28/01/2022 11:17
Somos seres curto prazistas. Gostamos de sonhar com o futuro, mas somos aficionados com os ganhos e as frustrações de curto prazo. O Brasil é uma nação que pensa com a cabeça no ano calendário. Contraditoriamente, a superação de nosso estado de quase subdesenvolvimento depende de pensarmos sobre onde queremos chegar e como queremos chegar. Nos exaurimos na discussão sobre como atingir o equilíbrio fiscal do ano, ou sobre qual deve ser a taxa Selic na próxima reunião do Copom. Somos tímidos em discutir sobre como vamos superar a armadilha da renda média ou a semiestagnação de produtividade do trabalho. Para nosso desespero, o longo prazo não é a soma linear dos curtos prazos.
Convido o leitor a um exercício de paciência. A rever nossa história recente e tentar entender por que
estamos tão atados à mediocridade de nosso desenvolvimento. Começo ousando afirmar que as instituições
socioeconômicas e políticas brasileiras não são robustas o suficiente para permitir grandes saltos na taxa de
crescimento econômico.
O Estado brasileiro mantém-se preso ao patrimonialismo descrito por Raimundo Faoro, já em 1958,
conforme primeira edição de "Os Donos do Poder: formação do patronato político brasileiro". Na essência,
o Estado brasileiro está a serviço de interesses privados, corporativistas e, muitas vezes, com o fim em si
mesmo, a serviço de sua elite burocrática. Se Faoro era liberal por lograr um Estado democrático,
impessoal e racional, devemos ser todos liberais. Não deveria haver objetivo maior para a construção de
uma nação do que a igualdade de oportunidades e um Estado a serviço igualitário de todos os seus
cidadãos. Não temos esse atributo. Não conseguimos seguir a diante com tranquilidade.
Não somos uma nação com instituições que garantem o mínimo, a saber, igualdade de oportunidade. Na
verdade, temos uma elite econômica extrativista, distante da elite inclusiva que precisamos. Para Faoro,
"aqui a história, pelo menos a história da democracia, ainda não começou".
Nosso regime político baseado no presidencialismo de coalizão se exauriu e como ele abrimos brechas para
o populismo tacanho, de esquerda e de direita. Ambos destroem a noção de equilíbrio das contas públicas
como bem público e distorcem os escassos recursos públicos para poucos apadrinhados. O orçamento
secreto blindado de cortes presidenciais é apenas uma das faces obscuras desta fraqueza institucional. É
prova, talvez, de que essa análise que te convido a fazer pode estar no caminho certo.
Outro exemplo que apresento é o de que temos mais empresas estatais do que ex-economias da "cortina de
ferro" socialista do Leste Europeu. Nem quando nossos supostos "liberais de quermesse" estão no poder se
abre mão de controlar suas políticas de investimentos e de preços e de cometer sucessivos abusos do poder
do controlador. As distorções econômicas se espalham por todos os cantos da economia e da sociedade.
Sem boas instituições socioeconômicas e políticas não prosperaremos como nação. Fato curioso é que o
Brasil se industrializou, se modernizou e fugiu da sua estrutura produtiva arcaica agroexportadora e se
urbanizou, sob bases frágeis de uma espécie de semi-feudalismo. É marcante que ainda hoje, depois de
tanto, sejamos uma economia commodities-dependent. A industrialização não foi capaz de gerar uma
sociedade de empreendedores e inovadores genuínos. Nem geramos um sistema bancário eficiente e típico
de um capitalismo de risco. Na verdade, nossos grandes bancos temem o risco.
Até onde podemos enxergar, avistamos uma sociedade altamente fragmentada. Pobres e ricos, negros e
brancos, mulheres e homens, persistem teimosamente desiguais. Regiões desiguais com abismos sociais no
interior de cada região. Somos a soma imperfeita de fragmentos de desigualdades. Mesmo com a chamada
abolição da escravatura, há mais de 130 anos, aqui "a carne mais barata do mercado é a carne negra", como
na canção interpretada em vísceras pela saudosa voz do milênio, Elza Soares.
O discurso fácil nos remete a reformas econômicas como a saída única e exclusiva para o crescimento
eterno. Contudo, o Brasil precisa de muito mais do que agenda de reformas econômicas.
Vejamos o caso da reforma tributária. A PEC 45, de 2019, é um exemplo de proposta de uma elite
extrativista focada exclusivamente na busca pela eficiência econômica. Colocada em prática, o que em si já
seria missão impossível, tornaria o sistema tributário brasileiro ainda mais regressivo. Menos justiça
tributária em prol do desejo por maior eficiência na alocação de fatores de produção. Hoje, felizmente,
sabemos que a interrupção do debate em torno da PEC 45 cessou também as peripécias de uma reforma
que tornaria o sistema tributário brasileiro ainda mais juridicamente inseguro. A agenda dos
presidenciáveis precisa ter como desafio promover uma reforma tributária verdadeiramente ampla,
incluindo, ao mesmo tempo, reforma nos tributos sobre o consumo, a renda, o patrimônio, grandes
fortunas, sobre negócios digitais, e sobre a folha de salários. Tudo isso precisa acontecer sem tender a
abolir a forma federativa de Estado, parafraseando o art. 60, §4º., da Constituição Federal, como atentava a
PEC 45.
Os desafios brasileiros são do tamanho de seus problemas. Aqui vale a recaída ao lugar comum em citar o
jornalista H. L Mencken, de que "Para todo problema complexo existe sempre uma solução simples,
elegante e completamente errada". A superação do subdesenvolvimento brasileiro depende de uma
construção social em torno de uma agenda de nação. E essa construção de agenda de nação depende de
uma grande revolução no nosso sistema educacional. De novo, estou insistindo teimosamente nos sonhos
do futuro, mas meu caro leitor pode estar preocupado com assuntos do ano corrente, o que é perfeitamente
justo, dado o elevado nível de desemprego e o descontrole inflacionário.
Propostas de reformas econômicas, como no nosso exemplo de hoje, da reforma tributária, precisam vir
acompanhadas de resposta à seguinte questão: sua aprovação e implementação ajudará a construir uma
sociedade inclusiva?
Márcio Holland é professor na Escola de Economia de São Paulo da FGV, onde coordena os "Diálogos
Amazônicos" e a pós-graduação em Finanças e Economia (Master), e escreve artigos para o Broadcast
quinzenalmente às quartas-feiras.
Os artigos publicados no Broadcast expressam as opiniões e visões de seus autores.