30/09/2016 15:51
Sob a coordenação da FAPESP – a fundação paulista de amparo à pesquisa, as principais instituições de ensino e pesquisa do Sudeste se reuniu em São Paulo, de 27 a 29 para debater o Acordo do Clima, apresentar os estudos mais recentes e tecer considerações/prognósticos e ilações de toda ordem sobre a Amazônia, não a partir da Amazônia, este pedaço da brasilidade desconhecida e só lembrada em situações críticas. A conferência montou um Programa sobre os desafios das Mudanças Climáticas com o objetivo avançar o conhecimento no tema, tendo em vista o atendimento dos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, estabelecidos pela ONU, e os compromissos assumidos pelo Brasil com os demais signatários que, até dezembro, ratificarão o que cada um se comprometeu a fazer. Dois compromissos chamam a atenção: a recuperação de 12 milhões de hectares e a taxa zero de desmatamento até 2030. Espera-se na Conferência que os resultados de pesquisa do programa auxiliem o país na tomada de decisões informadas cientificamente com respeito a avaliações de risco e estratégias de mitigação e adaptação. Plantar 12 milhões de hectares significa investir, pelo menos R$ 50 bilhões na tarefa e desmatamento zero significa substituir a atividade econômica aonde antes havia a necessidade de remoção. Por isso, o Amazonas, que comparece de saída com 157 milhões de hectares, dos quais 90% estão já plantadas pela natureza, precisa reivindicar sua contribuição por força do seu modelo de desenvolvimento e geração de riqueza. Cada empresa que se instalou na ZFM, e utiliza os incentivos fiscais da Suframa, deveria se perguntar em que medida já está cumprindo as metas do Acordo se produz emprego e renda que permitem evitar que o trabalhador almoce ou jante a floresta.
As chaminés da ignorância
O Programa da Conferência do Clima apresentou um substancial componente tecnológico para o desenvolvimento das tecnologias apropriadas para o futuro, não somente concernentes a tecnologias inovadoras para mitigação de emissões, mas também tecnologias para adaptação em todos os setores e atividades, uma vez que algum grau de mudança climática já se tornou inevitável. Qual a tecnologia deverá ser escolhida para consagrar uma metodologia que afira os benefícios ambientais que a indústria do polo industrial de Manaus propicia? Responder a esta pergunta significa que cada empresa poderá reivindicar a renúncia fiscal não apenas pela redução das desigualdades regionais que suas atividades representam, mas pelos serviços ambientais que propicia ao recolher recursos para incentivar atividades econômicas que igualmente não destruam a floresta como a biotecnologia de produtos e como a tecnologia da informação e da comunicação. Por isso, não faz sentido contingenciar recursos – o nome pomposo do confisco – das verbas que vão permitir que as empresas instaladas na ZFM ajudem o Brasil a cumprir seu compromisso no Acordo do Clima. Daí a importância de desenvolver um componente observacional, com os atores das instituições de pesquisa da região, as quais devem ser envolvidas na recuperação e expansão de observações climáticas regionais e paleoclimáticas, para superar a falta de observações ambientais de qualidade para pesquisas, que tem sido um enorme obstáculo ao avanço científico do tema no Brasil. Recentemente, um cientista de reputação internacional, afirmou num artigo que “... a poluição urbana produzida pela cidade de Manaus tem influência direta – e potencialmente prejudicial – sobre a biogeoquímica da floresta amazônica. Por onde passa, a pluma de poluição que emana da capital amazonense interfere nos mecanismos de produção de partículas de aerossóis, com consequências nos mecanismos de formação de nuvens, sua evolução e a produção de chuva. A interação da pluma urbana com as emissões naturais da floresta produz ozônio em níveis que podem ser fitotóxicos para a vegetação”. É um dos fatores que causam essa situação são as “chaminés do polo industrial de Manaus”. Ora, as fábricas de Manaus não produzem fumaça. Pesquisar a partir dos laboratórios de São Paulo sem conhecer a dinâmica florestal da cidade, significa falar sobre e não a partir de.... Uma certeza quase absoluta de falar bobagem...
Conhecer para utilizar
Enquanto choramos o leite derramado do confisco de sementes da seringueira, os ingleses, holandeses e japoneses... fabricam oportunidades com pesquisa e inovação. Não seria justo, nem decente, estigmatizar a presença estrangeira como danosa à região. Muito pelo contrário. Se há inimigos, os dedos da acusação esbarram em nós mesmos. Os viajantes históricos da Amazônia eram autênticos pesquisadores/empreendedores empenhados em decifrar o mistério amazônico, cantado em verso e prosa pela Europa a partir do século XVI e transformá-lo em oportunidades. Assim temos que aprender a fazer. Convém dizer que a ciência moderna começa a estruturar-se nessa fase, início da libertação do teocentrismo medieval, ensejando o fortalecimento do racionalismo que mais tarde fornecerá a base para a divisão do trabalho e a pesquisa sistemática. Ou seja, a modernidade embrionariamente vai descobrindo a importância da observação, coleta e mensuração dos dados no mundo inteiro para elaborar planos de negócios. Para nós da Amazônia cabe destacar, entre outras, a viagem de Johann Baptist von Spix (1781-1826) e Carl Friedrich Philipp von Martius (1794-1868) pelas províncias de São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Bahia, Pernambuco, Piauí, Maranhão e, finalmente, pelo rio Amazonas, entre 1817 e 1820. São preciosos os relatos e as minuciosas observações de fauna e flora, usos e costumes de tribos indígenas, incluindo ainda expressões musicais, enfim, um olhar científico sobre o Brasil do século XIX.
O mundo cobiça aquilo que o Brasil ignora
As viagens ao Brasil aconteciam simultaneamente ao desenrolar do crescimento industrial na Europa, sobretudo na Inglaterra, deixando antever a compreensão, já naquele momento, da importância comercial que os insumos tropicais (madeiras, fármacos e especiarias em geral) representavam para aquele movimento de implantação da nova ordem econômica. Charles Darwin (1809-1882) é considerado como autor do evolucionismo, sendo ou não, o fato é que a Ciência foi buscar dados em várias partes do mundo para entender a origem das espécies, base de infinitos negócios. E foi este ímpeto que empolgou Alfred Russel Wallace (1823-1913), um naturalista muito conceituado que, dizem alguns historiadores, se antecipou a Darwin e, por razões éticas/religiosas, se recusou a assumir o protagonismo da teoria da evolução. Nas viagens para a Amazônia, se fez acompanhar do também naturalista Henry Walter Bates (1825-1892), com quem coordenou mais de uma expedição à Amazônia, com o intuito de promover "a elucidação da origem das espécies". Wallace e Bates subiram o rio Negro e o Waupés, onde encontraram o botânico Richard Spruce (1817-1893). O feito desses viajantes tem um saldo incalculável. No Museu Botânico de Kew, em Londres, estão depositadas mais de 100 mil espécies dessas expedições amazônicas, com valiosas informações científicas para a importância da tradição daquele herbário na produção de medicamentos e cosméticos, além do estudo sobre as seringueiras, chamando a atenção para suas riquezas. A evolução das espécies – que o projeto Genoma avançou – guarda o segredo da vida, sua perpetuação e cura, o sonho maior da humanidade e dos negócios. A conexão de negócios entre o Velho e Novo Mundo revelou-se promissora já a partir dos séculos XVIII e XIX. Há que citar ainda o barão Alexander von Humboldt (1769-1859), Charles Marie dela Condamine (1701-1774), que atribuiu aos índios da Amazônia a invenção de um dos negócios mais rentáveis da História, o futebol. Louis Agassiz (1807-1873) que nos anos de 1865 e 1866 empreendeu com sua esposa Elizabeth Agassiz (1822-1907) uma viagem pela Amazônia, narrada em seu livro Viagem pelo Brasil onde nossa região é descrita como terra de possibilidades e negócios. Merece destaque ainda a Vagem filosófica pelas capitanias do Grão-Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá, de Alexandre Rodrigues Ferreira (1756-1815), que “fotografou” na arte de seus riscadores a estética e a plástica das riquezas amazônicas. O book da prosperidade. A vinculação dessas expedições e suas descobertas à economia mundial nascente, a partir das revoluções Francesa e Industrial, não tardam a aparecer. A interveniência da pesquisa científica, da inovação como premissa da geração de riqueza, vão determinar a diferença entre desenvolvidos e emergentes e explicar porque – apesar das promessas amazônicas, o Brasil insiste em não sair da mesmice de sua letargia biotecnológica. A hora é de promover a aceleração de negócios, empinar startups, incendiar a rapaziada, com suporte de recursos e a obviedade sedutora da inovação, transformação, revolução...
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Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do CIEAM. Editor responsável: Alfredo MR Lopes. cieam@cieam.com.br
Publicado no Jornal do Commercio do dia 30.09.2016