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“O Brasil nos trata como colônia”

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12/12/2013 11:47

Enquanto o Brasil do Planalto Central, ou dos morros paulistanos do Morumbi, ficam debatendo se um emprego na Amazônia custa 120 mil ou 210 mil reais de renúncia fiscal, em comparação a outros mecanismos de redução das incômodas desigualdades regionais desta nação, um outro Brasil desconhecido segue tratado como parente de segundo grau numa consanguinidade risível, ou constrangedora, que o discurso da integração esqueceu. Neste clima de prorrogação da Zona Franca, em que o modelo, com todos os seus acertos e avanços, é tratado como pesadelo fiscal - na ótica de uma brasilidade nefasta - uma reportagem sobre a presença militar nas fronteiras da Amazônia trouxe à baila nesta semana um cenário elucidativo de dois terços do território brasileiro. Soldados que defendem fronteiras da Amazônia vivem na ‘idade da pedra’. “Vinte minutos para abrir uma página na internet, racionamento de energia elétrica, provida por até 16 horas diárias por um gerador. Sinal de celular, nem pensar. Telefonia fixa? Apenas um orelhão. Água da chuva para beber e água do rio para tomar banho, lavar roupa e louça. Abastecimento de comida e remédio a cada 30 ou 45 dias, dependendo da disponibilidade de um avião.” Eis um cotidiano duro, mantido por um patriotismo da doutrina da segurança militar e do compromisso de zelo e guarda de uma Amazônia cobiçada. Assim como o modelo Zona Franca de Manaus, o projeto da presença militar na Amazônia tiveram historicamente o papel de integrar para não entregar a floresta à cobiça estratégica dos países avançados. “Infelizmente, o Brasil nos trata como colônia”, diz o general Villas-Bôas.

Tesouro incalculável

O Instituto Nacional do Câncer, nos Estados Unidos, estima que 25% de todas as substâncias usadas para tratamento de tumores no mundo, hoje, venham de florestas tropicais. Aqui, também, adormece na expectativa de investimentos, a cura da Aids, da tuberculose, o retardo e gestão da velhice do organismo humano. Apesar disso, só temos 500 cientistas, quase todos idosos e em vias de aposentar. E somente o campus da USP - Universidade de São Paulo, em Ribeirão Preto, tem mais pesquisadores do que todo o estado do Amazonas. Enquanto a unidade de Piracicaba põe no mercado dezenas de itens da floresta amazônica, aqui quase nada acontece, pois a estrutura de gestão academia, pesquisa e mercado na região é simplória. A Universidade Federal do Rio Grande do Sul tem mais que o dobro do número de pesquisadores do Pará, o estado líder na região em matéria de cientistas qualificados. A Universidade de São Paulo tem o triplo de doutores de toda a Amazônia. A região é cenário de 18% das pesquisas em biodiversidade no Brasil, contra 36% da Mata Atlântica, embora essa última represente 2% da Amazônia. Com seus insumos para cosméticos e fármacos, além da aquicultura, uma indústria de proteína de primeira qualidade e sabor inigualável, a Amazônia está à espera do seu descobrimento, meio milênio depois que os Viajantes Europeus entenderam sua dimensão e valor.

Pesquisadores escassos

A falta de pesquisadores é agravada pela baixa qualidade dos cursos de formação de cientistas. Nenhum curso de mestrado ou doutorado de universidades amazônicas alcança a nota máxima, 7, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), instituição ligada ao Ministério da Educação. A maior parte leva 3, a nota mínima para não fechar as portas. Por isso ainda cabe insistir na definição do prédio erguido em meio às indústrias da Zona Franca de Manaus – ao custo de R$ 120 milhões das verbas da Suframa, ou seja, das taxas recolhidas pelas empresas – serve de símbolo do quadro desolador da pesquisa científica e sua relação com o mercado na região. Eis o Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA), inaugurado em 2002 e dotado de 25 laboratórios para emplacar um centro de excelência em biotecnologia na Amazônia. Para o comandante militar da maior floresta tropical do mundo, a Amazônia é como uma colônia do Brasil. "Ela não está integrada ao país e, portanto, não há conhecimento de sua realidade e potencial", diz o general Eduardo Villas Bôas, 61, desde 2011 à frente de 19 mil homens e 9.300 km de fronteiras. Ele citou a ausência estatal na floresta, criticou a política indigenista oficial, alertou sobre a ação de ONGs na região e aprovou, com ressalvas, o programa Mais Médicos.

Vulnerabilidade e isolamento

Para o general, numa entrevista recente à Folha, “As reais necessidades da população da Amazônia chegam ao centro-sul de maneira distorcida. Com isso, monta-se uma base de conhecimento desfocada, com soluções não apropriadas. A população, principalmente no interior, não tem necessidades básicas atingidas. Em grande parte, não há nenhuma presença do governo do Estado. Em algumas áreas as Forças Armadas são essa única presença.” E esse distanciamento se reverte em grande vulnerabilidade que afeta o país como um todo. Estamos no século 21 e o Brasil com sua dimensão continental não tem um satélite. “Não vamos ter autonomia total enquanto não tivermos nossos satélites.” Indagado sobre o papel das ONGs, ele destacou aquelas que, efetivamente, ajudam e aquelas que agem sem controle e focadas em outros interesses. "Veja a dificuldade para asfaltar a BR-319 que liga Manaus e Porto Velho. Em 2009, o braço brasileiro da ONG americana Conservation Strategy Fund divulgou estudo afirmando que a reforma da estrada traria prejuízo. É uma rodovia que já existiu, não gerou desflorestamento, não houve prejuízo ambiental. Mas o governo não consegue fazer... é um absurdo. Manaus está conectada à Venezuela, mas não ao restante do Brasil. É extremamente difícil viabilizar a recuperação dessa rodovia, são forças que realmente têm capacidade de intervir e inibir isso. E muito por causa do fundamentalismo ecológico. Não se faz omelete sem quebrar o ovo, se vou lançar um gasoduto, alguma árvore vou derrubar. É uma visão pragmática.”
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Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do CIEAM. Editor responsável: Alfredo MR Lopes.  cieam@cieam.com.br

Publicado no Jornal do Commercio do dia 12.12.2013



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