23/04/2024 14:15
Por André Ricardo Costa
Professor da Ufam
A escolha pela Bioeconomia para substituir o modelo ZFM é certeira. O mundo está numa corrida para dominar as cadeias produtivas relacionadas à biotecnologia. Mais de 10% das empresas listadas nas bolsas norte-americanas são de alguma forma voltadas a este segmento, reconhecendo um potencial de ganho de US$ 4,9 trilhões de dólares em termos de capitalização de mercado.
As três maiores multinacionais de biotecnologia destinam anualmente 57 bilhões de dólares somente a projetos de P&D, e empregam centenas de milhares de pessoas. Algumas atuam em cadeias produtivas próximas a existentes no PIM, como instrumentos eletrônicos de biomedicina. Atrair seus investimentos pode ser uma das chaves para efetivar a transição da ZFM para a Bioeconomia.
As demais, geralmente relacionadas à farmácia, medicina diagnóstica e alimentos, dependem de esclarecer os caminhos entre a pesquisa básica e a oferta de bens e serviços ao consumidor final. A questão é como viabilizar isso usando nossos recursos naturais de modo que com o passar dos séculos a Amazônia tenha cada palmo de sua superfície relacionado a atividades produtivas que não lhes descaracterizem enquanto bioma.
Os caminhos da geração de valor mostram duas formas de solucionar isso. Cada cadeia produtiva precisa ter de antemão a ideia se seu produto vai ser item de luxo, de elevadíssimo valor agregado, pelo qual consumidores de alta renda estariam dispostos a pagar elevadas quantias. Seria tratar nossos frutos, dos quais tanto nos orgulhamos, como os mediterrâneos tratam a uva ou a azeitona. O famoso “ganhar na margem”, também aplicado pelos suíços quanto ao queijo, chocolate e relógios, pelos japoneses quanto ao gado wagyu, pelos alemães quanto aos automóveis. A biotecnologia nos dispensaria de depender de produtos exóticos em monocultura intensiva e abreviaria centenas de anos de seleção. Todo solo amazônida estaria envolvido em sistemas agroflorestais sustentáveis, em máxima produtividade e valor.
O “ganhar no volume”, como é a lógica do agronegócio que resolve os IDHs dos municípios do Centro-Oeste brasileiro, poderia ser aplicado na Amazônia em contextos que não concorrem com o bioma. Exemplo recente é o conjunto de pesquisas, como a do doutorando pela Ufam Aldessandro Amaral, que descobre técnicas de aquicultura de aumentar o peso máximo do tambaqui, redução do ciclo de cultivo e aumento da conversão alimentar.
A técnica é valiosa pela produtividade e respeito ao meio ambiente não apenas amazônico como global. O procedimento de esterilização dos peixes permite-lhes serem cultivados como espécie exótica, possibilitando a outras regiões ganharem mais dinheiro com a produção de tambaquis que propriamente a Amazônia. Estilo seringueira/Malásia.
Para evitar esse cenário, é urgente demarcar a superfície de nossos rios como há séculos a Europa demarcou o solo e encerrou a escassez medieval. São 7,5 milhões de km² à nossa disposição. A estratégia atual, de apenas dar alevinos, nos limita a produzir anualmente não mais que 21 toneladas de peixes, enquanto a produção brasileira de carne bovina é de 9 milhões de toneladas.
Quem lidera as pesquisas sobre o tambaqui é a Embrapa de Tocantins, em parceria com uma iniciativa europeia de estudos em aquicultura, de orçamento ínfimo diante das verbas de P&D das gigantes da bolsa norte-americana. Ao atrair para a Amazônia parte dos orçamentos de P&D das grandes multinacionais de biotecnologia, pesquisas como a do Aldessandro serão rotina, permitindo aos amazônidas enriquecerem tanto na margem quanto no volume, por cadeias produtivas que hoje sequer imaginamos.
Publicado no Jornal do Commercio em 23/04/2024