23/07/2021 11:45
“A Amazônia está de portas abertas para quem se dispuser a somar e adicionar efetivas contribuições para decifrar nosso precioso enigma, transformando nossas potencialidades na prosperidade social sustentável. “
Alfredo Lopes*
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Toda a história do pensamento ocidental, desde Platão, sec.V AC, está submetida à ideia insistente da transcendência. Agimos, pensamos e decidimos sempre referenciados pelo conceito platônico de que existe um mundo ideal, transcendente à matéria, onde tudo é perfeito, e do qual o mundo real é apenas uma imitação barata, precária, ou seja, imperfeita. Felizmente, a compreensão da ideia de movimento, traduzida genialmente pelos filósofos présocráticos, por Heráclito, particularmente, revoluciona essa dicotomia, e nos traz a imanência do rio, que flui eternamente, no qual, ninguém se banha duas vezes. Ou seja, tudo flui, tudo muda, pois assim determina o eterno movimento da realidade. Tudo muda, só o que não muda é esta sentença, que é conceitualmente estática. Aqui na Amazônia, estudar implica em se deixar guiar pelos rios que, como dizia Leandro Tapajós, aqui eles comandam a vida, e traduzem nossa identidade.
Com essa paráfrase pré-socrática, gostaríamos de comentar um estudo publicado pela PUC/RJ sobre um suposto aprimoramento da Zona Franca de Manaus a partir das experiências internacionais de política pública com base em contrapartida fiscal. O estudo, “Aprimorando a ZFM” foi levado a efeito pelo grupo Climate Politicy Initiative, daquela universidade, cujo mérito acadêmico em destaque sempre foi em Ciências Físicas, basta ver suas pontuações na CAPES e CNPq. Não há grandes nomes nem trabalhos mais consistentes no portfólio de suas contribuições. O estudo em questão, visivelmente integrado a esta visão liberal de mundo – que esvaziou a economia do Chile e que tem feito suas peripécias na gestão da Economia brasileira – estuda a ZFM a partir de visões idealizadas de economias com suporte fiscal pelo mundo afora.
Vamos ao estudo. Começando pelo fim, podemos observar que suas referências bibliográficas servem para ilustrar a fragilidade de suas hipóteses e a inconsistência de suas premissas. Comparar alhos com baralhos levará a qualquer estudo conclusões estapafúrdias. Por que dizemos isso? Como provar sem conotar os termos da sentença que o programa de desenvolvimento regional denominado Zona Franca de Manaus não é sustentável? O que ele chama de sustentabilidade? E dizer que a ZFM paga pouco para seus trabalhadores sem aferir os parâmetros e referências de sua informação é, no mínimo, irresponsável. Os autores não utilizaram fontes confiáveis muito menos mencionaram o vigoroso estudo da Fundação Getúlio Vargas “ZFM impactos, efetividade e oportunidades”, de 2018, o melhor trabalho de enometria já consolidado sobre a Zona Franca de Manaus.
No quesito salários dos trabalhadores, a FGV demonstra com informações e fontes públicas, que “… a ZFM promoveu o crescimento da renda per capita acima da média nacional; em 2010, a renda per capita do São Paulo (R$30 mil) era 1,8 vezes maior do que a do Amazonas (R$17 mil). Em 1970, no começo da ZFM, a renda per capita de São Paulo (R$17,4 mil) era 7 vezes maior do que a do Amazonas (R$2,4 mil). Houve, assim, relevante redução da diferença de renda per capita entre o Amazonas e os estados mais ricos do país.”
O estudo da PUC/RJ afirma que: “Em 2019, o valor pago aos trabalhadores do PIM correspondeu a apenas 5% do faturamento. Em 2018, a média do Brasil foi de 11%, segundo a Pesquisa Industrial Anual (PIA) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Além disso, em 2019, 59% dos empregados no PIM recebiam até 2 salários mínimos (Suframa 2020). As firmas do PIM usufruem, portanto, dos benefícios fiscais e da disponibilidade de mão de obra barata.
Diametralmente oposta à conclusão dos pesquisadores cariocas, a tese de doutorado defendida com louvor em 2009, na FEA/USP, pelo pesquisador Jorge de Souza Bispo, sobre a Distribuição de Riqueza da Zona Franca de Manaus. Sua conclusão baseada em dados da Receita Federal e nos indicadores da Suframa, afirma que “…a geração de riqueza foi pesquisada de acordo com sua distribuição para três grupos: pessoal, governos e proprietários. Foi utilizado o teste de média e os achados mostram que enquanto as empresas industriais instaladas na ZFM distribuem 27,28%, 54,42% e 1,82% aos empregados, governos e proprietários, respectivamente, as empresas pares situadas fora distribuem 36,31%, 41,54% e 6,44%, respectivamente.”
O que é Amazônia 2030? O trabalho, segundo informações de seu expediente, faz parte de uma iniciativa maior, denominada Amazônia 2030, um projeto coletivo de pesquisadores brasileiros “…para desenvolver um plano de ações para a Amazônia brasileira.
Nosso objetivo é que a região tenha condições de alcançar um patamar maior de desenvolvimento econômico e humano e atingir o uso sustentável dos recursos naturais em 2030.” Ora, para alcançar objetivos tão nobres, é importante não apenas visitar a região e fazer contatos com os diversos atores, não apenas acadêmicos, mas também os investidores, trabalhadores e figuras públicas conectadas ao desenvolvimento regional. São premissas da responsabilidade acadêmica e do compromisso ético com uma região tão frágil e ao mesmo tempo pródiga em oportunidades e potencialidades. É lamentável a postulação de sentenças e interpretações de orelhada, como se diz no jargão da academia de fim-de-semana.
O entendimento da Amazônia, e da economia da Zona Franca de Manaus, precisa mais do que badalação e narrativas espetaculosas. Estamos enjoados de tantos especialistas. Eles nada agregam, além do adubo da própria egolatria. Queremos compromisso com nossa gente, disposição para a aprendizagem, e para a necessidade da virada no rumo da prosperidade. Profetas do Apocalipse muito menos os passageiros da agonia serão bem vindos. A Amazônia está de portas abertas para quem se dispuser a somar e adicionar efetivas contribuições para decifrar nosso precioso enigma, transformando nossas potencialidades na prosperidade social sustentável.
https://eesp.fgv.br/sites/eesp.fgv.br/files/estudos_fgv_zonafranca_m anaus_abril_2019v2.pdf
https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/12/12136/tde-04122009-161933/pt-br.php
(*) Alfredo Lopes é filósofo, consultor do CIEAM e editor-geral do portal BrasilAmazôniaAgora
Fonte: Brasil Amazônia Agora