10/09/2018 12:51
Entrevista com Mariano Colini Cenamo (Idesam)
Engenheiro florestal formado pela Universidade de São Paulo (ESALQ-USP), com militância socioambiental na Amazônia desde 2005, Mariano Colini Cenamo é reconhecido por sua autoridade acadêmica e civil nos temas e problemas como mudanças climáticas, conservação florestal e projetos de carbono. Há 13 anos fundou o Idesam (Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas) e tem se dedicado a projetos e iniciativas de REDD+, participando ativamente das reuniões e processos da Convenção da ONU sobre Mudanças do Clima. Foi painelista da Conferência de Gestão da Amazônia, entre 29 e 31 de agosto último, sobre o papel do terceiro setor neste desafio. Logo após, recebeu a Follow Up para uma reflexão conjunta. Confira.
FOLLOW Up – Debater gestão da Amazônia,
provavelmente, é uma das questões prioritárias do Brasil
para olhar para esta parcela maior de sua territorialidade
e identidade. Como você enxerga essa questão?
Mariano Colini Cenamo – Infelizmente estamos
passando por uma enorme crise política que debilita a
gestão em praticamente todos os níveis da
administração pública no Brasil. Na Amazônia isso não
é diferente. O desafio
de se compatibilizar as
necessidades de desenvolvimento social e econômico
com a conservação ambiental na Amazônia é enorme e
demanda maior envolvimento e protagonismo do setor
privado. Não podemos esperar todas as respostas do
poder público.
FUp – A Amazônia foi incluída como ativo ambiental
decisivo nos compromissos do Brasil no Acordo do Clima,
entretanto, o Brasil de Brasília e o Brasil do Sudeste
permanecem de costas e de cócoras para o entendimento
e encaminhamento dessa questão. Como podemos pautar
essa discussão na Agenda dos próximos governantes?
MCC – A Amazônia brasileira detém o maior ativo
ambiental do Brasil, quiçá do mundo. É a maior área de floresta
tropical do planeta e o maior bioma do Brasil,
com mais de 4,1 milhões de km2 de extensão, cerca de
60% do território nacional, e nela vivem em torno de 20
milhões de pessoas. Entretanto, gera menos de 8% do
PIB brasileiro e enfrenta sérios problemas sociais e
ambientais. Sua economia depende basicamente da
exploração de recursos naturais, minerais e do
agronegócio, que já levou à substituição cerca de 20% de
sua cobertura florestal
original por pastagens e outros
cultivos agrícolas.
FUp – Como desenvolver a economia da região sem
destruir suas florestas
e biodiversidade?
MCC – Nos últimos anos a Amazônia gerou a maior
contribuição já feita por um país para combater as
mudanças climáticas. Em 2004, as emissões totais do
Brasil foram de 3,8 GtCO2e (gigatoneladas de dióxido de
carbono equivalente), sendo mais de 70% do setor de
mudanças no uso da terra (SEEG – Sistema de
Estimativa de Emissão de Gases de Efeito Estufa). A
derrubada de orestas
na Amazônia é o maior
responsável por essas emissões. Devido a uma série de
fatores econômicos, sociais e principalmente de
esforços coordenados do governo federal, estados,
municípios, sociedade civil e populações tradicionais e
indígenas, conseguimos reduzir o desmatamento na
Amazônia em cerca de 80%, quando comparado as taxas
de 10 anos atrás. Foram mais de 5 GtCO2 que deixaram
de ser lançadas para a atmosfera, valor próximo do que
a União Europeia emitiu em 2013 (4,4 GtCO2e). Com
isso, o Brasil ganhou enorme destaque e
reconhecimento internacional. Tal feito era para ser
comemorado, se não fosse um problema: esse
gigantesco ativo ambiental e contribuição climática não
foram reconhecidos e valorizados e o desmatamento
voltou a crescer nos últimos três anos.
Com raras exceções, o cenário e os desafios
socioeconômico continuam praticamente os mesmos.
As atividades produtivas e a economia regional seguem
iguais a dez anos atrás. Pior: a forte recessão econômica
que afeta o Brasil, da ordem de -3,8% do PIB em 2015,
foi maior nos estados da Amazônia. Por exemplo, a
recessão foi de -9,1% no Amazonas; de -6,2% no
Amapá; e de -5,2% em Rondônia. O desempenho
econômico negativo foi diretamente acompanhado pelo
aumento no desmatamento.
FUp – Hoje o Agronegócio responde por 50% da balança
comercial do Brasil. E responde também por 50% das
emissões de carbono. Cientistas focados na bioeconomia
são unânimes em dizer que se o Brasil investir em 100
produtos da biodiversidade, cosméticos, fármacos ou
alimentos funcionais, teríamos o dobro da receita do
Agronegócio em 10 anos. Como hastear essa bandeira e
mobilizar os atores para essa empreitada?
MCC – É um contrassenso que a região que gerou mais
de 55% das reduções de emissões no Brasil e nos
colocou na vanguarda mundial do debate sobre
mudanças climáticas siga na pobreza e sem alternativas
de desenvolvimento sustentável. O mecanismo
chamado Redução de Emissões do Desmatamento e
Degradação Florestal (REDD+) representa nossa melhor
oportunidade para alavancar recursos e lidar com os
desafios
sociais e econômicos da região. Por ele,
projetos que conservaram a oresta
são aptos a obter
recursos. Os valores podem alavancar investimentos
nos estados e municípios, criando um ambiente
favorável para a participação do setor privado e um
novo caminho para uma economia com baixa emissão
de carbono.
É preciso melhorar radicalmente a estratégia de
captação de recursos para colocar em prática o
mecanismo no Brasil. Até agora foram obtidos pouco
mais de R$ 3 bilhões como pagamento por resultados de
REDD+. Os recursos foram aportados no Fundo
Amazônia, administrado pelo BNDES, principalmente
pelos governos da Noruega e da Alemanha. A quantia,
porém, representa menos de 6% dos R$ 70 bilhões que
poderiam ser captados pelo Brasil via REDD+
(considerando o valor de referência de U$ 5 por
tonelada de CO2 e utilizados pelo Fundo Amazônia em
seus contratos). O momento é oportuno e urgente para
elaborarmos novos arranjos e estratégias para que esse
volume de recursos chegue a quem efetivamente precisa
dele. É necessário retomar o diálogo e a confiança
entre
o governo federal e os grupos envolvidos na construção
de um marco regulatório robusto para REDD+, em nível
nacional.
FUp – A Conferência de Gestão da Amazônia trouxe alguns
diagnósticos e algumas recomendações. Um deles passa
pela burocracia proibicionista e outro pelo conosco
de
verbas que as empresas recolhem para o Estado e para a
União para diversificar
e interiorizar o desenvolvimento.
Superar esses paradoxos é a tarefa mais emergencial e
necessária para construir um novo patamar de
desenvolvimento e prosperidade. Como o Terceiro Setor
pode colaborar nessa empreitada?
MCC – O terceiro setor tem se esforçado em construir
novos modelos e negócios relacionados a cadeias de
valor que conservam as florestas
e beneficiam
comunidades. É importante que o governo e empresas
se apropriem desse conhecimento e invistam para
escalonar esses esforços na proporção que a Amazônia
precisa.
FUp – Que prioridades e iniciativas, a seu ver, são as mais
prementes na construção do futuro?
MCC – É fundamental investir na criação de novos negócios que gerem impacto positivo nas comunidades e nas florestas. Para que isso tenha viabilidade econômica, é fundamental que os governos se unam e viabilizem a agregação de valor nos serviços ambientais fornecidos pela floresta amazônica. Bons exemplos não faltam, o que precisa agora é vontade política.
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Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do CIEAM. Editor responsável: Alfredo MR Lopes. cieam@cieam.com.br
Publicada no Jornal do Commercio do dia 12/09/2018