14/10/2020 11:11
Fonte: Brasil Amazônia Agora
ENTREVISTA COM NIRO HIGUCHI
Niro Higuchi (*) é a maior autoridade global, reconhecida pela ONU, em matéria de Silvicultura Tropical e da relação da Amazônia com o Clima, e como funciona a dinâmica de fixação do Carbono, nossa capacidade de fixar as emissões do planeta e as implicações econômicas potenciais. Isso lhe custou o Prêmio Nobel da Paz, em 2007, compartilhado com Al Gore e todos os principais atores da ONU no estudo sobre as Mudanças Climáticas. Também lhe custou um contrato com o governo japonês para liderar um consórcio de mais de duas dezenas de instituições do mundo inteiro para estudar a estrutura e o funcionamento da fixação do carbono na Amazônia, mais detalhadamente no Estado do Amazonas. Nesta entrevista, ele sugere um estudo para demonstrar qual a importância da indústria da Zona Franca de Manaus na proteção da floresta e seus benefícios para o Clima. Confira.
1. FUP: Em palestra sobre economia florestal, na sede da FIEAM, você mencionou que o Amazonas tem um potencial de 3,4 bilhões de metros cúbicos para MFS. Quais são as premissas/condições deste mercado?
Higuchi: Construímos essa estimativa com base no volume médio que a Precious Wood, a empresa MIL Madeireira explora por hectare, em Itacoatiara-AM, algo que é considerado estimativa muito baixa. A diversidade de espécies é um obstáculo para o mercado atual, que tem uma demanda bem fechada em termos de variedades das espécies. Assim fica difícil dar escala, ou seja, justificar um investimento. Uma coisa é a disponibilidade dos recursos; outra coisa é a acessibilidade, o custo de explorar sustentavelmente os ativos florestais.
2. FUP: Em artigo publicado no Estadão, dia 07/10/20, o ex-governador capixaba, Paulo Hartung, falou maravilhas da potencialidade bioeconômica das florestas plantadas. Qual é a atratividade comercial de trabalharmos com madeira nativa em áreas degradadas do Estado?
Higuchi: Essa maravilha de negócio começou em 1966 com os incentivos fiscais para o reflorestamento. Qualquer cidadão brasileiro podia investir em nesse mercado 50% do imposto devido. Sopa no mel. Depois de 54 anos, esse mercado se consolidou, muita pesquisa foi realizada e, hoje, esses reflorestamentos são o orgulho da engenharia brasileira. Veja o papel do Estado em construir novos cenários de geração de riqueza. Isso se deu na aviação aérea, com a Embraer, no Programa do Álcool, nos anos 70, e vai sempre se repetir quando o Estado Brasileiro tiver vontade política de construir novos mercados. A Amazônia, por enquanto, ainda tem que esperar sua hora, seu projeto, ou ser descoberta.
3. FUP: Entre as Contribuições Nacionalmente Determinadas (CND) do Brasil, no Acordo do Clima, está previsto mais apoio ao MFS. Isso poderia destravar a economia florestal do Estado?
Higuchi: Infelizmente as CNDs não são levadas a sério. A razão é simples: exageraram na dose burocrática. O MFS é o único instrumento que permite fortalecer o estoque florestal, pois remove indivíduos(árvores) envelhecidos, gera atividade econômica, combate o desmatamento e o comércio ilegal de madeira. Entretanto, a burocracia é tão grande que a titularidade da terra, passados quarenta anos de investimentos e benefícios, permanece pública, sob gestão do governo, durante todo período da concessão. Além disso, é proibido acessar o patrimônio genético, os recursos minerais, pesqueiros e da fauna silvestre e comercialização de créditos de carbono.
4. FUP: CADAF, você pode dizer o que é e como essa iniciativa apontou novos caminhos para valorização climática da floresta e do mercado madeireiro?
Higuchi: Recomendo acessar o resumo do projeto no portal do INPA, além do Relatório final. http://cadaf.inpa.gov.br/
5. FUP: Uma de nossas bases de defesa da ZFM é a proteção florestal que, atualmente, é um fator virtuoso e inercial, pois o setor produtivo não tem uma ação direta nessa direção, além de oferecer alternativas econômicas para as famílias. O que poderia ser feito para essa proteção ser mais efetiva?
Higuchi: Estou sugerindo um experimento demonstrativo no Distrito Agropecuário da Suframa para demonstrar aos empresários do Polo Industrial de Manaus a importância desse ativo relacionado ao setor produtivo. Infelizmente, a pandemia tem atrasado nossos planos.
6. FUP: Em que consiste essa proposta?
Higuchi: Em uma de nossas conversas, você ironizou em cima da informação de que as árvores soltam pum, fazem cocô e xixi. Você duvidou que eu estivesse atrás do entendimento da capacidade de flatulência da floresta. É mais ou menos este o ponto de partida. Como havia lhe dito, o nosso peso, ganho e perda de peso durante um ano, é um problema só nosso. No entanto, para manter o nosso peso, nós temos que nos alimentar todos os dias. E o que consumimos é importante para a economia, política etc. É isso que eu quero demonstrar no Distrito. Qual é a capacidade de troca da nossa floresta com a atmosfera. E o que isso tem a ver com a indústria da ZFM. Ora, isso tem importância planetária. O desafio será demonstrar o valor daquilo que fazemos a partir da economia local. No nosso caso, seres humanos, a gente pode estimar o quanto consumimos (por ano, por exemplo) olhando o cupom fiscal das nossas compras. Outra alternativa seria ir ao banheiro e pesar as nossas saídas. Na floresta não há cupom fiscal. Nós vamos ter que ir ao banheiro.
(*) Niro nasceu no Paraná, em 1952, e trabalha em Manaus, no Inpa, Instituto Nacional de Pesquisa na Amazônia desde 1980. É Engenheiro Florestal (UFPR 1975), Mestre (UFPR -1978), Doutor (Michigan State University 1987) e Pós-Doutor (University of Oxford 1998). Pesquisador em Recursos Florestais e Engenharia Florestal, com ênfase em Inventário e Manejo Florestal, é membro titular da Academia Nacional de Engenharia (ANE) e da Academia Brasileira de Ciências (ABC).