20/09/2013
Nos quatro meses após a desvalorização de cerca de 15% do real a partir de março de 2012, quando o dólar ainda estava em R$ 1,79 na média mensal, o subgrupo materiais e componentes para manufatura, excluindo-se itens alimentares - cujos preços são mais influenciados pelas commodities agrícolas do que pelo câmbio - acumulou alta de 4,71% dentro do Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA), que compõe o IGP-DI. Este ano, com depreciação de intensidade semelhante desde abril, esses itens subiram 2,63% nos quatro meses encerrados em agosto.
O coordenador dos Índices Gerais de Preços (IGPs), Salomão Quadros, nota que, nos dois períodos analisados, não houve movimentação dos preços industriais no mercado externo. Nos materiais e componentes para manufatura estão contidos insumos industriais com elevada sensibilidade ao câmbio, como celulose, químicos, petroquímicos, fertilizantes, componentes para material de limpeza, siderurgia, borracha, plásticos e resinas, entre outros.
Na segunda prévia do IGP-M, a alta dos preços desse subgrupo passou de 1,13% para 2,47% entre agosto e setembro, aceleração que, para o economista da FGV, foi provocada por novos repasses cambiais. "O repasse está acontecendo, mas de forma um pouco mais defasada e, talvez, em intensidade menor", diz Quadros. Em sua opinião, a explicação para o baixo grau de transmissão está nas sondagens industriais da entidade, que apontam acúmulo de estoques indesejados pelo setor.
Na pesquisa de agosto, 9,4% das empresas consultadas relataram possuir mercadorias paradas em excesso, maior percentual desde dezembro de 2011, quando essa fatia era de 10,2%. "Se o empresário está estocado, não é hora de fazer reajustes", afirma o coordenador dos IGPs, para quem o repasse cambial mais vagaroso no meio da cadeia sinaliza um impacto ainda menor na ponta final e, consequentemente, ao consumidor.
Como exemplo, Quadros diz que, nos 12 meses encerrados em agosto, os bens finais, excluindo-se alimentos in natura e combustíveis, subiram 4,06% no atacado, também segundo o IGP-DI, taxa quase idêntica à alta de 4,05% acumulada até abril, mês que antecedeu o início da disparada do dólar. Nos índices ao varejo, o efeito do câmbio parece não ter se disseminado além de alimentos derivados do trigo, como o pão francês e a farinha de trigo. "A preocupação do repasse é como isso vai chegar aos IPCs, mas não vejo nada muito fora dos itens alimentícios", afirma.
Para Paulo Picchetti, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor-Semanal (IPC-S), também calculado pela FGV, as preocupações no segundo semestre serão muito mais em relação ao ritmo de atividade do que a um possível descontrole de preços. Até o fechamento de agosto, quando o indicador aumentou 0,20%, Picchetti viu poucos reflexos do câmbio ao consumidor e, segundo ele, não houve mudança relevante de tendência nas prévias de setembro.
Os economistas do Ibre argumentam que o repasse mais vagaroso que o esperado do dólar pode fazer com que o mercado superestime a inflação a ser observada neste mês, que, segundo a mediana de estimativas para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), coletada pelo boletim Focus, do Banco Central, ficará em 0,45%. O economista-chefe do banco ABC Brasil, Luis Otávio Leal, começou o mês com projeção de 0,40% para a alta do IPCA no período, mas, hoje, afirma que sua previsão de 0,30% já tem viés de baixa.
Além dos alimentos, que não voltaram a subir na intensidade esperada, principalmente devido à parte in natura, Leal acrescenta que itens que poderiam sofrer impacto mais pronunciado do câmbio, como materiais e equipamentos eletroeletrônicos, surpreenderam para baixo em agosto. O economista observa que é difícil detectar reflexos do dólar nas coletas de preços no varejo, mas os dados já conhecidos corroboram a intuição de que o repasse parece menor e mais lento este ano. Para cada 10% de depreciação cambial, o ABC trabalha com "pass through" de 0,4 a 0,8 ponto percentual ao IPCA num horizonte de 12 meses.
A intensidade desse repasse, de acordo com Leal, "está mais para 0,4 ponto " neste ano e depende de uma série de fatores, mas, dentro da variável "nível de atividade", o que mais importa é o ritmo do consumo das famílias, que perdeu ímpeto em 2013. Em 2012, mesmo com o baixo crescimento econômico, a demanda das famílias subiu 3,1%.
Caso não haja um reajuste da gasolina, Leal se diz confortável com a projeção de 5,8% para o IPCA este ano. Para ele, é "bastante provável" que o BC consiga cumprir o objetivo de entregar em 2013 uma inflação menor que os 5,84% registrados em 2012, e, para isso, pode contar com ajuda extra do dólar na reta final. Sem desvalorizações adicionais, crescem as chances de que não haja mais repasses além dos já feitos, afirma o economista.
Para Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, é preciso "ter um certo cuidado" com comparações de curto prazo, mas é certo que os efeitos do câmbio na inflação são cumulativos e permanecerão no próximo ano. "Num primeiro momento, há a perspectiva de que a alta foi única, pequena e temporária. Agora, houve outra elevação de 15% que se acumula à alta do ano passado e fica a impressão de que haverá pode haver novos aumentos no câmbio ao longo de 2014", disse. Para 2013, a MB estima aceleração de 6,2% do IPCA, número que incorpora aumento da gasolina nas refinarias e impacto de cerca de 0,4 do câmbio.
Fonte: Valor Econômico