05/05/2022 11:03
7. Quando um país consegue reduzir os processos de desequilíbrios regionais de desenvolvimento, convergindo as condições de vida das regiões mais pobres para as condições de vida das regiões mais ricas, é preciso que consolide, sustente e reinvente as políticas públicas para evitar a reversão desses desequilíbrios e da convergência ao longo do tempo. Novos problemas e novas oportunidades emergem quando se transformam os contextos históricos que parametrizam as políticas públicas.
Em artigo publicado no New York Times, Paul Krugman, Prêmio Nobel de Economia de 2008, mostra que as disparidades regionais de desenvolvimento não são um fenômeno novo nos EE.UU. Antes da II Grande Guerra, a nação mais rica e produtiva do Mundo era também a nação com milhões de fazendeiros muito pobres, sendo que muitos não tinham eletricidade e água encanada em suas casas. Mas, até 1970, essas disparidades foram rapidamente diminuindo.
Krugman toma como exemplo o Estado do Mississipi, o mais pobre dos EE.UU. Nos anos 1930, a renda per capita do Mississipi era apenas 30% da renda per capita do Estado de Massachusetts. Nos anos 1970, essa relação subiu para 70%. Esperava-se, então, que esse processo de convergência continuasse a partir das políticas iniciadas com o New Deal de Roosevelt.
Entretanto, o processo se reverteu e o Mississipi está atualmente com uma relação de apenas 55% da renda per capita de Massachusetts. Krugman destaca que o Mississipi está tão pobre quanto as áreas costeiras da Sicília em relação ao Norte da Itália.
No caso brasileiro, a região economicamente menos desenvolvida era o Nordeste. No Governo JK, em 1959, foi criada a SUDENE para promover o desenvolvimento da Região, tendo, à frente da Superintendência, a liderança intelectual de Celso Furtado. Durante as três primeiras décadas de sua organização, a SUDENE conseguiu induzir o crescimento econômico regional, através de um sistema de incentivos fiscais e de intensos investimentos em infraestrutura econômica e social do Governo Federal. Nesse período, em diversos anos, as taxas de crescimento da Região foram superiores ao crescimento médio nacional.
No século XXI, a posição relativa do PIB do Nordeste no PIB brasileiro tem oscilado entre 13 e 14%, sendo que, nos anos de 2018 e 2019, o PIB nordestino cresceu praticamente a metade do PIB nacional, o qual foi apenas de 1,1 % ao ano. Pode-se dizer que, no Nordeste, o velho modelo de crescimento econômico regional não morreu e o novo modelo de desenvolvimento sustentável ainda não nasceu. O velho modelo muito dependia do aporte direto ou indireto de volumosos recursos do Governo Federal, que passa atualmente por uma profunda crise fiscal e financeira. E o novo modelo de desenvolvimento sustentável esbarra no déficit de capitais e valores intangíveis da Região (social, institucional, humano, empreendedorismo, endogenia, etc.) os quais são responsáveis, em última instância, por resgatar endogenamente a Região das entranhas do atraso econômico e da pobreza social.
Mantidas as atuais taxas de crescimento do Nordeste e do Brasil, serão necessárias muitas décadas para que a Região e os seus Estados atinjam 70% do PIB per capita do País. Uma assimetria espacial no padrão de vida dos brasileiros, que é politicamente intolerável em uma democracia federativa moderna. As condições de vida dos brasileiros que vivem nas áreas desenvolvidas do SUL e do SUDESTE ainda são três vezes melhores do que, por exemplo, a média das condições de vida (renda, emprego, saúde, nutrição, etc.) dos brasileiros que nascem no Maranhão ou em Alagoas.
8. Se há problemas com a concepção e a implementação das políticas de desenvolvimento regional em territórios específicos que levem à malversação de recursos escassos da sociedade, o Brasil dispõe das instituições de excelente padrão técnico nos três níveis de governo (Executivo, Legislativo e Judiciário) para estabelecer as mudanças indispensáveis no mesmo rumo da implementação dessas políticas. O que não se admite é o País prescindir dessas políticas assim como já tem ocorrido com a política ambiental, entre outras que passam por um processo de desmonte político-institucional na atual gestão do Governo Federal.
Na verdade, a Zona Franca de Manaus precisa vivenciar um processo de fortalecimento e de consolidação através de uma estratégia de desenvolvimento de longo prazo, a partir de uma avaliação endógena dos seus problemas e potencialidades que emergiram desde sua organização nos anos 1960. É fundamental que as suas ações programáticas ampliem sua integração com os mercados de trabalho em sua área de influência regional, que se reduzam as incertezas sobre o seu futuro institucional e que se adaptem às estruturas regulatórias do Governo Federal.
9. Quando a proposta da ZFM foi definida, em 1967, pela Escola Superior de Guerra num projeto de integração nacional, sendo Ministros do Planejamento e da Fazenda, respectivamente, Roberto Campos e Gouveia de Bulhões, respeitados pensadores do liberalismo econômico, a ideia-força era dotar a Região de modernos capitais intangíveis (institucionais, humano, intelectual, social, sinergético, cívico, cultural) para que ocorresse um processo de desenvolvimento sustentável e não se formasse apenas um enclave econômico regional. Um processo de desenvolvimento regional com um sistema produtivo globalmente competitivo, centrado na sustentabilidade ambiental e na equidade social.
Uma forma de consolidar a ZFM é estabelecer um Polo de Bioeconomia como proposto pelo Instituto Escolhas, para que, através do modelo de cluster de empresa-âncora, seja possível localizar na área da ZFM as atividades intensivas de ciência e tecnologia, sendo que as atividades tradicionais de primeiros beneficiamentos nos clusters seriam dispersas nos territórios amazônicos, formando poderosas cadeias de valor, possivelmente únicas e competitivas globalmente.
Ver, por exemplo, as sugestões de diferentes institutos de pesquisas públicos e privados sobre as cadeias de valor intensivas de conhecimento científico e tecnológico nos segmentos produtivos dos fitoterápicos, fitocosméticos, madeireiros, piscicultura, floricultura, nutracêuticos, suplementos alimentares, fruticultura etc. Numa ponta da cadeia produtiva, a agricultura familiar sustentável; na outra ponta, grandes laboratórios nacionais e multinacionais operando a produção de alimentos saudáveis, sustentáveis e resistentes às mudanças climáticas.
10. Se o novo Presidente da República desejar promover o resgate da imagem internacional do Brasil, atualmente com repercussões adversas sobre as nossas exportações dos setores produtivos intensivos de recursos naturais, e desejar respeitar o nosso patrimônio natural para as atuais e futuras gerações, será fundamental que implemente uma nova política ambiental, a qual tenha como objetivo preservar, conservar e reabilitar os nossos ecossistemas: os Pampas, os Cerrados, a Caatinga, a Mata Atlântica e, principalmente, a Amazônia.
A legislação, que vinha sendo implementada e aperfeiçoada para o processo de desenvolvimento sustentável, antes do seu desmonte a partir de 2019, oferece condições para normatizar ações de um Regime Especial para o Desenvolvimento da Amazônia, a qual deverá ter como um dos seus programas estratégicos a consolidação e a ampliação da Zona Franca de Manaus, numa concepção reconstruída dentro do atual contexto histórico das economias nacional e internacional.
Uma nova política ambiental de desenvolvimento regional sustentável é peça fundamental de grande transformação da Amazônia, a qual pressupõe uma renovação de ideias, pois, como afirmava Einstein: “Nenhum problema pode ser resolvido a partir do mesmo nível de consciência que o criou”.