20/01/2023
SÃO PAULO, SP – O endividamento das famílias chegou a um patamar inédito no Brasil em 2022. Segundo levantamento da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) divulgado nesta quinta-feira (19), 77,9% dos consumidores fecharam o ano com alguma dívida a vencer. O valor representa um aumento de sete pontos percentuais em relação a 2021, quando a taxa foi de 70,9%.
O cenário atual é reflexo do aumento do endividamento das famílias durante a pandemia, que agora precisam carregar dívidas caras num período de inflação alta e taxa de juros elevada.
Os dados integram a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor, que consultou cerca de 18 mil pessoas em todas as capitais do Brasil e Distrito Federal.
O levantamento usa o mesmo conceito de dívida do Banco Central, que considera todos os valores a vencer contratados com instituições financeiras -cartão de crédito, cheque especial e carnê de loja, por exemplo. Os dados, portanto, não necessariamente significam que as contas estejam atrasadas.
A proporção de pessoas com contas a pagar no Brasil subiu 14,3 pontos em relação a 2019, antes da pandemia. A série histórica mostra como a crise sanitária mudou a tendência que vinha se desenhando no Brasil. Antes, o endividamento seguia tendência de queda, especialmente entre os mais pobres. Agora o cenário é oposto. Em relação a 2021, as dívidas cresceram com mais intensidade nas faixas de renda mais baixas.
O levantamento da CNC mostra que 78,9% das pessoas que recebem menos de dez salários mínimos têm contas a pagar. Na faixa superior, a taxa é de 74,3%. A pesquisa também detalhou o perfil do brasileiro endividado hoje. A maioria das pessoas são mulheres, com até 35 anos, ensino médio incompleto, renda de até dez salários mínimos e que moram nas regiões Sul e Sudeste do país.
Endividamento freia crescimento econômico
Outro problema revelado pela pesquisa é a quantidade de pessoas com nível muito elevado de contas a pagar. Nunca antes tantas pessoas (17,6%) disseram estar superendividadas, ou seja, com vencimentos que comprometem boa parte da renda.
Na média, a cada R$ 1.000 recebidos, o brasileiro gastou R$ 302 com o pagamento de dívidas. No entanto, um a cada cinco consumidores (21,5%) precisou usar mais da metade da renda para arcar com as obrigações financeiras.
Guilherme Mercês, diretor de economia e inovação da CNC, lembrou que o endividamento foi assunto recorrente durante a campanha eleitoral, dado a sua importância para o crescimento econômico. Ele destaca que a necessidade de carregar dívidas muito caras causa um aperto no orçamento familiar o que, por sua vez, impede o aumento do consumo, mitiga efeitos de programas de transferência de renda e prejudica a retomada do mercado de trabalho.
A consequência disso é um constrangimento no crescimento econômico do Brasil.
O diretor lembrou que o tema está no radar do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Recentemente, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou que pretende lançar um programa para tratar do assunto.
Em coletiva para divulgação dos dados da CNC, Mercês destacou que o superendividamento é um problema que atinge tipicamente as famílias de baixa renda, e aproveitou para vincular o tema com a atual discussão sobre contas públicas.
“Se o superendividamento é um problema para as famílias mais pobres -e esse superendividamento diz respeito ao custo do crédito e à inflação que aperta o orçamento–, um dos fatores primordiais para resolver esse problema é ter uma economia brasileira com juros mais civilizados, mais saudáveis. Juro alto é sinônimo de dívida cara”, afirmou.
A declaração toca em uma das discussões que vem ganhando centralidade nos primeiros dias de governo Lula.
Cobrado sobre os compromissos que terá com a responsabilidade fiscal, o presidente vem defendendo a importância da responsabilidade social. Economistas, porém, argumentam que os assuntos não são necessariamente antagônicos.
Por Thiago Bethônico da Folhapress