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‘O governo quer matar a Zona Franca por asfixia’, diz professor Neuler de Almeida

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17/06/2019

Entrevista publicada pelo Jornal Acrítica

Suelen Gonçalves

O governo federal anunciou nesta semana o Plano Dubai, que é um projeto com intenção de desenvolver a região amazônica. A iniciativa, no entanto, foi duramente criticada por economistas e pelos políticos do Amazonas em nível estadual e federal.

Abaixo, você confere uma entrevista com o economista e professor da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), Neuler de Almeida, sobre o Plano Dubai, a Zona Franca de Manaus (ZFM) e as dificuldades que o Estado precisa ultrapassar para ter matrizes econômicas alternativas e complementares e se desenvolver.

Como o Nepe atua? Tem pesquisas focadas no PIM?

O Núcleo foi criado em 2016 e atua concomitantemente com o Observatório do PIM. O Nepe tende mais para o desenvolvimento regional, leva em consideração questões ao crescimento e desenvolvimento econômico regional urbano. O Observatório lançava um boletim trimestral e o Nepe lançava outros dois boletins, que era um sobre os combustíveis e outro sobre a conjuntura e rural e ambiental. Como eram projeto de extensão, tinham duração de um ano e hoje não existem mais.

Nas pesquisas voltadas para a ZFM foi verificado que esse modelo ainda é viável?

A Fundação Getúlio Vargas fez um estudo e constatou o mesmo que nós em outros trabalhos, que foi, por exemplo, que o empresário amazonense é muito mais propenso a acreditar na atual conjuntura econômica do que o empresário industrial a nível Brasil. O modelo é viável, robusto, que já está há mais de 50 anos, mas chegou a uma limitação e precisa se readequar e se transformar para a nova realidade do mundo globalizado. Acho que a ideia tem que ser de um polo de desenvolvimento.

Como seria esse polo de desenvolvimento?

O Amazonas é um estado riquíssimo em termos de flora, fauna, temos o maior rio de água doce do mundo, uma reserva mineral muito boa e a uma vantagem fantástica e porque temos água potável, clima e solo que, se bem utilizados, podem ser uma oportunidade futura para nós. O problema é que nos mais de 300 anos de nossa história não aproveitamos os dois grandes momentos econômicos e não focamos no que era de grande importância pro nosso desenvolvimento, que é infraestrutura, educação, ciência e tecnologia. Nos últimos 20 anos investimos em educação superior, só que essa mão de obra é subutilizada. É preciso desenvolver as matrizes concomitantes ao modelo que já existe e investir nessas áreas fundamentais.

O Governo Federal anunciou o Plano Dubai para desenvolvimento da região. O plano é uma boa alternativa?

Grande parte do empresariado local e dos economistas do Estado, principalmente da Associação Brasileira dos Economistas pela Democracia (Abed), da qual eu faço parte, tem conversado a respeito desse plano e identificamos algumas falhas terríveis. Primeiro: ninguém teve acesso ao plano, porque, na verdade, o plano existe só na cabeça dos tecnocratas lá de Brasília. Segundo: ele está sendo imposto de cima para baixo. Não houve uma discussão aqui no nosso Estado. Você não viu aqui nenhum movimento de debate ou discussão para aprimorar o plano que querem colocar aqui. A gente vê um total desconhecimento da nossa região, que é totalmente diferente do resto do Brasil. Nós temos dificuldades lógicas, nossos rios são nossas estradas, temos a questão climática, uma série de diferenças. Outro problema é que o secretário Carlos Costa deu uma entrevista colocando esse projeto como salvação do nosso desenvolvimento, o que não é verdade porque R$ 25 bilhões para 54 anos não é nada, sem contar que o projeto é para toda a região e são nove estados, cada um com suas particularidades e eles desconhecem isso.

Do jeito que Plano foi apresentado pode ser considerado inviável?

O projeto tem suas falhas, não vi metodologia, não vi objetivo, ele não tem meta, não tem cronograma de execução, e acho que o problema mais sério é que ele não é embasado em Projeto de Lei, como o modelo Zona Franca, que é assegurado pela Constituição Federal e que dá uma garantia ao empresário que vem atuar aqui que o modelo vai permanecer e ele vai ter suas garantias jurídicas. O Plano é bem vindo se ele trabalhar em conjunto com o modelo que já existe. Dubai sabia que em 50 anos não teria mais petróleo, então eles desenvolveram atividades, outras matrizes econômicas que pudessem rivalizar com a exploração do petróleo e, ao longo do tempo, essas matrizes se tornaram tão importante como o petróleo, que hoje representa 6% da participação no PIB de lá.

O senhor considera que há algum benefício do Plano Dubai para o Amazonas?

Ele fica muito no campo das ideias. Dizem que vai investir em piscicultura. Beleza, mas como será esse modelo? Como será esse planejamento? Qual é o cronograma? É embasado em lei? Quais são os critérios? Vai ter edital? Quanto é o recurso? Quanto vai ser de iniciativa privada e do governo? Não tem essas informações. Em julho os técnicos vêm aqui para tentar persuadir, de certo modo, os empresários para aceitar essa proposta, mas acho muito difícil. Eu acredito que esse Plano é uma forma do governo federal tapar nossa boca depois do problema com o ministro Paulo Guedes e a classe empresarial do Estado. O que nós temos visto desde o início do ano é governo federal tentando matar a ZFM por asfixia.

Comparando Amazonas e Dubai, que outras matrizes são viáveis frente às nossas peculiaridades?

Acho que o caminho para o nosso desenvolvimento é a bioctenologia. Outra matriz é o polo naval, que é uma ideia fantástica, mas devido a uns imbróglios jurídicos não avançou, mas se a gente avança nessa área, nos especializarmos na construção de barcos, temos muito valor agregado, com uma cadeia produtiva grande que ia gerar muito mais emprego e renda para a capital e para o interior. O grande problema no nosso modelo atual é a polarização e tudo converge para a capital. Manaus é uma cidade-estado, tudo depende de Manaus, o interior precisa da capital e a capital precisa do interior, mas o interior não tem o estímulo por si só. Então, se a gente desenvolve uma matriz que desenvolva o interior em cidades-satélite, talvez fosse uma alternativa bem melhor. No caso da biotecnologia, temos capital humano para isso, nossas universidades formaram muitos agrônomos, engenheiros florestais, químicos e farmacêuticos. Temos tudo para alavancar, o que falta é o incentivo e uma política de desenvolvimento. Ou a gente dá um salto para o futuro, ou a gente dá um salto para o escuro.

O que os governos podem começar a fazer?

Primeira coisa é alinhar o planejamento, ter um macro planejamento do desenvolvimento. Melhorar nossos portos, nossas estradas, uma via férrea pelo menos ligando Manaus e Porto Velho, que seria fantástico porque nos ligaria ao resto do Brasil. Melhorar a política de incentivos, para que ela não ficasse restrita a capital, e permitir ao pequeno empresário que está lá no interior ter competitividade em relação ao empresário da capital e deixar de ser tão dependente. Comparar o capital intelectual com uma interação forte entre governo, universidades e iniciativa privada. Nesses 50 anos temos 400 empresas e você conta nos dedos quantos são amazonenses e nossa balança comercial é deficitária, a gente mais importa que exporta.

Dessa forma nós caminharíamos para uma independência do governo?

Sim, nós somos muito dependentes dos investimentos do governo federal. Precisamos dotar o empresariado local de recursos e infraestrutura para que ele possa caminhar por ele mesmo. Quando a gente é muito dependente, fica nessa situação, com os parlamentares brigando para manter o modelo que temos agora. Eu não sou a favor do fim da Zona Franca, mas sim de uma reestruturação.

Perfil

Nome: Neuler de Almeida

Idade: 42 anos

Nome: Neuler André Soares de Almeida

Estudos: Economista pela UFAM, mestre em Economia pela PUC do Rio Grande do Sul e doutor em Biodiversidade e Biotecnologia pela Bionorte

experiência: Consultor econômico, professor universitário e coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas Econômicas (Nepe) da UEA.

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