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Trabalhadores: ligação entre a Zona Franca de Manaus e a periferia

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04/09/2020

Fonte: EM TEMPO

Waldick Júnior

"Meu sonho é concluir minha casa. Estou desde 2010 tentando terminá-la e não consigo", conta Claudemir Gomes dos Santos, 43 anos, auxiliar de produção, no Polo Industrial de Manaus (PIM). Enquanto caminha pela sala da casa - um cômodo sem forro, com massa de cimento na parede e um monte de areia no chão - lamenta a falta de dinheiro para concluir a residência de seis cômodos (dois incompletos), onde vivem cinco pessoas da família.

Morador do bairro Colônia Terra Nova, Zona Norte, ele, a esposa e as filhas trabalham em uma empresa do setor eletroeletrônico da Zona Franca. A família é o claro exemplo de migração para Manaus, quando populações da Amazônia (e até de estados mais distantes) se mudam para a capital do Amazonas em busca de melhores condições de vida.

"Eu nasci em um vilarejo chamado Trairi, no Ceará. O lugar hoje é um município. Meu pai queria uma vida melhor para nós. Lá no sertão era muito sofrido, então viemos pra Manaus, a convite de um primo. Eu e meus irmãos ainda éramos crianças quando chegamos. Isso era nos anos 80, quando o Polo Industrial estava no auge dos empregos, muita gente vindo de outros Estados e papai logo conseguiu trabalho", lembra o auxiliar de produção.

Assim como o pai, Claudemir vive do trabalho no Distrito, desde o início dos anos 2000. Conta que a rotina é puxada. Depois de passar por muitas empresas, há mais de um ano, é funcionário de uma fábrica de eletroeletrônicos.

"Tenho certa dificuldade em questão de rota [de transporte da empresa]. Pego o ônibus às 13h40 e chego somente por volta das 15h10, no trabalho. Na volta, saio 1h40 da madrugada e chego em casa 2h40, quando não há trânsito", afirma o trabalhador.

Benefícios

Embora haja dificuldades, Claudemir destaca que a empresa em que trabalha fornece plano de saúde, recompensas por produção, cestas de alimento, mas o importante, segundo ele é que não age na informalidade, pois, cumpre as leis trabalhistas e assina a carteira de trabalho.

A situação de baixa renda em que vivem os trabalhadores do Polo Industrial de Manaus não é ideal, mas isso não impede que as pessoas que estão empregadas temam pelo fim das fábricas que atuam na região. Para muitos deles, PIM é a saída para o sustento da família e a chance de ter alguns benefícios, como o plano de saúde. Em especial porque, quando se mora em área de periferia, o acesso à saúde pode ser ainda mais difícil por conta das distâncias e precariedades.

Insegurança

Sentado em uma cadeira de balanço, o auxiliar de produção respira fundo ao ser questionado sobre um possível fim do modelo Zona Franca. Por ter crescido nesse ambiente e ter visto a família toda conectada ao Polo Industrial, Claudemir demonstra desconforto com a ideia.

"Realmente dá medo, sim. Uma boa parte do Distrito já está sucateado. Se você andar por lá, vai ver muitas empresas fechadas ou até extintas [...]. Se não houvesse a Zona Franca, talvez nem estivesse aqui. Eu teria ido pro interior, até pra roça", desabafa o trabalhador.

Média salarial de trabalhadores não chega a dois salários mínimos

São escassos os dados sobre quantos trabalhadores do Polo Industrial de Manaus estão nas classes mais pobres. No entanto, a visualização do cenário pode ser introduzida com duas informações: a quantidade de trabalhadores e a média salarial no Polo Industrial de Manaus.

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apontam que, em média, a Zona Franca gera cerca de 500 mil empregos, entre diretos e indiretos. Atualmente, há cerca de 70 mil trabalhadores diretos.

Embora variem nas funções e salários, é possível ter uma noção do quanto esses empregados recebem também com base em dados do próprio IBGE. A sigla calcula, a cada três meses, a média salarial de trabalhadores de diversos setores econômicos.

Segundo o Instituto, durante o primeiro trimestre de 2020, a média salarial nominal na indústria geral no Amazonas era de R$ 1.926 reais. Já na indústria de transformação, o trabalhador médio recebia um pouco menos, R$ 1.682.

Pobreza entre trabalhadores

A realidade acima é vista de perto por Francisco Brito, presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Material Plástico do Amazonas (Sindplast-AM).

"Hoje, colocando uma porcentagem por baixo, é possível dizer que pelo menos 50% dos trabalhadores do Polo Industrial vivem na periferia", conta Brito.

De acordo com ele, as pessoas vêm até Manaus do Interior do Amazonas ou de outros Estados e não têm onde morar, por isso encontram espaço em bairros mais afastados ou em ocupações irregulares.

"Muitos desses trabalhadores moram numa situação complicada, geralmente em barracos, muitas das vezes em invasões [...] moram do outro lado da barreira [policial que marca a 'entrada' de Manaus pela BR-174]. Já tivemos casos de trabalhadores que moram até depois da ponte Manaus-Iranduba, ou em bairros distantes, como o Nova Vitória", afirma o presidente do Sindplast.

Na periferia, endereço de casa vira currículo

Francisco conta, ainda, que morar em áreas periféricas pode afetar, também, a vaga em um emprego. Isso acontece porque boa parte das fábricas do Polo Industrial, disponibilizam as chamadas 'rotas', ônibus que buscam e deixam trabalhadores.

"Esses empregados que falamos e moram em periferia contam que, quando estão desempregados, chegam até mesmo a mentir sobre o endereço onde moram para garantir o emprego. Muitas vezes a rota da fábrica não passa no bairro onde eles fixaram residência. Para as empresas, é melhor contratar alguém que não more tão longe, para não aumentar gastos com transporte", conta Brito.

Zona franca, migração e periferias

A ligação entre o Polo Industrial e as zona periféricas pode parecer nova, mas não é de agora. Estudos históricos apontam para a influência da industrialização de Manaus no surgimento e expansão de 'bairros-favela'.

O termo acima é mencionado pela socióloga Izabel Valle, que, dentre vários temas, estuda a sociologia do trabalho, e do desenvolvimento urbano. Ela lembra do grande fluxo migratório que ocorreu do interior do Amazonas para a Capital nos anos 80.

"Muitos foram os bairros que surgiram na periferia de Manaus. Alvorada, Compensa, São José, Coroado, e Cidade Nova foram os núcleos urbanos que passaram a abrigar os trabalhadores da ZFM. O infográfico abaixo dá uma dimensão do fenômeno", comenta a especialista.

A professora aproveita para fazer uma relação histórica com o período da borracha e critica a falta de assistência por parte dos governos que passaram.

"Se, no início do século XX, em virtude da borracha, os habitantes da cidade dispunham de uma estrutura urbana moderna (eletricidade, sistema de tratamento de água, ruas pavimentadas, transporte público, serviços médicos e educacionais), com a chegada da ZFM, o que Manaus haverá de assistir é a proliferação de bairros favelas", afirma a socióloga, e cita o surgimento de problemas na segurança e serviços básicos.

Outros benefícios da ZFM

O economista e vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado do Amazonas (Fieam), Nelson Azevedo, destaca a assistência que a ZFM dá aos trabalhadores.

"São famílias dos colaboradores que recebem planos de saúde, cestas básicas, auxílio creche, lazer, entre outros benefícios. Se não houvesse a Zona Franca de Manaus, as pessoas estariam se utilizando da floresta para o seu sustento", afirma ele.

O representante da indústria destaca ainda a importância da Zona Franca para os cofres públicos.

"[...] As indústrias mantêm, integralmente, a Universidade do Estado do Amazonas (UEA), direcionam R$ 900 milhões para fomento ao turismo e a interiorização do desenvolvimento, e R$ 250 milhões para fomentar as micro e pequenas empresas. E, para o governo federal, são repassados R$ 500 milhões para pesquisa, desenvolvimento e inovação", comenta Azevedo.

Conheça o Projeto Amazônia

O "Projeto Amazônia", da Rede EM TEMPO de Comunicação, com sede em Manaus, Amazonas, Região Norte do Brasil, tem a finalidade de dar visibilidade as populações da região, como ribeirinhos, povos indígenas, moradores da periferia das grande cidades, bem como destacar a riqueza da biodiversidade da Floresta Amazônica e a defesa de seu ecossistema. Não é possível falar de Amazônia sem falar sobre as características peculiares dos povos que a habitam, na convivência com essa natureza selvagem e, ao mesmo tempo, fantástica. Ciente da importância da Amazônia para o planeta, a empresa de comunicação, em parceria com a Google, tem a satisfação de apresentar ao mundo uma série de conteúdos multimídia sobre esse espaço da América do Sul e esse continente de superlativos. Conheça mais aqui.

Publicado em: https://d.emtempo.com.br/amazonas/217869/trabalhadores-ligacao-entre-a-zona-franca-de-manaus-e-a-periferia

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