28/07/2022 10:28
Tudo isso combinado parece nos levar a um cenário com viés negativo para inflação e, com isso, para um novo ciclo de taxas de juros reais positivas, nas economias avançadas, em contexto de taxas medíocres de crescimento econômico.
Por Márcio Holland
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Estamos em momento de grandes indefinições sobre o ritmo das políticas monetárias nos principais bancos centrais. As altas taxas de inflação em economias acostumadas com níveis bastante controlados de seus preços têm causado muitas dúvidas e controvérsias. Nos Estados Unidos, a inflação atingiu 9,1% e, na média de 27 economias da União Europeia, chegou em 9,6%. Na média mundial, a inflação está na casa dos 7,4%. São patamares típicos de países inflacionários como os latino-americanos.
Há componentes tanto do lado da oferta, quanto do lado da demanda, nestas taxas inflacionárias. Do lado da oferta, pode-se listar a desarticulação das cadeias produtivas globais e problemas na logística internacional para o transporte de mercadorias, com a retomada da economia no compasso do arrefecimento da pandemia da Covid-19; as medidas de tolerância zero para contágios do coronavírus nas principais cidades da China comprometem a oferta de produtos industrializados; e, desde fevereiro deste ano, tem pesado muito as consequências econômicas da invasão da Rússia em território da Ucrânia, com especial efeito sobre oferta de energia e de alimentos. Do lado da demanda, os Estados Unidos vêm sentindo uma ressaca com o pacote de US$ 1,9 trilhões de expansão fiscal de Joe Biden, além de demanda mais forte por bens, até mais do que por serviços, em tempos de oferta global limitada.
Há, ainda, fatores estruturais que vem ganhando peso e impulsionando os fatores conjunturais listados acima, e comprometendo a capacidade de crescimento das economias centrais. Há indícios de queda dos movimentos migratórios combinado com envelhecimento das populações e, com isso, de queda na oferta de mão de obra. Há, ainda, fortes suspeitas de que as inovações em voga, no rastro da chamada economia 4.0, não têm o ímpeto de uma onda de inovação tipicamente Schumpeteriana. Elas parecem mais incrementais do que criadoras genuínas de novas trajetórias no mundo dos negócios. O potencial de crescimento do PIB nas economias avançadas vem se estreitando e, com isso, qualquer pressão de demanda, como a expansão fiscal do Biden, ou choque de oferta, como a invasão russa na Ucrânia, reflete em aumentos de taxas de inflação muito rapidamente.
O mundo já experimentou um longo período de baixas taxas de inflação com boas taxas de crescimento econômico, como na fase da “great moderation” (grande moderação), que se estendeu de meados dos anos 1980 até a Crise Financeira Internacional de 2007/2008. Neste momento, vem se desenhando uma fase de características opostas, e que pode durar mais do que muitos analistas vêm prevendo.
Aqui residem grandes controvérsias. Seria mesmo as altas taxas de inflação atuais um fenômeno transitório ou permanente? Nesta semana, Paul Krugman fez mea culpa, em sua tradicional coluna no The New York Times (“I was wrong about inflation”), assumindo que ele estava errado em sua avaliação sobre inflação. É um gesto nobre de um prêmio Nobel para dizer que há sim uma inflação de demanda forte, além da inflação de oferta. Krugman se refere ao seu posicionamento sobre os impactos do pacote de Biden; quando de seu lançamento, ele defendia que a inflação era de oferta e que, por isso, o Fed, banco central dos Estados Unidos, não tinha muito o que fazer. Parece que o Fed pensou a mesma coisa.
Tem sido tempos difíceis para os banqueiros centrais administrarem suas políticas monetárias, assim como para os analistas de mercado tentarem antecipar movimentos das taxas de juros nas principais economias avançadas. E isso tem sido fonte de grandes volatilidades nos mercados financeiros e nas taxas de câmbio.
Atualmente, é amplamente aceito que o Fed está “atrás da curva”, em uma corrida apressada tentando normalizar a sua taxa básica de juros rumo a casa dos 3,5% ao ano, ou mesmo mais, até o final deste ano. Trata-se de um movimento brusco, para quem operou por quase dois anos seguidos entre 0 e 0,25% ao ano. O Fed assistiu passivamente a forte alta dos preços, quando da reabertura das economias com o arrefecimento da pandemia, e quando dos anúncios de pacotes de forte expansão fiscal. De final de 2020 para 2022, o Fed assistiu de camarote a taxa de inflação, medida em índice de preço ao consumidor, saltar de menos de 1% para 9,1%. E nada fez. O Presidente do Fed, Jerome Powell, mudou sistematicamente seu discurso ao longo deste tempo. No começo de 2021, ele dizia que havia “alguma inflação, mas ela era transitória”. Poucos meses depois considerou que “poderia não ser transitória conforme o mercado de trabalho se aquecia”; já no começo deste ano, reconheceu que era preciso promover um “soft landing” na economia, subindo “agressivamente a taxa básica de juros”. São avaliações muito distintas em intervalo de tempo muito curto e, por isso, fonte de incerteza adicional, partindo da maior autoridade monetária do mundo.
Mesmo prevendo novas rodadas de altas nas taxas dos Fed Funds para esse ano, o mercado também projeta redução destas taxas ao longo do próximo ano. As taxas de juros dos títulos públicos Norte Americanos de 10 anos mostram essa movimentação projetando taxas abaixo de 3% ao ano, para final de 2023. Na visão do mercado, tem crescido a probabilidade de recessão nos EUA, conforme vem mostrando os indicadores antecedentes desde março deste ano. Basta um olhar rápido nos PMI (Purchasing Managers Index), um indicador de tendências de compras dos gerentes, de indústria e de serviços, nos EUA, e mesmo na Europa. Enquanto o Fed corre atrás da curva de juros, de olho na altas taxas de inflação, o mercado abre os olhos para a recessão chegando a passos largos. Mas, nada aqui é cristalino. Não há nada definido neste jogo. De novo, podemos estar desenhando uma fase diametralmente oposta à da “grande moderação” e essa fase pode ser bem mais longa do que se espera.
Tudo isso combinado parece nos levar a um cenário com viés negativo para inflação e, com isso, para um novo ciclo de taxas de juros reais positivas, nas economias avançadas, em contexto de taxas medíocres de crescimento econômico.