22/05/2025 08:08
“Em um tempo em que a bioeconomia se firma como alternativa concreta para o desenvolvimento sustentável da região, a trajetória da empresa antecipa debates contemporâneos e reafirma o valor do fazer com raízes”.
Por Alfredo Lopes
Oito décadas atrás, quando as cicatrizes da Segunda Guerra Mundial ainda fumegavam na Europa e a Amazônia vivia o esvaziamento econômico provocado pelo colapso do segundo ciclo da borracha, uma nova esperança brotava em solo manauara. A família Cruz, de origem portuguesa, seu patriarca José Cruz, desembarcava em Manaus, envolta na placidez tropical de uma cidade que, apesar de seus ares serenos, escondia o trauma de um futuro interrompido.
Os americanos que, por esforço de guerra, reativaram o Ciclo da Borracha, haviam partido, levando consigo os sonhos de uma Amazônia transformada em almoxarifado estratégico do conflito bélico, deixando para trás galpões vazios e promessas quebradas.
Foi nesse cenário de recomeço que a visão empreendedora da família José Cruz encontrou no guaraná amazônico não apenas um fruto, mas um caminho. Impulsionados pela força do trabalho e pela crença nas riquezas da floresta, os Cruz deram início à saga Magistral do Guaraná, que hoje celebra 80 anos como símbolo de resistência, identidade e inovação amazônica.
Enquanto a floresta ensinava, com seus ritmos e silêncios, a compreender o mundo e a decifrar os sentimentos, a cidade de Manaus do início do século XX ainda carregava o brilho pálido de uma Belle Époque tropical. Como narra a pesquisadora Selda Vale da Costa, “tanta placidez e tranquilidade chegam a criar a ilusão de que em Manaus não existiriam classes sociais”.
Era uma cidade de saberes e utopias, com clubes esportivos, escolas de música, hospitais beneficentes e um campo cultural efervescente, mesmo sob o isolamento que ainda marcava o Norte do Brasil. A família Cruz empreendeu com o fruto sagrado dos povos originários e empenhou-se em fazer do Hospital Beneficente Portuguesa uma referência de cuidados e compromissos com os necessitados.
Foi nesse caldeirão de contradições — entre tradição e modernidade, floresta e cidade, crise e resiliência — que a Magistral fincou raízes. Ao apostar no potencial do guaraná, fruto sagrado e símbolo de energia e vitalidade, a indústria liderada pela família Cruz passou a escrever uma história própria, que logo se entrelaçaria com a do próprio Amazonas.
Durante esses 80 anos, a Magistral não apenas se consolidou como referência na produção de extrato e múltiplas opções do guaraná, como também se tornou guardiã de um legado cultural, social e econômico. Em um tempo em que a bioeconomia se firma como alternativa concreta para o desenvolvimento sustentável da região, a trajetória da empresa antecipa debates contemporâneos e reafirma o valor do fazer com raízes.
Como escreveu um cronista da época, “há rumos certos na atualidade. O homem curva a fronte, penitenciando-se de erros passados e numa reverência ao subsolo rico, à terra fértil e hospitaleira, estende os braços ao ar, na colheita de frutos e sementes que são pepitas de ouro, penduradas na ramagem dos soberbos dominadores das selvas”.
Neste ano de festa, FIEAM e CIEAM, em justa homenagem, celebram a Magistral e o empresário do Ano, Luiz Carvalho Cruz, com seus parceiros de batente, Victor e José Cruz, guardiões do espólio e raizes ancestrais dos Sateré-Mawé, a etnia do guaraná. A todos estes passageiros que acreditam no Amazonas e no poder da floresta em pé — registramos nossa homenagem e reconhecimento. Que venham mais oitenta anos de força, inovação e proteção da Amazônia.
Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, no Jornal do Commercio, de responsabilidade do CIEAM. Editor responsável: Alfredo MR Lopes. cieam@cieam.com.br