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“Nessa imobilidade nós não temos chance de sobreviver” – Entrevista da Semana – Osíris Silva

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02/07/2019

Entrevista publicada pelo Jornal Acrítica

Defensor da ideia do Plano Dubai, projeto anunciado pelo governo federal para diversificar as atividades econômicas no Amazonas e substituir a Zona Franca de Manaus (ZFM), o economista Osíris Silva explica o cenário adverso ao modelo ZFM e propõe cadeias produtivas bioeconômicas como escape à dependência dos incentivos fiscais vigentes.
Em seu livro “A economia do Amazonas: do ciclo da borracha à Zona Franca de Manaus”, com lançamento previsto para a terceira semana de agosto, ele detalha a tese que divide o modelo em três bases: exportação, bioeconomia e indústria 4.0.

Para A CRÍTICA, o economista diz que “não podemos viver de Bolsa Família e humores de governos. O maior inimigo da ZFM é a nossa incompetência de adequá-la corretamente”.


Por décadas tentam-se aberturas econômicas pela bioeconomia, porém sem resultados. Por quê?

O Estado descuidou. Numa análise que poucos fazem, Fernando Collor abriu a economia nos anos 1990 e matou o modelo ZFM, seguindo a tendência de globalizaçãao econômica.
No entanto, insistimos no mesmo modelo. Aí é o problema. A ZFM é um modelo de substituição de importações à época do governo militar, porque tudo o que consumíamos vinha de fora. O governo quis avançar e deu certo porque a industrialização chegou ao País.
Juscelino Kubitschek implementou a indústria de autopeças e derivados, mas a falta de atenção e decisão política trouxe a defasagem atual do modelo.

Agora, Coréia do Sul, Hong Kong, Cingapura, Malásia e outros estão vindo para agredir os mercados, como o que a China já faz hoje. Eles têm carga tributária baixíssima, investimentos pesados em Ciência e Tecnologia, e não estamos nesse padrão.
A grande preocupação é até quando vamos conseguir resistir a essa competição altamente desfavorável.


Então, o maior gargalo para a economia verde não ter decolado foi negligência?

Sim, com certeza. Tenho dito que o Amazonas se viciou em Zona Franca e esqueceu o resto. E para contraponto cito dois exemplos importantes: Pará e Rondônia.
Começaram a ser explorados nos anos 1960, na operação Amazônia, e isso complementou os grandes investimentos federais na infraestrutura da região, como a rodovia
Transamazônica. Havia uma política para o Norte do País, que foi descontinuada no período da redemocratização, mas alguns não descuidaram. Agora que o Sul do Amazonas está configurando-se uma fronteira agrícola e mineral no Brasil, com crescimento extraordinário, contudo sem infraestrutura.

Qual foi o erro dos incentivos fiscais no caminho da interiorização da economia no Amazonas?

O decreto-lei 288 estabelece logo no primeiro artigo que na criação da ZFM “deveria-se visar a criação de uma área de livre comércio de importação e exportação e de incentivos especiais com o fim de criar no interior um centro industrial, comercial e agropecuário, em face das grandes distâncias que se encontram os centros consumidores”.
O que ocorreu? Só o setor industrial foi implantado; esqueceram o setor primário, que é o que beneficia diretamente as populações interioranas. Pela atração do modelo que gerou esse fluxo migratório monstruoso para a capital em que milhares vivem sem condições urbanas adequadas. O interesse é fator fundamental. Com essa proposta (exposta em seu
livro), temos o desenvolvimento da biodiversidade em bases sustentáveis sem criar nada novo, apenas resgatando o que foi omitido.

A ZFM não acompanhou as inovações tecnológicas ao longo das décadas. Quais processos ficaram no meio do caminho?

E como adentrar à industria 4.0 nesse cenário? Para mudar o modelo atual, muitos argumentam que a biodiversidade exige muito investimento, mas se tivéssemos feito isso há 50 anos…
É o necessário. Hoje, não dá para comparar a economia do Pará com a nossa, sem o PIM.
O rebanho bovino deles figura entre o segundo e terceiro do País. Exportam gado para o Oriente Médio. É o que temos que fazer, mas vai levar 10, 15, 20 anos. Não se sabe.
É uma recriação da ZFM. Estamos diante da recriação em bases tecnológicas padrão 4.0.
Não adianta falar que precisamos fortalecer a indústria, tem que ser feito dentro de um pacote de investimentos. Temos que sugerir projetos ao governo federal, porque ele não o fará. Na prática se dá por uma adequação nas universidades e centros de pesquisa, que devem ser o carrochefe do processo. Aí governo, Suframa, classe empresarial, cada um com sua incubência própria dentro da perspectiva ZFM 2073.

Em paralelo, a possível privatização do BASA, as altas taxas do BNDES são obstáculos para a confiança dos investidores nesse momento de reforma do modelo?

O Brasil vem de governos desastrosos nos últimos 15 anos; quebraram o País, praticamente. O nosso modelo é inconfiável, o sistema bancário é leonino em relação à sociedade, mas dependente do banco internacional, não sobrevive sozinho. Mas, há quantos anos não se investe em infraestrutura? Quantos anos se fala na transposição do rio São Francisco? Ou trem-bala que nunca funcionou e é um ônus aos cofres públicos.
O governo se distancia das necessidades de infraestrutura pública, de saneamento, de educação. Nas universidades, restam poucos moicanos no processo, o resto tá sendo tudo privatizado. Não raciocinamos como a China, que diz que o ensino gratuito é relativo, apenas a quem precisa efetivamente. Para quem não precisa é pago. Mas vai falar isso no Brasil que é um Deus nos acuda. Não basta dizer que vamos atrair investimentos de empresas, fazer parcerias mundo a fora. Quais são as cadeias que efetivamente têm condições de virem para cá? Não temos nem indústria naval e de biofármacos.
Mesmo tendo pesquisas, não temos governança do sistema tecnológico.

Dessa forma, como lidar com as pesquisas congeladas no Inpa, o sucateamento do CBA?

E o governo sequer toca no assunto. Os pesquisadores diminuem porque estão se aposentando e não tem reposição para os substituírem. Essa visão fora da realidade é que causam os problemas. O governo não pode fugir dessa responsabilidade. Tem que articular com Suframa, universidades, centros de pesquisas e ver quais pontas soltas temos para serem arrumadas. Quais startups temos? O que se faz nesse rumo de ter parques tecnológicos no Amazonas? Essas novas plataformas estão crescendo cada vez mais.
Nessa Frase “Não basta dizer que vamos atrair investimentos de empresas, fazer parcerias mundo a fora” “Dependemos de apoio logístico para abertura de canais, de recursos em alta tecnologia” semana, o secretário de Planejamento, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado disse que uma consultoria internacional está vindo para corrigir justamente tudo isso, mas o Amazonas não depende de ninguém de fora para dizer quais são os rumos e os caminhos. Dependemos de apoio logístico para abertura de canais, de atrações de recursos de investimento em alta tecnologia, de fontes especializadas, não de consultoria.

Como impedir a morte da Zona Franca industrial como ocorreu com a Zona Franca comercial?

Não tem como. Hoje, vemos produtos da Coréia, Vietnã, Cingapura, e como vai impedir de entrar no mercado? Não pode mais. Vão entrar e desbancar os nossos fabricados aqui.
Como dar sustentação ao processo de ajuste sem participar da onda de parques tecnológicos que vai de Minas Gerais para baixo? Nessa imobilidade, não temos chance de sobrevivermos hoje para a reforma de amanhã. Não precisa derrubar a floresta para termos manejos florestais, mas não temos essa política sustentável. A China chama o cacau de “fruto dos deuses”. O açaí de lá é tipo suco de pozinho, nem tem gosto da fruta, mas o produto tá lá; derivado da fonte. Não é falsificado. É made in China (feito na China). Eles não são bobos. Falta atitude de promover arranjo de ideias e ter humildade de leva-las em consideração. Vai levar tempo, enquanto isso sofremos com o desemprego, contenção de renda e falta de negócios.

Perfil

NOME: Osíris Messias Araújo da Silva IDADE: 74 anos

ESTUDOS: Bacharel em Economia pela Ufam.
EXPERIÊNCIA: Foi responsável técnico em projetos de implantação da ZFM e servidor público.

É pioneiro na citricultura, autor de três livros sobre o Amazonas.
Também é membro de grupos de pesquisa do Inpa e da Academia de Letras/AM.

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