22/06/2016 18:59
Em artigo publicado em 2000, num momento de incertezas e indefinições institucionais da economia local e nacional, a cientista social Marilene Corrêa apontava os fundamentos geopolíticos de modelos de desenvolvimento sob o conceito de zonas francas, para contextualizar como a Zona Franca de Manaus se inseriu na ordem econômica internacional dos anos da Guerra Fria. Ela argumenta que a ZFM não nasceu aleatoriamente. “É oriunda da ordem internacional imperialista mais desenvolvida, que aqui significa a existência de mecanismos reguladores das relações desiguais entre povos, nações, blocos”. Esse modelo, explica a socióloga, decorre do processo de valorização do capital e do aumento da concorrência internacional e implica em zonas de movimentação econômica menos sujeitas ao rigor fiscal e mais exemplares no sentido político adotado nos países periféricos. Este paradigma foi um dos pilares da doutrina militar denominada Operação Amazônia, segundo a qual era necessário dotar a região de condições e de meios de vida e infraestrutura que atraíssem para ela a força de trabalho e o capital, nacional e estrangeiro, vistos como imprescindíveis para a dinamização das forças produtivas locais, objetivando instaurar na região condições de “rentabilidade econômica global”. De fato, sua criação e desenvolvimento sempre estiveram atrelados a circunstâncias político-econômicas locais, nacionais e mundiais. Com o tempo a manipulação política foi predominando e determinando as (in)definições. Na lógica da Guerra Fria, portanto, a opção nacional determinada pela doutrina militar era conservar-se na área de influência norte-americana. Os tempos mudaram, e o governo supostamente esquerdizante de Lula e Dilma esteve flertando com o regime cubano, numa operação que envolveu empreiteiras, estrutura logística/portuária, com recursos provavelmente em parte gerados pela ZFM, além da importação de médicos de Havana que não precisaram validar seus currículos para aceitar a imposição de trabalhar na solidão ribeirinha amazônica. Em resumo, entre jugos liberais e esquerdistas, o modelo ZFM tem sido "pau pra toda obra", madeira de eficiência econômica para todo ensaio de promoção política. Sem significar qualquer apelo ao regime militar de exceção, uma insensatez estratégica, tudo sugere, porém, ao menos no exercício da liberdade gerencial e suporte legal/constitucional, que está na hora de uma nova Operação Amazônia, para demonstrar os acertos e potencialidades desta modelagem de renúncia fiscal atrelada a redução de desigualdades regionais: a Zona Franca de Manaus.
Paradoxos da ZFM
Liberal ou excepcional, do ponto de vista do Estado Democrático, o fato é que nenhuma outra presença federal olhou para a região a partir de uma planificação estratégica, com inovações nas comunicações e transportes, pela adoção da indústria eletrônica como base tecnológica de longo prazo. O Movimento Militar de 1964 e a implantação do Regime de Exceção, que conduziu a política econômica nacional de modo a abrir a economia regional para o capital estrangeiro, bem ou mal, deixou marcas de ineditismo da presença federal na região. A experiência “socialista”, por sua vez, a luz do volume de recursos subtraídos, foi calamitosa para a região, transformada em exportadora líquida de recursos que decretaram a desindustrialização do modelo, impedindo que a riqueza aqui gerada promovesse o adensamento, diversificação, regionalização e paulatina independência dos incentivos fiscais. Até então, o Brasil se postava acocorado e de costas para os interesses da Amazônia, mantendo-a sob estagnação econômica legada pelo fim do “Ciclo da Borracha” e apenas brevemente superada pelos Acordos de Washington, de 1942. A Operação Amazônia, de que a Zona Franca de Manaus é um capítulo, é uma espécie de síntese desse quadro global, na medida em que ela encaminha, no plano nacional, o modo por meio do qual ocorreria a regionalização do desenvolvimento do capitalismo, entendido como início da modernidade e profissionalização dos negócios. A Operação Amazônia compatibilizou o discurso nacionalista do militarismo com as reivindicações acerca do desenvolvimento regional da Amazônia e com o processo de transnacionalização do capital, conforme estudos de Marcelo e José Seráfico.
A renúncia, a lei e o caminho
Vale a pena retomar um pouco dessa história para compreender como, no jogo entre expectativas de integração à nação e impasses gerados pela internacionalização, a Zona Franca vem, progressivamente, se convertendo num espaço de relações globais. Desde o fim dos Acordos de Washington, a economia da Amazônia, de um modo geral, e do Amazonas, em específico, via-se órfã de políticas do governo federal que permitissem a reprodução local do desenvolvimento experimentado pelo Centro-Sul do país, obviamente em patamares avançados de distribuição de renda, planejamento estratégico e sustentabilidade. Para onde queremos e podemos seguir? Esta é uma resposta que só o entendimento proativo, desprovido de sectarismo partidário e munido de altruísmo e espírito público pode oferecer. Em artigo publicado nesta terça-feira, o presidente do CIEAM, Wilson Périco, resgata os acertos da renúncia fiscal na ZFM e propõe um caminho: “O momento exige conversa e entendimento, sim. E não há mais como empurrar para debaixo do tapete essa desarticulação nociva. Juntos, podemos dar um basta na disputa pequena do interesse partidário, do conflito estéril que compromete a economia, a sociedade e a Democracia. Divididos somos fracos para defender a ZFM, tanto do descaso federal como do confisco crônico da riqueza aqui produzida e que deveria ser aqui aplicada. O Acórdão entre TCU e o MPF/AM – disponível no portal do CIEAM – recomenda a criação de uma instância de gestão/articulação da ação federal no Estado, e na própria região, para racionalizar, integrar e tornar mais eficiente a aplicação dos recursos públicos. E recomenda a execução do ZEE, Zoneamento Econômico e Ecológico no Estado, um instrumento de gestão das fragilidades e potencialidades da região. Em nome uma intocabilidade ambiental equivocada, que escondeu a acomodação a omissão com as oportunidades de novas matrizes econômicas, nada aconteceu. As empresas fizeram o dever de casa. O modelo ZFM, nos últimos 10 anos, tem recolhido mais da metade de todos os recursos federais da Região Norte e o Amazonas é o que recebeu menos repasses e investimentos no período. Nos últimos 10 anos, recolhemos, segundo dados da Receita, R$ 91, 6 bilhões para a União Federal, que repassou para o Amazonas apenas R$ 24,3 bilhões. Ou seja, apenas um terço da arrecadação retorna para o Estado. Além desta receita, no mesmo período, as empresas recolheram aproximadamente R$ 10 bilhões para a Suframa e para P&D, pesquisa e desenvolvimento, verbas que o governo federal confiscou em 80% para outros fins. Está na hora de convidar a sociedade para dar um basta às distorções/divisões e pensar nas recomendações do Acórdão histórico entre TCU e MPF/AM, em nome do entendimento fraterno e em favor do Amazonas, da Amazônia e do Brasil”.
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Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do CIEAM. Editor responsável: Alfredo MR Lopes. cieam@cieam.com.br
Publicado no Jornal do Commercio do dia 22.06.2016