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ZFM – uma reflexão geopolítica

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17/10/2014 13:41

É preciso recuar às origens para entender o papel representado pela Zona Franca de Manaus no processo de desenvolvimento do país e, a partir daí, definir estratégias de mobilização e luta para assegurar os objetivos de integração do modelo, seu adensamento, diversificação e regionalização de sua economia. Por isso, é de suma importância revisitar as transformações regionais na Amazônia e seu papel decisivo para fazer o Brasil acariciar a ideia da integração, sobretudo a partir da década de 50, com mais uma debácle da economia, representada pelo fim do II Ciclo da Borracha. O esforço de guerra coordenado por Washington, para reativar a extração de borracha, e poder movimentar as máquinas de guerra, nos anos 40, derramou alguns milhões de dólares na economia amazônica e acabou, indiretamente, empurrando para a ordem do dia a expectativas de integração da Amazônia ao resto do país. A criação da Zona Franca de Manaus (ZFM), uma movimentação dos anos 50, configurada apenas em 1967, representou – na velocidade habitual dos quelônios que descreve a relação da região com o poder central – uma resposta do Brasil às ameaças, virtuais ou concretas, de internacionalização, uma ideologia que ainda descreve a história recente da Amazônia. A Zona Franca é, pois, um emblema dessas expectativas e instrumentalização estratégicas das ameaças latente. Considerando-se suas origens e história, o modelo é um verdadeiro exercício de economia política do governo brasileiro inserido no processo de transformação de um modelo de desenvolvimento de capitalismo nacional em outro de capitalismo associado, pela necessidade de se ocupar uma região despovoada.

Ensaio de modernização


Meio aloprado, meio audacioso, e empurrado por pressões internacionais, o modelo Zona Franca de Manaus retrata um ensaio de modernização do capitalismo no Brasil, cujos avanços demonstravam a necessidade de dotar a região de condições de meios de vida e infraestrutura que atraíssem para ela a força de trabalho e o capital, nacional e estrangeiro, vistos como imprescindíveis para a dinamização das forças produtivas locais, objetivando instaurar na região condições de “rentabilidade econômica global”. Implantar o modelo fundado em renúncia fiscal, portanto, mais do que priorizar a redução das desigualdades regionais, tinha por meta promover o desenvolvimento de um conceito ainda vago de brasilidade atrelado necessariamente a circunstâncias político-econômicas locais, nacionais e mundiais. É de suma importância recordar o contexto global de Guerra Fria que forçava a opção nacional entre conservar-se na área de influência norte-americana ou encaminhar-se para o guarda-chuva soviético. Além disso, avançava o processo de descentralização industrial, impulsionado pelas inovações nas comunicações e transportes, pela indústria eletrônica e pela organização dos trabalhadores nos países industrializados.

Regime de Exceção


Internamente, a resolução das tensões relativas ao aprofundamento da democracia liberal representada por João Goulart e, acirramento com os movimentos de cunho socialismo, desembarcou no Movimento Militar de 1964 e da implantação do Regime de Exceção, que conduziu a política econômica nacional de modo a acolher o capital estrangeiro no processo de apropriação e uso das forças produtivas do país. A Amazônia, açoitada pela estagnação econômica, com a súbita evasão dos investimentos dos Acordos de Washington, de 1942, precisava de uma nova inversão. A Operação Amazônia, de que a Zona Franca de Manaus é um capítulo, é uma espécie de síntese desse quadro global, na medida em que ela resolve, no plano nacional, o modo por meio do qual ocorreria a regionalização do desenvolvimento do capitalismo, entendido como início da modernidade e profissionalização dos negócios. A Operação Amazônia compatibiliza o discurso nacionalista do militarismo com as reivindicações acerca do desenvolvimento regional da Amazônia e com o processo de transnacionalização do capital.

Dossiê Amazônia


Retomar um pouco dessa história, na carona da dissertação de José e Marcelo Seráfico, Dossiê Amazônia Brasileira, publicado pela USP, é um exercício acadêmico para compreender como, no jogo entre expectativas de integração à nação e os impasses gerados pela internacionalização, a Zona Franca foi-se, progressivamente, convertendo num espaço de relações globais que não avançou nos caminhos da inovação tecnológica e apropriação de capital intelectual como outros modelos similares e concomitantes. Desde o fim dos Acordos de Washington, a economia da Amazônia, de um modo geral, e do Amazonas, em específico, via-se órfã de políticas do governo federal que permitissem a reprodução local do desenvolvimento experimentado pelo Centro-Sul do país. Os estragos causados pela substituição da “borracha natural” pela “borracha sintética” não foi compensado pelo aumento dos subsídios à extração da borracha num momento em que as atenções do governo federal estão tomadas pelas possibilidades de substituir importações, tendo em vista aprofundar a industrialização do país. Demorou quase dezesseis anos entre a apresentação do projeto de lei nº 1.310 e a assinatura do decreto-lei nº 288, que criou e detalhou a Zona Franca de Manaus. A demora foi acompanhada pela sistemática frustração das expectativas de setores da sociedade local quanto a medidas federais que permitissem a dinamização e revitalização econômica do Estado.

Pressão nativa


Mesmo assim, os empreendedores locais não ficaram de braços cruzados. Na Associação Comercial do Amazonas e na Federação das Indústrias do Estado do Amazonas sobravam discussões e articulações para tirar o modelo do papel. Foi assim que, do ponto de vista de alguns segmentos da sociedade local, a sensação de abandono, esquecimento e incompreensão predominante cedeu, a partir da Operação Amazônia, à de esperança e alento. O que aparentemente é um problema – a cooperação entre o militarismo, a economia mundial e o nacionalismo – faz parte de um momento definido da ordem internacional. O que foi determinante – alimentado por relações pessoais entre os atores presentes, desde o empreendimento da Refinara de Manaus, foi a concepção e a decisão de implantação da Zona Franca de Manaus. Ela se funda em processos e relações mais amplas que efetivam um movimento de descentralização da produção capitalista fora das suas zonas originárias. No caso específico de Manaus, a estagnação econômica tanto contribuía para rebaixar o valor da força de trabalho quanto para aumentar a concorrência entre os trabalhadores por emprego, o que implicava dificuldades para sua organização política. Num tal contexto, o Regime Militar criou algumas das condições que permitissem ampliar as oportunidades de investimento capitalista e controlar a força de trabalho num processo em que esta se integrava em situação bastante frágil.

O papel do modelo


Com o privilégio do olhar retrospectivo, pode-se dizer que a Operação Amazônia e a Zona Franca de Manaus foram poderosos mecanismos de ajustamento das relações de produção na região às possibilidades de expansão do capitalismo monopolista no Brasil; ou sob outro ângulo, foram formas de criar no país novas oportunidades de investimento e lucratividade para a “livre empresa”, nacional e estrangeira; ou ainda, foram uma estratégia e uma tática de dinamização das forças produtivas regionais que consistiu – faça-se uma concessão ao neoliberalismo tupiniquim – na redução do custo Amazônia. É nesse quadro que se recoloca a “questão regional”, isto é, o problema de como as regiões brasileiras encontram ou veem inviabilizadas suas possibilidades de participação – social, cultural, ambiental, científica e tecnológica, política e econômica – no processo de formação da nação; é nesse quadro, portanto, que cabe avaliar o passado, apontar os impasses do presente e descortinar alternativas de futuro. Este é um debate vital para nortear projetos e as premissas de sua implantação nos próximos 59 anos.
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Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do CIEAM. Editor responsável: Alfredo MR Lopes. cieam@cieam.com.br

Publicado no Jornal do Commercio do dia 17.10.2014

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