27/07/2018
*Gina Moraes
Desde os anos de 1990, o Amazonas vive uma comédia
ridícula e desnecessária chamada recuperação da BR- 319, a
Rodovia Manaus-Porto Velho, que já ligou por quase duas
décadas o Amazonas ao resto do país. Ou seja, não se trata de
um novo projeto – com todo o calhamaço legal de proibição
de mexer na çoresta – mas apenas de recuperação viária, sem
risco de destruição dos estoques naturais. Muito pelo
contrário! Essa estrada geraria os recursos necessários para
sua manutenção e conservação socioambiental.
Trata-se, na verdade, de mais uma comédia federal
e, sobretudo, de mais uma prova da fragilidade de nossa
advocacia política, numericamente reduzida e historicamente
desunida. E o que é mais triste: a tragicomédia atesta os
prejuízos e o constrangimento que a falta de união entre os
diversos segmentos sociais têm causado a cada um de nós.
Todos nós sabemos as diversas razões para a paralisação da
obra e empurramos para debaixo do tapete os motivos reais
dessa hipocrisia institucionalizada.
Em dez anos, foram gastos, em estudos de viabilidade
econômica e ambiental, segundo o DNIT – órgão do
ministério dos Transportes encarregado do imbróglio – mais
de R$ 200 milhões, suæcientes para recuperar a rodovia.
Este órgão público já repetiu várias vezes que não há veto
ambiental consistente. O que leva à conclusão de que esta
comédia, com reçexos trágicos na competitividade logística
regional, tem sombrias motivações. Quem se locupleta com o
oportunismo em detrimento do interesse público?
Novela rodoviária
No portal da Rede Amazônica qualquer um pode acessar uma
série de reportagens sobre essa novela rodoviária –“BR 319, o
caminho da esperança” – realizado há pouco tempo,
mostrando o abandono da estrada, sua história de aventuras e
registro dos depoimentos de usuários do passado, as
promessas políticas de recuperação e uma denúncia grave.
Depoimentos e imagens revelam a ocorrência de bombardeios
criminosos – estranhamente jamais apurados por quem de
direito ou atribuição legal – para complicar sua recuperação.
Saber quem poderia ganhar com isso não nos compete, nem
interessa aqui especular. A todos importa supomos, entender
porque situações como esta se arrastam impunemente, com
danos de toda ordem, em todas as direções, para todas as
pessoas…sem que nada seja feito pelo conjunto da sociedade.
Sem estrada, e à mercê das taxas logístico-portuárias mais
caras do Brasil, incluindo o preço da cesta básica, com o feijão
e arroz de cada dia, quem é prejudicada é a população. A
indústria perde em competitividade, e as pessoas cerceadas
no direito constitucional de ir e vir, de conhecer a beleza da
própria terra, fazer um turismo doméstico ou investir em
negócios da agricultura familiar ou manejo da biodiversidade.
Pesquisadores do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da
Amazônia), há anos, apontam as oportunidades de
aproveitamento inteligente de milhares de espécies
amazônicas, com destaque para as palmeiras de buriti, patauá,
açaí, copaíba, andiroba, pau rosa, que a indústria da beleza
apreciaria transformar em ativo mercadológico.
Sono alienante
O Amazonas a tudo assiste, em sono alienante, sem qualquer
mobilização critica ou combate eficaz de seus representantes.
Parece ser oportuno æcar próximos ao poder central, mesmo
que isso não represente benefício ao tecido social, ao povo do
Amazonas. E temos, por isso, padecido muitas perdas.
Vejamos: fomos excluídos do Plano Nacional de Banda Larga,
apesar de ter a mais precária e onerosa comunicação digital;
fomos incluídos no Operador Nacional do Sistema para pagar
energia mais cara. Fomos impedidos de produzir placa de
energia solar, embora tenhamos mais de 30% do território
mantido por caríssimas e precárias termelétricas movidas a
diesel.
Não temos porto público, e assistimos à mobilização de muita
gente graúda, na política, na economia e na academia, para
impedir iniciativas locais de modernização portuária.
Inventaram levianamente que um porto seria capaz de
destruir o Encontro das Águas, tudo para defender interesses
inconfessos e escusos.
Somos, de forma espúria, excluídos de todos os bailes de
modernização. Isso porque somos um dos oito Estados que
mais recolhe do que recebe recursos da União. Ajudamos,
portanto, a carregar o Brasil nas costas. E pra quem podemos
nos queixar? A ninguém, posto que a solução está em nossas
mãos, na força esquecida de nossa união. Acorda, Amazonas,
podemos fazer acontecer dias melhores!
(*) Gina Moraes de Almeida é advogada, formada pela Universidade NiltonLins. Escreve para o ATUAL às sextasfeiras. ginamoraes@me.com