11/05/2023 11:50
Paulo R. Haddad
1. As revoluções industriais que vêm ocorrendo na história mundial, desde o século 18, resultam em aumentos significativos na produtividade da mão de obra. As ondas de inovação, que vão desde a energia a vapor às redes digitais, trouxeram grande prosperidade para muitas nações, multiplicando o rendimento do trabalho por algumas centenas de vezes em relação aos valores que prevaleciam em 1785.
Ao longo das quatro últimas décadas, há, em escala mundial, uma crescente inquietação quanto à capacidade de suporte da base de recursos naturais do Planeta para acomodar a intensificação dos níveis de acumulação, produção e de consumo de milhões de habitantes, que têm sido incorporados aos diversos mercados de bens e serviços de consumo. Somam-se a isso os impactos destrutivos que as mudanças climáticas têm provocado sobre os ecossistemas mundiais. No caso brasileiro, a inquietação da opinião pública se estende desde o desmatamento das nossas florestas tropicais até a degradação ambiental das principais bacias hidrográficas do País, passando pela intensa poluição do ar nas grandes metrópoles, os quais, de alguma forma, acabam por intensificar o aquecimento global do Planeta.
Em função dessas inquietações, têm surgido muitas propostas para se construir uma nova ordem econômica internacional, baseada em uma concepção abrangente e ampliada de desenvolvimento sustentável. Entre essas propostas, destaca-se a que afirma estarmos caminhando para uma nova revolução industrial, na qual se processam mudanças profundas na produtividade dos recursos materiais e de energia, e na qual a emergência de um capitalismo natural se torna inevitável.
Um elemento principal do capitalismo natural é a ideia de que a economia moderna já está passando de uma ênfase na produtividade humana para um aumento radical na produtividade dos recursos naturais (reciclagem de resíduos, usos múltiplos e sustentáveis da água e das florestas, conservação dos ativos ambientais, melhorias nos coeficientes técnicos de produção, etc.). Já há estudos mostrando ser possível, pelo menos, quadruplicar a produtividade dos recursos na medida em que se compreenda melhor o extraordinário desperdício de materiais e de energia no atual sistema industrial. Como as ondas de inovação são fundamentais para a prosperidade econômica, a expansão da produtividade dos recursos naturais se baseia nas inovações da ecologia industrial, da biomimética, do sistema de design integrado, da nanotecnologia, da química verde, etc.
O capitalismo evolui através de ciclos de inovações científicas e tecnológicas. O atual ciclo está relacionado com o aumento da produtividade do recursos naturais renováveis e não renováveis, o que pode transformar a Amazônia no maior campo mundial de oportunidades para a nova revolução industrial do capitalismo natural no século 21.
2. Qual o valor econômico da Floresta Amazônica? Todos os países civilizados que possuem uma tradição, quase secular, de formular e implementar políticas públicas ambientais, consideram os respectivos ecossistemas como ativos que compõem a riqueza nacional.
Desde 2008, a nova métrica da ONU para medir o desenvolvimento de um país considera que os ativos ambientais (as florestas, as bacias hidrográficas, os recursos não renováveis) devem ser contabilizados como parte da riqueza ou do capital nacional.
Existem diversos métodos para estimar o valor desses ativos, mesmo que não tenham preços de mercado. Assim, é possível calcular o valor econômico de uma área desmatada na Amazônia ou a morte de um dos seus rios causada pela prática predatória do garimpo ilegal. Oscar Wilde compreendeu o problema do valor quando afirmou que “um cínico é aquele que sabe o preço de tudo, mas não sabe o valor de nada”.
O valor de uma floresta tropical pode ser estimado por quatro dimensões que impactam positivamente o bem-estar social sustentável da população e a produtividade total dos fatores de produção:
O que pensam madeireiros, garimpeiros, extrativistas, empreendedores de pecuária extensiva e da agricultura tradicional, quando avançam sobre o patrimônio natural da Amazônia? Consideram a Região como um mega almoxarifado de valiosos recursos naturais renováveis e não renováveis, ao qual têm livre acesso em busca de oportunidades para negócios lucrativos ou para a estratégia de sobrevivência. São indivíduos ou organizações com interesses autocentrados e de cálculo racional que, para extrair o valor de uso direto específico da madeira ou não madeira, não se abalam em levar de roldão os múltiplos valores econômicos da floresta prístina. Acabam por realizar um processo de autofagia econômica: o valor criado e apropriado individualmente é muito menor do que o valor destruído socialmente para as atuais e futuras gerações.
Trata-se da destruição do valor econômico da Natureza como valor de legado para as futuras gerações de brasileiros, através da prática de crime ambiental. O meio ambiente é protegido por lei (Lei dos Crimes Ambientais), com base no parágrafo 3º, do Artigo 225, da Constituição de 1988: “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.
Uso predatório da riqueza natural da Amazônia é, do ponto de vista da sociedade nacional e regional, um processo autofágico de produção e de consumo, quando se destrói mais valor econômico do que secria valor para as atuais e futuras gerações. É preciso, pois, que se estruturem e se implementem novos paradigmas de desenvolvimento sustentável para a Amazônia a partir de novas ações programáticas.
3. As experiências históricas têm demonstrado que o futuro do desenvolvimento das regiões depende da quantidade e da qualidade dos diferentes capitais acumulados dos quais as mesmas dispõem no presente. Esses capitais podem ser considerados como tangíveis ou intangíveis, sendo que os capitais tangíveis são os recursos naturais, a infraestrutura econômica e social e o capital técnico (máquinas, equipamentos, instalações). Os capitais intangíveis ou o capital social (institucional, humano, intelectual, cultural, cívico, sinergético, empreendedorismo, etc.) são indispensáveis para um processo de desenvolvimento sustentável. Observa-se, por exemplo, um déficit de capital social nas áreas economicamente deprimidas, as quais englobam, atualmente, cerca de 1700 dos 5570 municípios brasileiros, restringindo a sua capacidade de desenvolvimento endógeno (Agreste e Sertão do Nordeste, áreas de desmatamento antigo da Amazônia, Vales do Jequitinhonha e do Mucuri em Minas Gerais etc.).
Uma das condições necessárias para o desenvolvimento de uma sociedade é que ela disponha de capitais físicos. As condições suficientes são dadas pelos capitais intangíveis, entre os quais se destaca o capital institucional (bons governos, boas universidades, boas associações empresariais e comunitárias etc.).
É o capital social que permite aos membros de uma comunidade confiar um no outro, confiar na formação de novos grupos, realizar ações em comum, facilitar ações coordenadas com as redes sociais, com base na confiança e em normas como solidariedade, engajamento cívico e reciprocidade. É ele que induz a mobilização das lideranças locais para a promoção endógena do desenvolvimento regional, através de inovações científicas e tecnológicas.
4. Entre as ações programáticas que têm sido analisadas para a promoção de um processo de desenvolvimento sustentável da Amazônia é a de se construírem Centros Industriais de Bioeconomiana Região, que permitam viabilizar inovações científicas e tecnológicas em projetos de investimentos e áreas de negócios na decisão da nova onda do capitalismo natural. Esses Centros devem dispor de infraestruturas econômicas e sociais especializadas; devem se localizar em espaços com intensas economias de aglomeração; devem atrair tão somente projetos que tenham sido aprovados pelos órgãos públicos relacionados com as políticas públicas de Meio Ambiente e de Ciência e Tecnologia; serem validados quanto aos critérios de sustentabilidade ecossistêmica e de viabilidade econômico-financeira.
Nesses Centros devem se localizar as etapas finais dos processos produtivos, as quais se caracterizam pela transformação intensiva de ciência e tecnologia, ficando os primeiros processamentos a serem realizados em diferentes localidades (Municípios e Microrregiões da Amazônia Legal) pelas comunidades e povos da Floresta, com o apoio de órgãos públicos, organizações não governamentais e movimentos sociais.
Há, seguramente, algumas dezenas de projetos de desenvolvimento sustentável da Amazônia que passariam pelos testes das taxas internas de retorno financeiro e de retorno social, identificados por instituições públicas, privadas e do Terceiro Setor para serem promovidos economicamente. São projetos de desenvolvimento sustentável dos recursos ambientais da Amazônia, intensivos de conhecimento científico nos segmentos produtivos dos fitoterápicos, fito cosméticos, madeireiro, piscicultura, floricultura, nutracêuticos, suplementos alimentares, floricultura, microbiologia, etc., capazes de gerar um processo de “destruição criativa” nos modelos de negócios vigentes na Região.
5. Para operacionalizar a implementação dos Centros Industriais de Bioeconomia na Amazônia, sugere-se:
✓ a possibilidade de se construir um Centro Industrial de Bioeconomia na Amazônia Ocidental e um Centro Industrial de Bioeconomia na Amazônia Oriental, considerando as suas biodiversidades diferenciadas: esses Centros devem se localizar em áreas em que há uma disponibilidade intensa de capital social (humano, intelectual, empreendedorismo, cívico, natural, sinergético) a fim de se estruturar e implementar um processo de desenvolvimento endógeno; a sugestão é: para a Amazônia Oriental, a localização apropriada poderia ser no eixo Belém-Ananindeua (semelhante aos eixos de Curitiba-São José dos Pinhais, Belo Horizonte-Betim, Recife-Paulista, Fortaleza-Complexo do Pecém , etc.); para a Amazônia Ocidental, uma localização distante da área da SUFRAMA, no outro lado do Rio Negro, por razões ambientais e de congestionamento do sistema viário; de qualquer forma, não se deve localizar um centro industrial especializado em áreas nas quais haja dificuldades com a logística, com a qualidade de vida, com as economias de aglomeração, etc.
✓ Embora os projetos dos Centros Industriais de Bioeconomia na Amazônia sejam um dos principais componentes das políticas públicas de desenvolvimento regional, deveriam ser conduzidas com intensa parceria com o Segundo e o Terceiro Setor, dentro do estilo de planejamento para a negociação pelas seguintes razões: o Governo Federal e os Governos Estaduais da Amazônia se encontram em profunda crise fiscal e financeira, com limitada capacidade de investimentos; estão envoltos em dificuldades para a urgência de reconstrução institucional das políticas públicas desmontadas pela gestão anterior do Governo Federal; há necessidade de demonstrar para a opinião pública nacional e internacional uma agenda positiva, em que a Região pode crescer com ações programáticas que promovam a geração de emprego e renda, a inclusão social e a sustentabilidade ambiental.
✓ a concepção e a elaboração dos projetos dos Centros Industriais podem ser conduzidas em parceria com o Instituto Escolhas, que atualmente tem realizado excelentes estudos e propostas operacionais para o desenvolvimento da Bioeconomia na Amazônia;
✓ a execução das obras de infraestrutura econômica e social dos Centros podem ser realizadas através de parcerias; o Centro do Pará poderia ser construído com a parceria da VALE (como ocorreu na construção do campus universitário de Itabira/MG); o Centro de Manaus poderia ser financiado com recursos do Fundo Amazônia, através de um convênio de cooperação entre a FIEAM e a FIESP para a promoção das oportunidades de investimentos;
Com a finalidade de estimular a atração e a promoção industrial para os dois Centros, sugerem-se dois incentivos fiscais, um Federal e o outro Estadual com suas bases asseguradas pela Constituição:
a. crédito presumido de IPI – pelo qual uma empresa no Centro Industrial lança a alíquota tributária presumida sem a necessidade de desembolsá-la, mas carregando o crédito à jusante;
b. incentivo do ICMS através da devolução de 25% do imposto devido a partir da sua geração durante cinco anos até o valor total do investimento aprovado pelo Governo Estadual.
Um grupo de bancos privados brasileiros tem manifestado sua responsabilidade social ampliada ao colaborar com ações programáticas para o processo de desenvolvimento sustentável da Amazônia. Não faz sentido, dentro de sua missão institucional, se limitar a apoiar a elaboração de novos estudos e pesquisas sobre a Amazônia que apenas conduzam a diretrizes e recomendações gerais sobre o que fazer para a promoção do desenvolvimento da Região.
Uma forma de operacionalizar as ações propostas é a constituição consorciada de um fundo, sob a forma de consórcio privado de financiamento e de venture capital, para apoiar projetos de investimentos dos Centros Industriais de Bioeconomia relacionados com a preservação, a conservação e a reabilitação dos ecossistemas dos diferentes biomas amazônicos. Para esse objetivo, é necessário que os projetos sejam avaliados tecnicamente em termos de sua rentabilidade privada e hierarquizados de acordo com a sua taxa interna de retorno social (metodologia Banco Mundial/OCDE), antes de serem encaminhados para decisão dos comitês de crédito e de empréstimos dos bancos privados. As condições de financiamento devem ser adequadas para as características dos projetos e ser oficializadas junto ao Banco Central e passarem pelo crivo do MMA e de MCT quanto às suas características de sustentabilidade ambiental.
A proposta de construção dos Centros Industriais na Amazônia não é apenas uma proposta de crescimento econômico regional, mas uma proposta de desenvolvimento regional sustentável que articulae integra três objetivos: crescimento econômico globalmente competitivo + inclusão social + sustentabilidade ambiental. Como é dito pelo Papa Francisco na Encíclica LAUDATO SÍ (A Nossa Casa Comum): “Os efeitos mais graves de todos os ataques ao meio ambiente são sofridos pelos pobres… temos de ter consciência de que uma abordagem social deve integrar as questões de justiça nos debates sobre meio ambiente, de tal forma a ouvir ambos o grito da terra e o grito dos pobres”.
(*) Haddad é membro do conselho consultivo no Instituto Fórum do Futuro. Economista, com especialização em Planejamento Econômico no Instituto de Estudos Sociais de Haia – Holanda, Professor Emérito da Universidade Federal de Minas Gerais, ex-Ministro da Fazenda e do Planejamento. Presidente da PHORUM Consultoria e Pesquisas em Economia e Diretor da AERI – Análise Econômica Regional e Internacional. Autor de diversos livros sobre desenvolvimento regional.
Fonte: Jornal do Commercio