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“AmIT é tecnologia sustentável para a Amazônia”

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15/02/2023 12:15

Estamos às vésperas de iniciar um novo programa de desenvolvimento da Amazônia baseado em tecnologia. Isso começou a ser pensado há 30 anos, logo depois da Conferência da ONU, sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, ocorrida no Rio de Janeiro, a ECO-92. Naquela ocasião, o governador do Amazonas, Gilberto Mestrinho, zarpou para Boston, a fim de formatar uma parceria entre o MIT, Massachusetts Institute of Technology e as universidades locais, UFAM e UTAM, atualmente, UEA. O objeto desse enlace era injetar uma dose cavalar de tecnologia nas veias abertas da Amazônia.

Não deu certo. Hoje, três décadas depois, para falar de futuro, conversamos com o professor Estevão Monteiro de Paula, que é um entusiasta dessa iniciativa desde sua formação acadêmica na América do Norte, onde fez PhD em Engenharia pela Universidade do Tennessee, e atualmente é um dos responsáveis pelo projeto do AmIT, Instituto de Tecnologia da Amazônia, com Adalberto Val e Carlos Nobre, entre outros pesquisadores da Pan Amazônia. Neste bate-papo, Estevão conta alguns detalhes desse empreendimento que pretende gerenciar o desenvolvimento socioeconômico sustentável da Amazônia continental com as ferramentas da Ciência, Tecnologia e Inovação. Confira.

Entrevista exclusiva do pesquisador Estevão Monteiro de Paula

Por Alfredo Lopes
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Coluna Follow-up

Follow-up – O que é o AmIT, o Instituto de Tecnologia da Amazônia e quais são os principais objetivos dessa iniciativa?

Estevão Monteiro de Paula – O AmIT é tecnologia sustentável para a Amazônia. Isso virá através de um Instituto, um agente público-privado de transformação dos conhecimentos da Amazônia em tecnologias, por meio da convergência da ciência contemporânea com o saber tradicional e o etnoconhecimento. É um movimento para acelerar o processo de desenvolvimento tecnológico do conhecimento existente a partir das diferentes racionalidades.

O AmIT não é uma instituição de ciência, mas de apoio ao desenvolvimento tecnológico com bases técnica e cientifica em busca da sustentabilidade da vida na Amazônia. O objetivo do AmIT é melhorar a qualidade de vida das pessoas e reduzir as desigualdades socioeconômicas existente na Amazônia por meio da conservação e do uso sustentável de seus recursos, adicionando um importante componente de empoderamento para as pessoas que vivem na Amazônia por meio da educação, CT&I e práticas sustentáveis. O foco será sempre o ser humano e sua estrutura social e econômica a partir dos seus processos produtivos.

O potencial ambiental da Amazônia deixa de ser determinado somente pela sua estrutura ecossistêmica e passa a ter a sua importância para os processos produtivos desenvolvidos nela pelas diferentes formações socioeconômicas existentes. É preciso fortalecer a musculatura destas formações para que ocorram as transformações sociais e econômicas almejadas pela população.

Visite o site da AmIT clicando aqui

FUp – A metodologia do conhecimento será a mesma produzida pelo INPA, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, há 70 anos?

E.M.P. – Sim, com certeza, e com o valioso adicional da diversificação de alternativas econômicas na promoção da qualidade de vida da população que aqui vive, com uso das ferramentas de Ciência, Tecnologia e Inovação. Afinal, o que seria a Amazônia sem o INPA? Certamente uma região sem identidade própria. O INPA segue cumprindo seus objetivos, e continuará como referência para a maioria da produção científica sobre a Amazônia. Já podemos antecipar, a propósito, que as ações previstas para o AmIT e aquelas já desenvolvidas pelo INPA e demais institutos de pesquisas da região e academias, são complementares. Serão integrados por meio de uma rede interativa.

O AmIT está para as instituições da Amazônia, mais precisamente da Pan-Amazônia, assim como o MIT está para as instituições de ensino e pesquisa nos Estados Unidos. É, portanto, uma iniciativa arrojada que requer muitos arranjos, entendimentos com os diferentes atores, lideranças e culturas diferenciadas. Este será o primeiro e grande desafio.

Já existem iniciativas promissoras nos nossos entendimentos que apontam para construção dessa rede de atores e dos diferentes segmentos socioeconômicos nos diferentes países. Temos consciência da dimensão amazônica e sua complexidade. Isso implicará um trabalha em escalas diferentes. Uma escala macro que abordará todos os países e seus procura-se grandes questionamento. Isso requer recursos maiores, envolvimentos de muitas pessoas, tempo de respostas mais longo, etc. Estamos falando de mudanças climáticas, e monitoramento e aproveitamentos dos rios internacionais etc.).

Na escala meso, vamos envolver apenas um país ou tema específico com menos complexidades interativas, com respostas mais rápidas. E, finalmente, a escala micro que está relacionada com problemas pontuais podendo chegar até a comunidade. Essa escala deverá contar com mais tecnologias, menos pessoal envolvido, com mais prontidão e impacto mais assertivo.

Estas escalas, ou camadas, terão as seguintes áreas de atuação: Águas da Amazônia; Floresta; Paisagens Alteradas; Amazônia Urbana; Infraestrutura Sustentável. Por exemplo; a Amazônia Urbana deve ser abordada em diferentes escalas.

Em função disso, o AmIT constituiu componentes para configurar/referenciar/mobilizar ações e orientar atores e setores sociais importantes para sustentabilidade da região: (1) Saúde integral e medicina tropical, (2) Economia e materiais sustentáveis, (3) Manufatura distribuída, (4) Recomposição e uso de paisagem alteradas, (5) Modelos educacionais, (6) Recrutamento de Pessoal, (7) “Outreach”, (8) Economia Sustentável, (9) Direito do Bioma Amazonico e uma (10) Escola de Negócios da Floresta.

E para cada um destes componentes foi estabelecida uma ação prioritária, que vai ocorrer no campo da C,T&I. Isso vai orientar avaliação de oportunidades, e responder questionamentos.

• Impactos socioeconômicos e ambientais das práticas atuais de produção e consumo;

• As especificidades dos sistemas socioambientais existentes;

• As forças produtivas, econômicas e sociais existentes;

• As dependências tecnológicas e culturais das capacidades produtivas;

• Os aspectos infraestruturais e logísticos;

• A motivação para a inovação produtiva;

• Nível de tecnologia existente e proximidade com o mercado;

• Os gargalos das cadeias de valor, da prática de produção e negócios importantes para alavancar a economia local.

De maneira mais simplificada imagine que seja identificado a necessidade de investir em um produto para ampliar a sua participação na economia local. Tal produto tem sua cadeia de valor, cadeia de produção; portanto, pode-se dizer que também tem sua cadeia de conhecimento. As fragilidades e os gargalos existentes na cadeia de conhecimento são o foco do AmIT.

FUp – A parceria com o MIT, Massachusetts Institute of Technology, é um velho sonho, acarinhado pelo Amazonas desde a Rio-92, a conferência da ONU sobre meio ambiente desenvolvimento. Você sabe por que o governo do Brasil não abraçou a iniciativa? E será que agora ele o fará?

E.M.P. – Atualmente existe uma pressão mundial sobre a Amazônia. Em consequência aparecem diversas oportunidades para produzir conhecimento sobre a floresta e sua população, além de uma procura incansável para descobrir as oportunidades de uso que ela oferece. Os dispositivos de controle e comando sobre a Amazônia evoluem em escala exponencial enquanto se caminha vagarosamente para identificar e potencializar recursos que possam beneficiar a população local.

E certamente isto contribui para o aumento de pressão social. Infelizmente, devo admitir que existem algumas pesquisas desenvolvidas na Amazônia que se utilizam de metodologias consideradas primitivas para os dias de hoje. O Brasil e a Amazônia precisam conhecer o próprio território para poder defendê-lo. Gosto muito do que Henrique Leff diz sobre meio ambiente, a relação entre poderes sob forma dominante do conhecimento. E o governo percebe isso e está ciente do AmIT pois recentemente no Egito, na 27ª Conferência das Partes (COP 27), os pesquisadores Adalberto Val e Carlos Nobre conversaram com a Ministra do Meio Ambiente e suas assessorias a respeito do projeto.

Adalberto Val e Carlos Nobre em eventos da Academia Brasileira de Ciências

FUp – O INPA conseguiu registrar em torno de 100 patentes no período em que Adalberto Val e você dirigiram a instituição. Quais os benefícios à sociedade são repassados para a sociedade com esses resultados e por que tudo isso não costuma ter continuidade na região?

E.M.P. – Este fato exige esclarecimentos. Na época mencionada, percebemos que o INPA tinha muita contribuição para dar à sociedade. Acontece que grande parte disso era uma contribuição difusa, ou seja, na medida em que é gerado o conhecimento, é repassado para seu programa de pós-graduação, são feitos workshops e outros formatos de serviços para disponibilizar o conhecimento, criando um circuito endógeno. Percebemos, então, que era difícil identificar a origem do conhecimento e sua desejável encaminhamento para a sociedade poder adequá-lo a seus propósitos.

Exemplo disso é aquicultura. São poucas ou praticamente nenhuma pessoa que atribuem ao INPA o início de criação de peixes em igarapé, mas de fato o processo iniciou no INPA. Criou-se coordenação com o objetivo de estimular inovação e tecnologia social. Iniciou-se uma série de movimentos internos estimulando patentes, inovação etc. O resultado é o que você cita em números de patente.

pirarucu amazônia
Um dos peixes símbolos da bioma amazônico, o Pirarucu

Mas isto é e deve ser um processo dinâmico, interativo na busca de sempre procurar parceiros e identificar oportunidades. O desafio é também negociar as patentes ou transferir o conhecimento. Pelo que soube, salvo engano, a atual gestão do INPA reduziu a importância da pós-graduaçao locus em que são geradas a informação e os processos de reconhecimento da inovação.

No caso do AmIT, no momento não se pensa em patente. A preocupação é outra e os indicadores serão outros. Os indicadores devem estar ligados às transformações sociais e econômicas resultantes das ações que o AmIT venha desenvolver.

Por isto, os desafios e as questões a serem abordadas pelo AmIT devem estar contextualizadas e ter uma tratamento transversal do problema. Isto requer um diálogo constante com os diferentes segmentos socioeconômicos envolvidos na questão. Disto podemos concluir dois pontos fundamentais; 1) Não é recomendado tratar um problema isoladamente; 2) Os eventuais problemas devem fazer parte de um sistema que tenha organicidade, com uma solução local.

Finalmente é bom destacar que o AmIT não pretende competir com as instituições existentes, que tem desenvolvido pesquisa sobre o bioma amazônico. Mas, pelo contrário, pretende fazer colaborações para usar estas informações em processos de tecnologia avançada.

FUp – Como está sendo pensada a mobilização da comunidade científica local, nacional e mundial e quais são as fontes de financiamento já comprometidas?

E.M.P. – A estrutura proposta para o AmIT não é pequena. Eu diria que está proporcional ao desafio que o instituto pretende enfrentar. Cada país tem um local do AmIT e terá ainda módulos flutuantes para permitir desenvolver algumas atividades mais próxima possível do seu objeto de estudo. Mas isto tudo só terá vida e resultados positivos com a participação dos segmentos socioeconômicos atuantes na região.

Neil Palmer/CIATFlickr

O AmIT atualmente está na fase de contratação de especialistas para realizar diagnósticos nas Amazônias Brasileira, Peruana e Colombiana com foco nas suas áreas de atuação, componentes e respectivas ações prioritárias. Em seguida, a atividade será desenvolvida nos outros países amazônicos. Diante destas informações, deverão ser convidados “players” importantes para o diálogo e participação nas atividades do AmIT.

Em paralelo, outras iniciativas estão sendo implementadas destacando-se, neste caso, dois eventos: A Semana do MIT no Brasil em Manaus a ser realizado em agosto e a Semana da Amazônia no MIT nos Estados Unidos a ser realizado em setembro. Em ambos os eventos serão convidados os setores econômicos, social e acadêmico para à luz do diagnóstico realizado, promover diálogo com MIT e AmIT e desenhar ações conjuntas e interativas. Eventos semelhantes serão realizados no Peru e na Colômbia.

Na semana do evento, especialmente em Manaus, serão realizados cursos e palestras. Cursos de curtíssima duração no nível da graduação para identificar talentos locais e investir neles para que no futuro próximo possamos contar com as inteligências locais. Na palestra serão abordados pelos professores do MIT, alguns assuntos relacionados as áreas escolhidas pelo AmIT para que os segmentos socioeconômicos da Amazônia vejam as oportunidades existentes para soluções dos problemas locais. Em seguida, teremos uma mesa de “instrução” quando as partes interessadas possam interagir e produzir um protocolo de intenções.

Em paralelo, devemos fazer algumas visitas ao setor empresarial, acadêmico e governamental para apresentar a proposta do AmIT e ouvir, juntamente com os professores do MIT, as expectativas e os anseios em relação a vinda do Instituto.

Outra iniciativa, já discutida é a criação de um espaço cibernético Amazônico, onde se pretende convergir de forma organizada oportunidades de negócios, banco de dados, apoio às pesquisas e outras atividades que venham contribuir com o desenvolvimento humano das populações da Amazônia. E ainda há as tratativas para ocupar um espaço físico na cidade que possa promover essa articulação com a sociedade local.

Quem é Estevão Monteiro de Paula?

Possui graduação em Engenharia Civil pela Universidade Federal do Amazonas (1979), mestrado em Engenharia de Estruturas na Escola de Engenharia de São Carlos pela Universidade de São Paulo (1981) e Ph.D. – University of Tennessee (1989) dos EUA. Exerceu atividades de Presidente do Instituto de Proteção Ambiental do Estado do Amazonas, Gerente do Centro Técnico Operacional de Manaus do Sistema de Proteção da Amazônia – SIPAM, Diretor Substituto do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA e Coordenador Geral de Pesquisas do INPA. Exerceu o cargo de Secretário Executivo de Ciência e Tecnologia da- SEPLANCTI-AM

Atualmente é Vice Coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia- Madeiras da Amazônia e Professor Titular da Universidade Estadual do Amazonas – UEA, nos cursos de Engenharia Civil e Engenharia Florestal da disciplina Resistências dos Materiais I e II, Estruturas de Madeira, e Pesquisador Titular aposentado do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA. (Fonte Lattes)

Coluna follow-up é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, no Jornal do Comercio do Amazonas, sob a responsabilidade do CIEAM e coordenação editorial de Alfredo Lopes, consultor da entidade e editor geral do portal BrasilAmazôniaAgora

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