19/08/2025 14:26
Por Augusto Cesar Barreto Rocha
Quem mora em Manaus e trabalha em alguma atividade ligada à logística já percebe que o ciclo da seca começou. As chuvas reduziram, sentimos algum cheiro de fumaça e já há notificação da chamada “taxa da seca”. Esses três fatos estarão na agenda de todos nas próximas semanas e meses. Poderia ser diferente, mas não é. A história se repete, não como uma farsa, mas como uma realidade terrível, cara e assustadora.
O que deixou de ser feito? Até onde posso constatar, não houve estudo sobre como uma obra poderia garantir a profundidade apropriada do canal de navegação que permite a chegada de navios de grande porte a Manaus, mesmo em casos de seca extrema. Mais um ano se passou e seguimos apenas reagindo aos eventos. A expectativa de repetição da dragagem inútil dos dois últimos anos é a única perspectiva, o que é lamentável, ainda mais diante do alarmante sobrecusto das empresas, que chegou a quase R$ 3 bilhões.
A importação preparatória de 2025 apresenta um ligeiro aumento de 1,3% em dólar entre janeiro e julho, em comparação ao mesmo período de 2024, segundo dados do ComexStat, excluindo commodities. A seca é esperada, os estoques estão sendo carregados e os custos aumentam novamente. A taxa da seca é cobrada, os terminais portuários fazem seus planos e existe a possibilidade de nova interrupção da hidrovia, apesar de um cenário menos pessimista sobre a estiagem. É quase inacreditável que não tenhamos tido a capacidade de agir após duas secas históricas. A sociedade brasileira parece conhecer muito mais do que se passa em outros países do que o que acontece na Amazônia. Estamos em uma crise permanente de falta de infraestrutura, sem planos para sanar o problema e sem discussão pública sobre como enfrentá-lo. Continuamos deliberando exaustivamente sobre o que não nos interessa, enquanto as pautas, pesquisas e discussões permanecem centradas em opiniões que não levam ao progresso.
Estamos às portas da COP30, no Pará, e será um momento importante, pois os custos amazônicos serão percebidos pelo mundo inteiro. Muitos falam da Amazônia sem vir até aqui, mas quando estiverem presentes terão um vislumbre do que é viver na região, ainda que em um evento estruturado em uma capital preparada para receber milhares de pessoas. Ainda vale insistir para que o DNIT realize os estudos necessários, para que a BR-319 seja asfaltada e suas pontes reconstruídas, e para que haja proteção do entorno da rodovia quando ela for recuperada.
Hoje, estamos presos em uma armadilha do tempo. Somos ignorados pela gestão pública, enquanto o tema não entra na pauta nacional. Discutem-se apenas formas de não agir, criam-se distrações, e o debate se volta para problemas particulares em vez de enfrentar os desafios das sociedades periféricas do Brasil. Será que a estratégia diplomática é mostrar o quanto é difícil viver na Amazônia? Somos excelentes em receber estrangeiros e apreciamos a globalização, mas parte do mundo está focada na dominação. A governança da Amazônia precisa evoluir para que possamos acreditar em uma perspectiva de progresso. No presente, o que temos é apenas uma armadilha do tempo, na qual tudo se repete.
Artigo publicado pelo Jornal Acrítica em 19/08/2025