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Gestão orçamentária em tempos de crise fiscal (parte 2)

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26/01/2024 08:43

Por Paulo R. Haddad

Novas experiências com orçamento de base zero têm se multiplicado entre as grandes organizações públicas e privadas de diversos países ao longo das últimas décadas. No Brasil, são as grandes corporações privadas que têm liderado esse processo quando adotam estratégias de baixo custo, de diferenciação de produtos ou de diversificação do seu escopo produtivo.

Diferentemente dos orçamentos tradicionais que são de natureza repetitiva, o orçamento de base zero não faz apenas pequenas variações nos orçamentos passados, mantendo sua estrutura de base. Na verdade, o orçamento de base zero permite incorporar a nova agenda de prioridades da sociedade nas políticas, programas e projetos ao longo do processo de alocação dos recursos escassos disponíveis. Identifica e elimina atividades e funções programáticas obsoletas e socialmente inúteis. Amplia o grau de comunicação transversal e de interdependência entre políticas públicas de diferentes órgãos. Descortina oportunidades de privatizações, de terceirizações e de concessões de bens e serviços semipúblicos. Impõe a necessidade de que servidores públicos organizem suas metas e seus objetivos em função de sua missão, a partir de retreinamento metodológico específico.

De acordo com a metodologia do orçamento de base zero, nenhum órgão da administração direta e indireta dispõe, inicialmente, de cotas preestabelecidas ou corrigidas segundo regras uniformes. Deve haver uma sólida justificativa para cada programa, subprograma ou atividade a ser iniciada no orçamento a fim de ter acesso aos recursos fiscais. Essa função de reprogramação orçamentária deverá ser articulada com um projeto de Reforma do Estado, pois poderá resultar na desativação, na reordenação e na integração de programas e projetos de diferentes instituições do setor público.

Ocorre, porém, que no atual contexto político, em que há uma polarização política no Congresso Nacional, dificilmente seria possível realizar uma experiência de orçamento de base zero, pois:

a) a grande maioria das despesas se encontra vinculada restringindo o poder decisório para grandes mudanças na estrutura das despesas;

b) por trás de cada despesa, há algum interesse da sociedade civil organizada e politicamente mobilizada de natureza social, ambiental, industrial, produtivo e não produtivo etc;

c) as chances de se expandir a carga tributária de forma significativa para atender a avalanche de demandas da população são politicamente limitadas;

d) a resistência das lideranças políticas em realizar um processo de Grande Transformação da sociedade brasileira.

O Governo Federal passa, então, a tomar decisões de reprogramação orçamentária ad hoc, numa prática de equilíbrio fiscal e financeiro de acordo com as exigências da base aliada e não de acordo com as prioridades de planejamento, através de contingenciamento, do congelamento e de ajustes das despesas públicas. Como as despesas não vinculadas ou discricionárias dos orçamentos (OGU, PPA) são uma parcela quantitativamente pouco expressiva, o governo acaba desprezando os fundamentos da Rede de Precedência (sequenciamento, cadência, intensidade) na estrutura das despesas. Vai se formando na opinião pública a percepção de desorganização da administração pública com a perda de qualidade dos serviços públicos, com a acumulação de mais de uma centena de obras iniciadas e não acabadas, com programas e projetos sem eficácia (fazer a coisa certa) e sem eficiência (fazer certo as coisas certas) dando a impressão na linguagem de planejamento em inglês de “muddling through”, ou seja, “comprometer-se com a gestão de alguma coisa embora não estar organizado e não saber como fazê-lo”.

Sem saída?

De forma alguma. Não tem sentido o governo tentar resolver a inequação da crise fiscal através de programas de austeridade baseado no tripé do Estado mínimo, do equilíbrio das contas públicas e do controle do endividamento público, na expectativa que a sinergia dessas ações possa trazer para a arena econômica a retomada do crescimento, dos empregos de qualidade, da competitividade sistêmica, etc. Todas essas ações de um modelo de equilíbrio fiscal expansionista são necessárias e indispensáveis, mas não suficientes para retirar o Brasil do que se denomina “a armadilha da renda média” e colocá-lo no rol das economias mais desenvolvidas do Mundo.

Ninguém financia ideias ou sonhos; os financiamentos ocorrem quando há projetos de investimentos com adequada rentabilidade privada ou social. Algum crescimento pode ocorrer durante os ajustes macroeconômicos enquanto houver ociosidade na capacidade produtiva. Mas, sem acumulação de capitais tangíveis e intangíveis não há como recolocar a economia brasileira na trilha do desenvolvimento sustentável.

A mudança de patamar de desenvolvimento do Brasil pressupõe que haja um novo ciclo de inovações científicas e tecnológicas, construído a partir do Terceiro Ciclo de Expansão do pós-II Grande Guerra, a partir de processos de planejamento de longo prazo. De outra forma, prevalecerá a gestão orçamentária atual, estabelecida através de acordo ao nível do Congresso Nacional entre os grupos políticos de centro-esquerda e os grupos políticos de centro-direita. A funcionalidade principal desse acordo é a de evitar as veias abertas das crises sociais e políticas no sistema vigente. São eventuais pontos de ruptura entre os que carregam as sobrecargas emocionais e as penúrias das desigualdades sociais e regionais, dos serviços públicos de má qualidade, dos empregos e dos subempregos mal remunerados, entre tantas mazelas socioeconômicas e socioambientais que estão atingindo a população brasileira.

É evidente que a construção de um novo ciclo de expansão contribui de forma resiliente para o equilíbrio fiscal orçamentário pelo lado da receita. Trata-se de um estilo de gestão orçamentária de maior risco político, pois busca a complexa articulação entre políticas econômicas de curto prazo com políticas de desenvolvimento de longo prazo. E o tempo é o senhor das incertezas e dos riscos. Mas toda aventura requer um primeiro passo. Como diz Peter Drucker: há riscos que não podemos correr e há riscos que não podemos deixar de correr.

(*) Haddad é economista, escritor, consultor da ONU para Desenvolvimento Regional, e colaborador do CIEAM nos ‘Diálogos Amazônicos’, autor de diversos títulos sobre Economia Brasileira, Amazônia e Desenvolvimento Regional e é colunista convidado do Jornal do Commercio e do portal BrasilAmazoniaAgora.

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