24/09/2021 23:05
“O mundo está financeiramente bem frágil, mesmo com ciclos exuberantes de valorizações de diversos ativos, até porque a economia real, da produção, dos ganhos de produtividade, dos investimentos e do emprego, se move com muita cautela. Riscos de estagflação rondam o mundo e outros gigantes econômicos podem se revelar de pés de barros e levar o mundo a um mergulho profundo rumo à nova recessão econômica. Um mundo de elevada volatilidade nos mercados financeiros deve pairar sobre nossas vidas, por mais algum tempo”
Por Márcio Holland
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A semana começou bastante agitada nos mercados financeiros internacionais com notícias de riscos de calote por parte de uma gigante incorporadora chinesa do setor imobiliário, a Evergrande. Trata-se de uma empresa com passivo de mais de US$ 300 bilhões e ações espencando mais de 80% desde o início deste ano, e com vencimento de juros de dívida sob elevado risco de default. Mas, tudo indica que a Evergrande não é o Lehman Brothers, nem o PBoC (banco central da China) agirá como o Fed (Federal Reserve Board, o banco central dos Estados Unidos) e não deixará que eventual bancarrota da empresa contamine o resto da economia local. Mesmo assim, o evento está funcionando como um alerta para reflexões sobre como andam as finanças globais desde a crise de 2008.
O fato é que a crise do subprime ainda ronda nossos dias, mesmo depois de 13 anos de seu estouro. Ela tem como marco histórico a quebra de um dos maiores e mais antigos bancos de investimentos dos Estados Unidos, o Lehman Brothers, em 15 de setembro de 2008. Esse banco investia pesadamente em títulos lastreados a crédito imobiliário para pessoas consideradas com alto risco de inadimplência. Ao longo de um
ano, até quebrar, suas ações desabaram 95%. O gigante financeiro não aguentou e com ele deu-se início à maior crise financeira internacional desde o crash da bolsa, de 1929. O Fed deixou acontecer. A crise de 2008 revelou um intricado esquema de excesso de alavancagem, de falha grave na regulação e na autoregulação dos mercados, e mecanismos precários de supervisão bancária.
Crises financeiras são muito mais frequentes do que imaginamos; quando começamos a esquecer da última, acontece a próxima. O fato é que, desde 2008, os mercados financeiros vêm se valorizando bem mais do que os lastros do mundo real, observados no emprego e no crescimento da produtividade. Desde dezembro de 2008, quando bateu no fundo do poço, em 8.727 pontos, o Índice Dow Jones já se valorizou quase 300%. Já o índice Nasdaq, no rastro da expansão das empresas de alta tecnologia, saltou de 1.212 para 15.088 pontos, no mesmo período. O crescimento econômico dos Estados Unidos, em média anual de 2%, sem considerar o tombo de 3,5%, em 2020, devido à pandemia, não justifica aquela exuberância financeira.
Lembrando que o mundo experimentou a chamada “great moderation”, um longo ciclo econômico, de meados de 1980 a 2007, de estabilidade de produto e inflação, com crescimento na casa dos 5% ao ano. Desde então, fala-se muito em “great recession”. Mais recentemente, a volta da inflação com baixo crescimento assusta a muitos, mas os mercados financeiros têm vivido em um mundo à parte, até a próxima crise. Na transição da “great moderation” para a “great recession”, o PIB per capita dos Estados Unidos passou a crescer pela metade. O mesmo vale para a China, a França e o Reino Unido.
A economia chinesa, que mais cresce no mundo desde anos 1980, desacelerou de sua média anual de 10% para 6% ao ano. Com a desaceleração do crescimento chinês, caiu muito do ímpeto do mercado das commodities. Na “great moderation”, houve um super ciclo de commodites. É digno de registro o caso do preço do petróleo saiu de menos de US$ 20/barril para algo em torno de US$ 140/barril. Contudo, desde a Crise de 2008 até 2014, as cotações de petróleo oscilaram em média de US$ 85/barril, e mais recentemente, desde 2015, oscilam em torno de US$ 50/barril. Seu repique recente, rumo a US$ 70/barril vive sob volatilidades. O minério de ferro experimentou um bom ciclo de valorização, de 2016 até meados de 2020, saindo de menos de US$ 50/toneladas para mais de US$ 215/ton. Mas, desde julho de 2020 desabou para US$ 104/ton.
Na “great recession”, os ativos se tornaram bem mais voláteis, até porque as políticas monetárias dos bancos centrais das economias avançadas seguem incertas. Por quase oito anos consecutivos, o poderoso Fed sustentou sua taxa básica de juros entre 0 e 0,25% ao ano. Algo extraordinário, que levou ao mundo das taxas reais de juros negativas. Após um curto ciclo de tentativa de normalização, de 2016 a 2019, quando a Fed Fund, a taxa básica de juros norte-americana, rodou entre 2,25% e 2,5% ao ano, o Fed retomou sua política de estímulos monetários, e retornando-a novamente para 0 e 0,25% e com programa de compras de títulos de US$ 120 bilhões mensais. Vale lembrar que esse movimento de afrouxamento monetário aconteceu por conta de respostas à pandemia.
À medida que a economia norte-americana se recupera, mesmo que aquém do desejável, os cenários de tapering, ou seja, de retorno à normalização da política monetária, vêm agitando os mercados. O Fed vem discutindo a possibilidade de retirada de estímulos ao longo do próximo ano. Mesmo assim, são muito baixas as chances de a taxa básica de juros da economia norte-americana atingir tão cedo seu nível pré-Crise de 2008, quando rodavam em torno de 5% ao ano. Ou seja, ainda vamos arrastar por um bom tempo os efeitos colaterais da fragilidade das economias mundiais, em grande parte, devido às consequências da crise do subprime. O mundo está financeiramente bem frágil, mesmo com ciclos exuberantes de valorizações de diversos ativos, até porque a economia real, da produção, dos ganhos de produtividade, dos investimentos e do emprego, se move com muita cautela. Riscos de estagflação rondam o mundo e outros gigantes econômicos podem se revelar de pés de barros e levar o mundo a um mergulho profundo rumo à nova recessão econômica. Um mundo de elevada volatilidade nos mercados financeiros deve pairar sobre nossas vidas, por mais algum tempo.
(*) Márcio Holland é professor na Escola de Economia de São Paulo da FGV, onde coordena os “Diálogos Amazônicos” e o Programa de Pós-Graduação em Finanças e Economia (Master) e escreve artigos para o Broadcast quinzenalmente às quartas-feiras
Fonte: Brasil Amazônia Agora