07/06/2023 12:08
Por Márcio Holland
O desenvolvimento brasileiro, ao longo do século passado, é usualmente resumido como o de crescimento com industrialização. Com ele veio a urbanização. Esse processo foi acompanhado de grande devastação da Mata Atlântica. De seus 1,7 milhões de quilômetros quadrados, restam menos de 30% de cobertura natural. Há estimativas bem mais pessimistas desse porcentual. À luz dos tempos atuais, esse modelo de desenvolvimento baseado na destruição da floresta foi um grande equívoco nacional.
De volta ao futuro, estamos, enfim, falando da Amazônia cada vez mais, de mudanças climáticas e de meio
ambiente. Contudo, os desafios são tão grandes quanto os seus números e a sua importância. No livro
inspirador "Arrabalde", João Moreira Salles chama atenção para essas dimensões. "Que esse sistema
singular produza 20% da água doce do planeta e abrigue 25% da biodiversidade terrestre, bem como cerca
de 10% de todas as formas vivas conhecidas, indica que estamos diante de algo grande". O autor,
acometido de um entusiasmo contagiante, prossegue: "Somos o guardião desse legado".
As estimativas indicam que 16% da floresta deste bioma já foi para o chão, sem reverter riqueza para as
comunidades locais. Estamos falando de mais de 827 mil quilômetros de floresta derrubada. De acordo
com o climatologista Carlos Nobre, estamos nos aproximando do "tipping point" (ou "ponto de não
retorno") se o desmatamento atingir 20% da floresta amazônica com riscos de savanização. Esse processo
tem severas consequências para o equilíbrio climático, não apenas do Brasil, mas de todo o planeta.
Isso posto, o que fazer com essa extraordinária dádiva da natureza? Como promover o desenvolvimento da
região, sem repetir os erros do passado, observados no Sul e Sudeste do país? Lembrando que mais de 25
milhões de pessoas habitam a chamada "Amazonia Legal" e carecem de acesso à energia, transporte de
qualidade, em particular fluvial, conectividade, aos serviços de saúde e educação, entre outros, importante
para gerar renda e manter atividades econômicas baseadas no uso dos recursos naturais. São milhares de
comunidades espalhadas pelos rios da região, que lutam para preservar a mata e seus conhecimentos
originários. Sem desenvolvimento, a região se tornar refém das atividades predatórias e ilegais, de tráficos
de drogas, da mineração e da pesca ilegal, de queimadas e desmatamento desordenados. Não há saída para
a Amazônia que não o seu desenvolvimento sustentável. O mais extraordinário é que é possível desenhar
um modelo de desenvolvimento para a região com recuperação das áreas degradadas e sem derrubar matas
nativas.
Fala-se muito na bioeconomia como solução para esse desenvolvimento. As condições atuais de logística e de acesso aos serviços, contudo, tornam praticamente inviáveis qualquer projeto de fomento de novas cadeias produtivas à altura da região. Vale lembrar que a região já conviveu de perto com a bioeconomia, com a chamada "Belle Époque amazônica", durante o ciclo da borracha, que teve seu auge e debacle na mesma velocidade, entre final do século 19 e começo do século 20. Desta experiência deveríamos depreender várias lições. O passado precisa nos ensinar.
A ideia de bioeconomia através de métodos rudimentares de extração de insumos entranhando pela selva não se sustenta. O principal mecanismo de geração de valor a partir da floresta é a pesquisa, o desenvolvimento e a inovação. E isso se faz com a integração dos principais centros de pesquisa regionais e do resto do Brasil, como defendeu o secretário da Economia Verde, Descarbonização e Bioindústria do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Rodrigo Rollemberg, no evento Diálogos Amazônicos da FGV, no último dia 5 de junho.
Mas, tudo isso fragmentado fará muito pouco. Será preciso grande montante de recursos com gestão eficiente, alto nível de governança e alocação dos recursos para projetos que combinam retorno financeiro, social e ambiental.
De um lado, há recursos advindos do Polo Industrial de Manaus, desenvolvido a partir da Zona Franca de Manaus, na forma de contrapartida em P&D, que chega a R$ 2,0 bilhões por ano, para os fundos estaduais FTI e FMPES, outros R$ 2,0 bilhões por ano, e ainda para o financiamento integral da UEA, algo em torno de R$ 700 milhões por ano. Vale o registro dos recursos na forma de arrecadação tributária para a União, em mais de R$ 20 bilhões, e para o Estado do Amazonas, em mais de R$ 5,0 bilhões.
A reforma tributária em discussão no Congresso Nacional está buscando soluções para manter a competitividade da ZFM, o que é essencial para não matar a galinha dos ovos de ouro para promover essa grande transformação verde.
Mesmo com exorbitantes riquezas naturais e grande montante de recursos financeiros, como os listados acima, o Norte é, atualmente, uma das regiões mais pobres do Brasil. É preciso mudar esse jogo. É preciso coordenar grande parte destes recursos em um único fundo constitucional para a bioeconomia amazônica, com princípios, modelo de governança corporativa e capacitação profissional similares aos de um FMI ou Banco Mundial.
Os recursos deste fundo, advindos da ZFM, alimentariam um ecossistema que integraria a interiorização do desenvolvimento, a promoção de cadeias produtivas da bioeconomia, como a de fármacos, cosméticos, piscicultura, alimentos, além da indústria de madeira e do turismo, entre outros, diversificando a atividade econômica. Isso somente seria possível pois os recursos seriam também alocados em investimentos na infraestrutura sustentável, no acesso à água potável e saneamento, em moradias, em educação básica de qualidade, em capacitação técnica dos trabalhadores e tantas iniciativas verdes para manter a floresta em pé.
Márcio Holland é professor na Escola de Economia de São Paulo da FGV, onde coordena os "Diálogos Amazônicos" e a Pós-Graduação em Finanças e Economia (Master), e escreve artigos para o Broadcast quinzenalmente às quartas-feiras.
Os artigos publicados no Broadcast expressam as opiniões e visões de seus autores.