ser tratado como tal, sendo valorizado nas discussões sobre o futuro do país.
O Futuro da ZFM Depende da Sua Inserção na Agenda Nacional
A Zona Franca de Manaus já provou seu valor, mas agora precisa dar um novo passo: consolidar-se como um eixo central das políticas públicas brasileiras. Para isso, é fundamental superar a barreira da comunicação e ampliar o diálogo com tomadores de decisão e formadores de opinião no Sul e Sudeste.
A reunião com os economistas paulistas foi um avanço, mas é apenas um começo. A defesa da ZFM precisa ser ampliada e profissionalizada, utilizando argumentos sólidos para mostrar que o modelo não é um fardo fiscal, mas sim um ativo estratégico para a economia, a tecnologia e a cultura do Brasil. O grande desafio, portanto, não é apenas manter a Zona Franca funcionando, mas garantir que ela seja parte essencial do sumário da política industrial, econômica, científica e cultural do país no século XXI.
Fonte: BrasilAmazôniaAgora