31/05/2022
Os signatários deste artigo, na condição de ex-secretários da Receita Federal, por imposição de consciência e compromisso com o País, no momento em que é retomado o debate sobre a tributação de dividendos no imposto de renda das pessoas jurídicas (IRPJ) se sentem na obrigação de compartilhar, em conjunto, suas reflexões e experiências, sobre a matéria, como forma de subsidiar as discussões.
A tributação da renda das pessoas jurídicas deve ser vista de forma integrada, desde a tributação do lucro até sua distribuição. Afinal, o investidor ao aplicar, em uma empresa, almeja o retorno do investimento que se concretiza pela distribuição de resultados. À guisa de analogia, a tributação dos lucros guarda semelhança com a retenção na fonte no imposto de renda das pessoas físicas, cuja carga tributária final requer somar ao devido na declaração de ajuste.
Essa integração encerra três possibilidades: tributação exclusivamente nos lucros ou na distribuição dos dividendos, ou, simultaneamente, nos lucros e dividendos. A opção por um desses modelos deve apoiar-se em critérios estritamente técnicos, como simplicidade, mitigação de litígios, prevenção da evasão e do planejamento tributário abusivo, estímulo aos investimentos, neutralidade, eficiência arrecadatória.
Por mais de 70 anos, o Brasil adotou o modelo de tributação dos lucros e dividendos, sob distintas formas. Os resultados não foram bons: insegurança jurídica decorrente de uma profusão de litígios e baixa eficiência arrecadatória.
Os litígios se associavam principalmente à distribuição disfarçada de lucros (DDL), que se inscreve na zona cinzenta da interpretação temerariamente subjetiva. Seu enfrentamento demandava grande esforço de fiscalização e, em consequência, a constituição de litígios de intrincada resolução.
Desde 1996, o Brasil optou por tributar apenas os lucros, com base em ampla reforma tributária. Alguns resultados: desapareceram a DDL e os litígios, o que otimizou os trabalhos de fiscalização e robusteceu a segurança jurídica dos contribuintes; tomando por base 1995, a arrecadação do IRPJ, ainda que não apenas em razão daquela opção, cresceu, em termos reais, em todos os anos subsequentes, muitas vezes com percentuais superiores a 100%, ao passo que a participação desse imposto no PIB aumentou em praticamente todos os anos, chegando a exibir impressionante crescimento de 95%. Esse modelo, de mais a mais, foi bem recebido pelos contribuintes, pelo que representou de segurança jurídica e simplicidade. Não há um registro sequer de queixa de contribuintes, quanto a esse aspecto específico do IRPJ. Ao contrário, há muitos elogios.
Argumenta-se que tributar os dividendos estimularia o reinvestimento nas empresas. A não incidência na distribuição de dividendos, entretanto, não impede que eles sejam reinvestidos. Afora isso, eles podem ser investidos em outras empresas, aplicados no mercado financeiro ou mesmo destinados a consumo. Tudo isso na estrita observância do princípio constitucional da liberdade econômica. De resto, reinvestimento na opção menos rentável, motivado por razões estritamente tributárias, constitui uma distorção alocativa.
Uma previsão legal de tributação na distribuição de dividendos provocaria uma corrida na distribuição de dividendos represados, ainda que para tal se recorresse ao endividamento. Os que não puderem esgotar a distribuição desses dividendos, inevitavelmente irão demandar na Justiça com elevada chance de sucesso. Em consequência, haveria uma indesejada descapitalização das empresas, um desnecessário aumento do contencioso, inclusive pelo ressurgimento da DDL, e, em delicado contexto fiscal, uma expressiva perda de arrecadação, caso seja acompanhado por redução na alíquota nominal do IRPJ, para todos os entes federativos, em desfavor especialmente dos governos a serem eleitos neste ano.
Tributar dividendos é uma iniciativa tão ruim para o fisco, quanto para o contribuinte. Enfim, a quem interessa essa má ideia?
Everardo Maciel (consultor tributário, foi Secretário da Receita Federal de 1995-2002)
Jorge Rachid (consultor tributário, foi Secretário da Receita Federal do Brasil de 2003-2008 e de 2015-2018)
Marcos Cintra (professor titular de Economia da FGV/SP, foi Secretário da Receita Federal em 2019)