26/11/2014 16:49
A indústria do conhecimento
É importante destacar que, além da hevea brasiliensis, os viajantes europeus e suas expedições ditas científicas levaram cacau, milho, batata, tabaco, abacaxi, caju, goiaba, maracujá, mandioca, macaxeira, açaí, guaraná, pupunha, além de quinino, cinchona, ipeca, jaborandi, capim-santo... Muitas dessas espécies voltaram em forma de alimentos e medicamentos beneficiados, com agregação de valor, pela indústria estrangeira. E a dedução destes fatos não poderia ser mais eloquente. Quem mais plantou mais colheu na semeadura da inovação, da qualificação tecnológica, da profissionalização de pessoas e processos, na industrialização do conhecimento e da visão de longo prazo. Por outro lado, importamos para a Amazônia brasileira e países da América tropical, grande variedade de produtos da Ásia e da África, tais como manga, jaca, café, arroz, cana-de-açúcar, banana, entre outros, geradores de economia em escala e commodities lucrativas do agronegócio. O que importa, nessa reciprocidade de biodiversidade, é identificar quem fez o dever de casa e agregou inovação e valor a esses produtos, o investimento em inovação e desenvolvimento, que este ou aquele país ou cultura aplicou em cada um desses itens do bioma natural. É importante revisitar alguns lugares comuns da história da agro e da bioindústria para trazer à luz acertos e negligências, atitudes proativas ou condutas de indiferença e omissão. É neste contexto que fica mais coerente e procedente refletir a economia do látex e a história do desenvolvimento da Amazônia.
Lógica da alienação
É preciso, pois, desfocar a questão que acompanha apogeu e decadência nos diversos ciclos econômicos, desde as ervas do sertão ao modelo vigente da economia regional representado pela Zona Franca de Manaus, segundo a qual o herói ou o vilão desta tragédia são os outros. Chegou a hora de perguntar, no estreito limite do quintal de nossa individualidade, por que protelamos a curiosidade fecunda acerca das causas estruturais e dos fatores explicativos de nossos fracassos. Não soa ridículo, por exemplo, seguir esperando que um burocrata da Casa Civil do governo federal transforme em édito real a definição do modelo de gestão do Centro de Biotecnologia da Amazônia? Ninguém aqui está propondo o paradigma da invasão, tão em voga para ocupar o espaço que os invasores justificam como seus, na lógica natural da propriedade pré-capitalista. A lógica da dominação federal, fator de oportunismo e controle estratégico e da hegemonia política que a questão esconde, é, sejamos francos, credenciada e referenciada pela inércia dos atores locais. Ou seja, o silêncio obsequioso, a começar pelos efetivos patrocinadores da iniciativa, as empresas que recolheram as taxas da Suframa, autoriza essa anomia ou anomalia institucionalizada. Ou damos um passo à frente na direção de transformar esse ciclo de ovo depois a galinha e depois o ovo, eternamente, num omelete de virada, ou, como disse um leitor atento dessa novela, passamos, doravante, a motivos de piada pelo reconhecimento público da insignificância dessa ladainha.
Matrizes esquecidas
Nunes Pereira (1892-1985) cafuzo, descendente de índios, negros e brancos, era um visionário maranhense que viveu maior parte de sua vida no Amazonas. Além de poeta e escritor, era um veterinário que estudou a fauna amazônica como poucos. Sua obra mais conhecida, Moronguetá - um Decameron indígena – é um conjunto monumental de pesquisas, e interlocução com cientistas sociais respeitados como Roger Bastide e Claude Lévi-Strauss. Em 1922, para celebrar 100 anos da Independência do Brasil, na ótica amazônica, escreveu sobre a vocação agropastoril das várzeas da hidrografia regional. Ele inaugurou um conjunto de iniciativas, reflexões, debates, estudos e teses que influenciaram fortemente os grandes pensadores e empreendedores da região. Os estudos biológicos, notadamente sobre aquicultura, a potencialidade agrícola das várzeas, as pesquisas etnográficas, de geografia humana, social, econômica e cultural do imenso Vale Amazônico, foram deixados de lado pelos pesquisadores atuais. A pesquisa padece de verba e integração com o desenvolvimento e serviço a comunidade. Hoje é mais importante subir na carreira acadêmica do que provocar a opinião pública em torno dos novos caminhos, que esta região oferece para adensar, diversificar e regionalizar as matrizes econômicos e os acertos desta indústria sem chaminé da Zona Franca de Manaus. Voltaremos...
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Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do CIEAM. Editor responsável: Alfredo MR Lopes. cieam@cieam.com.br
Publicado no Jornal do Commercio do dia 27.11.2014