
15/05/2025
“Por duas décadas, o professor da UFAM Augusto Rocha acompanhou, quase em silêncio, os bastidores da construção do Plano Nacional de Logística (PNL 2050). Agora, com o documento finalizado e à mesa, ele rompe o silêncio. Em entrevista exclusiva, Augusto revela os mecanismos técnicos e ideológicos que perpetuam a exclusão da Amazônia — e do Brasil profundo — das prioridades nacionais. Ao nomear esse fenômeno de “tecnocracia da desigualdade”, ele oferece uma crítica contundente e um chamado à revisão estrutural: a lógica de planejamento reativo precisa ser substituída por uma lógica propositiva, que transforme infraestrutura em justiça territorial. A entrevista é dividida em duas partes e deveria ser leitura obrigatória para todos que ousam falar em desenvolvimento nacional.”
Quais eixos estruturantes deveriam estar no centro de um PNL verdadeiramente nacional?
Augusto Rocha – Um plano verdadeiramente nacional deveria se apoiar em quatro grandes eixos:
Integração territorial com equidade – conectar o Brasil profundo às regiões mais dinâmicas, rompendo o isolamento de vastas áreas do Norte, Nordeste e Centro-Oeste com redes intermodais inteligentes.
Infraestrutura ecológica e adaptada ao território – abandonar o modelo rodoviarista predador, priorizando hidrovias sustentáveis, ferrovias verdes e sistemas logísticos adaptados à diversidade ecológica e cultural do país.
Desenvolvimento regional endógeno – usar a infraestrutura como gatilho para ativar vocações econômicas locais, especialmente aquelas alinhadas à sociobiodiversidade e à industrialização leve e limpa.
Transporte como instrumento de cidadania – integrar a logística de cargas à mobilidade de pessoas, ampliando o acesso a serviços, mercados e oportunidades.
O que significa, na prática, adotar a filosofia do “Transporte Orientado ao Desenvolvimento”?
AR – Originalmente, é um método para o planejamento urbano que integra uso do solo e transporte público, promovendo bairros densos, mistos e caminháveis ao redor de estações de transporte coletivo. Isso reduz a dependência do automóvel e estimula o desenvolvimento sustentável e inclusivo. Como o PNL usou o “Método de Quatro Etapas”, propus um diálogo metodológico com a equipe de Engenharia, para mostrar o contraponto: o “Transporte Orientado ao Desenvolvimento” é uma forma de romper com o planejamento centrado apenas na demanda atual.
Qual seria o papel da infraestrutura de transporte numa economia que respeita o território?
AR – Numa lógica de desenvolvimento sustentável e inclusivo, a infraestrutura não pode ser neutra nem cega ao território. Ela deve ser uma ferramenta de coesão nacional, reequilibrando desigualdades históricas e promovendo o direito à integração.
O transporte deve ser planejado para induzir crescimento em regiões invisibilizadas, respeitando seus limites ambientais e valorizando suas potencialidades. Em suma: não basta transportar mercadorias — é preciso transportar justiça territorial.
Por que você defende a alocação mínima de 2,5% do PIB nas regiões menos desenvolvidas?
AR – Por vários motivos: é um número compatível com o que já foi feito no Brasil, durante grandes ciclos de investimento em infraestrutura. É também um patamar usual em países desenvolvidos — e realizável. Não podemos sonhar com os 9% ou 13% da Índia ou da China, mas os 2,5% cabem num orçamento desenvolvimentista, menos comprometido com o rentismo e mais voltado à produção e à redução das desigualdades regionais.
Há vontade política para mudar essa lógica histórica de concentração?
AR – Nunca houve, mas não podemos perder a esperança. O fato de haver hoje espaço para o diálogo já é um avanço. A lógica histórica precisa ser criada. Se encararmos a história como um “carro alegre”, todos precisamos atuar e convencer as instituições. O bom de um Plano de Estado é que há espaço para a sociedade, como aconteceu neste caso. Aliás, esse mesmo registro — inclusive dos 2,5% — já havia sido feito por mim no CNDI. De plano em plano, talvez ainda possamos ver a Amazônia se tornar um território sustentável, desenvolvido, inclusivo e integrado ao Brasil. Mas é um caminho longo e cheio de obras complexas.
Como foi sua experiência pessoal na audiência pública? O que te deu esperança – e o que te frustrou?
AR – A esperança veio das pessoas e da postura de uma parcela dos organizadores do Ministério dos Transportes. A frustração foi ver membros da equipe indo embora antes do fim do diálogo e a falta de respeito com a agenda estabelecida.
A Amazônia precisa de quais tipos de infraestrutura? E o que ela não precisa de jeito nenhum?
AR – Precisamos de tudo: obras, respeito ao povo, ao sistema econômico e ao meio ambiente — tudo ao mesmo tempo e na mesma medida. O que não precisamos, de forma alguma, são os erros do passado: ignorar a floresta, devastar tudo sem o mínimo respeito ambiental e social.
Se pudesse reescrever o PNL 2050 em uma página, que princípios e prioridades estariam lá?
AR – Uma página não seria suficiente. Mas com certeza estariam lá a BR-319, a preservação das reservas ambientais, estudos sobre como transformar o Rio Amazonas em hidrovia e vários projetos reais para terminais portuários no interior da Amazônia.
Coluna Follow Up é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras no Jornal do Comércio do Amazonas, sob a responsabilidade do CIEAM e coordenação editorial de Alfredo Lopes editor do portal https://brasilamazoniaagora.com.br/ e consultor da entidade.