26/08/2022 11:16
“Vamos considerar o papel da Botânica como um dos exemplos de nossas contradições: este é o único curso de pós-graduação na Amazônia e está para ser extinto. Neste curso estão envolvidos 20.000 anos de relacionamento entre as populações indígenas e o acervo natural do bioma amazônico.”
Por Alfredo Lopes e Estevão Monteiro de Paula
O INPA (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), assim como todo país, está sob o signo da política, no modo empobrecedor do maniqueísmo, onde o mundo está classificado entre anjos e demônios. Assim procedendo ficamos longe da democracia, um exercício histórico e cultural de ordenamento do interesse público. Uma metodologia cívica que é preciso adotar. A demonização dos atuais gestores do INPA é incongruente e não agrega na adoção do interesse civil. Ciência é ação compartilhada em sentido amplo, quando explicitamos os propósitos de seus atores e respectivas implicações sociais e econômicas em jogo. Vivemos um período muito pobre da nossa história para conviver com deleites acadêmicos que não priorizem a geração de emprego, renda e distribuição de oportunidades, de olho no mercado e na geração de riquezas e de sua distribuição inteligente. Sem esquecer que a melhor maneira de proteger um bem natural é atribuir-lhe uma atividade econômica sustentável.
O local que o INPA deve ocupar
O INPA precisa ser tratado como um instituto para fazer Ciência com o radar ligado na realidade presente e suas determinantes na escolha dos objetos, objetivos e compromissos do saber a ser consolidado. Não há espaço para o laissez faire, ou seja, cada macaco na sua ingazeira, quando o motor desta atividade é o dinheiro do contribuinte. O papel do gestor público é assegurar a sacralidade desta vinculação, suas premissas e métricas de resultados..
Vamos considerar o papel da Botânica como um dos exemplos de nossas contradições: este é o único curso de pós-graduação na Amazônia e está para ser extinto. Neste curso estão envolvidos 20.000 anos de relacionamento entre as populações indígenas e o acervo natural do bioma amazônico. Entomologia com informações sobre os insetos da Amazônia, sua forma de vida e sua relação com o seu ambiente; Genética, a dinâmica da vida, sua propagação e possibilidade de perenidade; Ciências Florestais e Ecologia (atualmente temos os melhores cursos de pós-graduação nessas áreas no Brasil). É fundamental enfatizar duas coisas importantes nestes cursos: 1. Cursar alguns programas de pesquisa no INPA é considerado uma experiência entre as mais raras no mundo, posto que o pesquisador vê o objeto de seu estudo no esplendor da natureza Amazônia que se descortina a sua frente. Os dados, na sua maioria, são primários e experiência de campo na floresta Amazônica dos estudantes do INPA é única e indescritível. 2. Cerca de 85% dos alunos formados pelo INPA ficam na Amazônia, alguns exercem cargos relevantes na Amazônia Continental. Esta é a mais preciosa cultura amazônica, seu modo amoroso de olhar e cuidar da realidade e seus determinantes ambientais.
Nossos cursos, com efeito, devem avançar na multidisciplinaridade, expandir na utilização de equipamentos com maior agregação tecnológica, conjugar inovação e aprofundamento científico. Assim fica mais fácil acessar e integrar as diversas áreas do conhecimento. Sem descuido de estatísticas, bases matemáticas e modelagem que devem fazer parte, com a facilitação de instrumentos eletrônicos que integram esse processo, mas não dispensam o domínio das variáveis e interpretações da intuição humana. A Academia de Estatística dos Estados Unidos tem alertado ao mundo erros de análises seríssimos em grande parte da produção cientifica em movimento, incluindo as publicadas nas revistas cientificas mais importantes.
Algumas teses já poderiam ser defendidas simultaneamente por 2 ou 3 ou mais pesquisadores. Assim os alunos poderiam ser avaliados por sua capacidade de desenvolver trabalhos multi, e interdisciplinares, somando ares de conhecimento e diversidade de abordagens para um relevante problema. Há um círculo vicioso na rotina da pós-graduação quando prioriza a titulação desvinculada da necessidade de integração com a realidade econômica e social em que está inserida. Temos necessidade de desenvolvimento tecnológico dada a escassez do conhecimento interdisciplinar nesta área inovadora. É fundamental criar mecanismos para bons alunos para se deslocarem para centros destacados para execução/adensamento de seu acervo de conhecimento e experiência.
Na área de piscicultura e floresta, existe uma rotina histórica e bem sucedida nessa troca de experiências.
Quando falamos em urgência do INPA se reinventar, queremos acentuar a emergência e a gravidade de algumas questões. O INPA está minguando na quantidade de pesquisadores e técnicos, na sua forma de governança, na produção cientifica e na sua participação de assuntos relacionados as suas áreas de competências juntos a sociedade. E por uma razão muito simples: como qualquer outra instituição pública, muitos servidores estão se aposentando, alguns infelizmente faleceram. Isto implica que houve linha de pesquisas suspensa e que pararam e alguns laboratórios estão sem funcionamento.
No caminho entre o laboratório e o chão de fábrica, antes de testar o produto no mercado, é preciso que façamos pequenas revoluções organizacionais, tecnológicas com a participação de especialidades que, outrora, não imaginávamos ser tão importantes para essa expansão do conhecimento e sua conexão com o interesse maior da sociedade. Os novos equipamentos, como a adoção de energia infravermelha, do raio laser, Drones, nanotecnologia e por aí vai porque a lista é enorme, Precisamos abrir as portas “sagradas” dos laboratórios e acolher os especialistas do cotidiano, permitir que eles nos orientem, compartilhe suas habilidades e as integre com as nossas.
Cabe aventar, aqui, a distribuição farta de sandálias da humildade, a começar pelo autoreconhecimento de que alguns métodos, alguns referenciais teóricos e algumas certezas dogmáticas se revelaram obsoletas E pela falta de acesso a equipamentos com mais rigor de análise e de resultados. E ao usar a expressão chão de fábrica, queremos dizer o tamanho das lições que precisamos assimilar para a produção em série de nossos inventos. Planilha de custo, gestão corporativa, logística avançada, analise de custo benefício. Aqueles que geram riqueza tem muito o que nos ensinar para retirarmos dos escaninhos as descobertas que ficaram nas pastas suspensas da desarticulação institucional.
Voltaremos!
Alfredo (esquerda) é consultor ambiental, filósofo, escritor e editor-geral do portal BrasilAmazôniaAgora e Estevão (direita) é doutor em Engenharia de Produção pela Universidade do Tenesse, Professor da UEA e UFAM e ex-diretor do INPA