24/03/2020
*Farid Mendonça Júnior
Acordar ao som de um despertador, tomar um banho bem rápido, engolir o café, deixar os filhos na escola, chegar ao trabalho (de carro, metrô, ônibus ou uber), bater o ponto, começar a trabalhar (concentração, bater metas, organização), parada pro almoço, mais trabalho, hora de enfrentar o engarrafamento de volta pra casa, malhar se tiver tempo, jantar com a família, colocar os filhos pra dormir, dormir o pouco tempo que sobra para recomeçar o rali no dia seguinte.
Sábados e domingos ficamos um pouco de tempo a mais com a família e dedicamos horas no shopping consumindo muitas coisas das quais não precisamos. Alimentamos um consumismo exagerado.
E assim o estilo de vida de grande parte da humanidade se definiu, principalmente no pós 2 Guerra mundial.
Criamos muita desigualdade, muito desemprego, muita injustiça, muita violência, muitas doenças (inclusive o estresse e a depressão). Perdemos grande parte das nossas raízes, com a nossa família, com a nossa cidade, nossos ancestrais e nossa história.
Acabamos com nossos recursos naturais, com nossos mares e rios, com nossa floresta, com o ar que respiramos. Acabamos com o meio ambiente.
Pedimos um tempo de Deus, como se fosse um relacionamento. Afinal, para muitos o esforço por meio do trabalho era o caminho para saciar todas as supostas necessidades, as materiais.
Deixamos de ser carne e osso, sólidos. Viramos água, ficamos líquidos. Nada é para durar!
Este frenesi, este rali, esta corrida de loucos talvez foi o que levou Zygmont Bauman a definir a vida humana, talvez até 31 de dezembro de 2019, de tempos líquidos.
A partir daí, como uma avalanche, surge um ameaça global, invisível, devastadora e imprevisível.
Parece até que aquele modelo de vida que levávamos ficou longe, perdido, feito um conto, uma lenda.
O Coronavírus arrastou o mundo em 67 dias e promete devastar muito mais o Ocidente.
Vai passar. Sim, vai passar. Como tudo passa. Império Romano passou, idade média passou, revoluções passaram, guilhotina passou, gripe espanhola passou, crise de 1929 passou, 1 e 2 Guerras mundiais passaram, crise de 2008 também passou.
Mas enquanto não passa, sejamos resilientes. Nosso objetivo é sobreviver. Mas, enquanto estivermos em nossos feudos, em quarentena, como se estivéssemos na idade média, ou em nossas cavernas ao estilo de Platão, como na Antiguidade, com medo de sairmos pra ver o que tem lá fora, vamos refletir, vamos interagir com nossa família, nos reconectar, pensar em nossas vidas e no modelo que queremos daqui pra frente.
Depois que tudo isso passar, vamos continuar consumindo o que não precisamos? Vamos continuar nos discriminando? Vamos continuar dando importância para o que não é importante? Vamos continuar discutindo quem é melhor: esquerda, centro ou direita? Vamos continuar deixando milhões de pessoas morrerem passando fome, frio e abandonadas nas ruas?
Tempos difíceis virão. Remédios como reflexão, paciência e amor deverão mais do que nunca serem utilizados.
Espero que possamos realmente mudar. Do contrário, os tempos líquidos não passaram, mas apenas tiraram férias, até a próxima catástrofe.
Sejamos mais do que nunca humanos!
(*) Farid Mendonça Júnior
Advogado, economista e administrador