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Medidas econômicas contra surto do coronavírus: preservando emprego, empresas e renda

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27/03/2020

Fonte: Brasil Amazônia Agora

“O Brasil precisa promover mais essa distribuição da atividade econômica pelo território nacional. Vejam o caso de modelos como o da Zona Franca de Manaus, que tem sido sistematicamente criticados. Imagine se tivéssemos na região metropolitana de São Paulo todas as grandes empresas industriais no contexto do surto do coronavírus? A desconcentração da atividade econômica precisa ser ainda mais aprofundada para aliviar o peso das políticas públicas sobre os grandes centros urbanos.”

—— Por Márcio Holland——

O surto do coronavirus vem provocando uma profunda desorganização na cadeia de produção global, com interrupção abrupta de suprimentos de bens e serviços e com consequente queda na confiança das famílias e empresas. Trata-se de um choque de oferta e consequente choque de demanda.

Seus efeitos de curto prazo sobre a vida econômica têm sido devastadores. Seus efeitos de médio prazo ainda são imprevisíveis. Mas, o cenário de recessão mundial já é um dado. Resta saber se iremos encontrar pela frente um quadro típico de depressão econômica mundial.

Antes do surto do coronavirus as economias mundiais já apresentavam quadro de crescimento econômico beirando a medíocre. Desde a crise financeira internacional que o mundo não se reergueu com o dinamismo dos tempos do boom de commodities.

Curiosamente, os mercados de capitais pareciam alheios ao mundo real, da produção, dos investimentos, do emprego e do comércio mundial. Desde 2008, o Índice Dow Jones, que mede o comportamento do mercado acionário americano, cresceu quase três vezes. No Brasil, desde o início do Governo Temer, a agenda de reformas econômicas agitou o mercado financeiro e o Ibovespa praticamente dobrou em poucos anos.

Bastou um choque de oferta causado por um vírus no centro da produção industrial do mundo, a China, para azedar o humor dos mercados e colocar em risco milhares de empregos e de empresas.

As autoridades econômicas de diversos países têm reagido com pacotes de estímulos fiscais e políticas monetárias similares à reação sem precedente desde a Crise Internacional de 2008. Medidas anticíclicas típicas de leitura de que a depressão se avizinha tomam conta do noticiário dia a dia. O FED, Banco Central dos Estados Unidos, tem anunciado medidas extraordinárias e mostrado um arsenal de guerra não visto nem na Crise Financeira de 2008.

No Brasil, o tema ganhou forte repercussão com os primeiros casos de contaminação e de letalidades. Logo, as autoridades dos diversos entes federados começaram a tomar medidas diversas de isolamento social e de quarentenas.

Com muito atraso e timidez, o governo federal iniciou sua reação com anúncio de algumas medidas econômicas, pretendendo irrigar a economia com montante próximo a R$180 bilhões; o Banco Central do Brasil tomou decisão “inside the box” de reduzir a taxa Selic para 3,75% ao ano e de abrir programas de vendas de dólares.

Timidamente, e de modo descoordenado, a equipe econômica vem se destoando do cenário traçado pelo Ministério da Saúde. Mas, a realidade dos fatos vem batendo com martelo na porta do Ministério da Economia e no Banco Central. Nova rodada de medidas foram anunciadas. Da parte do Ministério da Economia, duas medidas marcaram sua reação, desta vez menos tímida, mesmo que um tanto atabalhoada. Anúncio bem recebido de ajuda aos estados e municípios veio junto com a fatídica MP 927 que permitia a suspensão de contratos de trabalho e de salários. O Banco Central anunciou a injeção de liquidez para os sistemas bancários, na esperança de que os bancos privados emprestem mais.

As medidas estão na direção correta; tudo indica que serão pouca eficazes, dada a gravidade que vem tomando a crise econômica e seus cenários para o curto e o médio prazos. É preciso fazer mais. É preciso mover todos os recursos financeiros disponíveis para evitarmos que a recessão prevista para 2020 contamine os anos seguintes. O que seria uma crise aguda de 03 a 06 meses pode ser uma grave depressão econômica.

Estudo realizado pelo Centro de Macroeconomia Aplicada (Cemap) da Escola de Economia de São Paulo, Fundação Getulio Vargas, apresenta cenários diversos para o crescimento econômico a partir deste choque.

Note que, de acordo com o estudo conduzido pelo professor Emerson Marçal, da FGV-EESP, a economia brasileira pode passar por uma profunda e grave recessão econômica, podendo contrair 4,4% este ano. A retomada do crescimento econômico poderá ser adianta para 2022, quando o país experimentaria crescimento positivo

Dado que esse choque negativo sobre a economia parece ser mais severo do que aquele provocado pela “greve dos caminhoneiros de meados de 2018”, de severidade tão ou mais forte quanto a Crise Financeira de 2008, é provável que o Brasil tenha recessão econômica neste ano e riscos de contaminar o desempenho econômico do ano seguinte.

Tudo vai depender da intensidade e de escala das medidas econômicas tomadas agora. Quanto mais tempo demorar e mais tímidas forem as medidas, mais sóbrio serão nossos próximos anos.

O custo fiscal de recuperar uma economia em depressão pode ser maior do que o custo de mitigar os efeitos atuais do surto do COVID-19. É tempo de agir. É preciso coragem para agir.

Medidas propostas

As propostas aqui apresentadas partem do pressuposto de que o período mais crítico do surto do coronavírus no Brasil tem duração de 3 (três) a 6 (seis) meses, entre março a agosto, e de que seus efeitos mais agudos sobre a economia seriam também de mesma duração. Isso porque confiamos que as autoridades brasileiras, nos seus entes federados, despertem para a gravidade da situação e tomem medidas extraordinárias para esses dias incomuns em nossas vidas pessoais e economicas.

Também estamos supondo que os efeitos sobre a economia, a produção, o emprego, a renda e os investimentos podem se prolongar para além do ano corrente e comprometer o desempenho dos anos seguintes. Afinal, não somos uma ilha isolada. O mundo vai sofrer um bom tempo com tudo isso; o Brasil ainda vai sofrer mais com o contágio da recessão mundial.

Por conta disso, recomendamos que Governo Federal anuncie imediatamente medias econômicas de larga escala.

Entendo a importância em preservar a solidez fiscal, bem como em zelar pela estabilidade monetária e solidez do sistema financeiro. Mas, novamente, estamos vivendo momentos extraordinários que requer decisões não usuais.

Esqueçam as metas fiscais; esqueçam as metas de inflação. Regras ótimas de política monetária não valem nestas circunstâncias. Aumento de 5% do PIB na dívida pública não devem mudar avaliações de solvência fiscal, nem rating soberano.

Quanto mais rapidamente contivermos os efeitos adversos do surto do coronavirus, mais rapidamente voltaremos à normalidade da vida social e econômica.

Assim, as medidas que propomos podem ser resumidas nos seguintes pilares:

1) Preservação da renda das famílias brasileiras, dos trabalhadores no mercado formal de trabalho e daqueles que vivem na informalidade. Nestes termos, propomos:

a. Ampliação imediata e retroativa a março do programa Bolsa-Família; extensão do benefício para todos os beneficiários inscritos no Cadastro Único, por 12 (doze) meses, prorrogável conforme a situação econômica. Assim, seriam adicionados ao programa mais 12 milhões de famílias. Atualmente, o benefício médio do Bolsa-Família é próximo a R$200,00 por mês. Estamos propondo que esse valor médio suba para R$400,00 por mês.
b. Programa de manutenção do emprego no setor formal, com a União suspendendo por 90 (noventa) dias o pagamento de todos os tributos federais, incluindo contribuições previdenciárias.
c. Voucher equivalente a 2 (dois) salários mínimos, pagos em três meses, para trabalhadores autônomos e na informalidade que, por motivos alheios a sua vontade, devido à política de isolamento social, temporariamente não estejam obtendo renda. Trata-se de benefícios para brasileiros que não estão inscritos no Cadastro Único.

  1. Caso as empresas tenham que dispensar seus trabalhadores, parcial ou integralmente, propõe-se um programa de diferimento de pagamento de tributos federais associada com pagamento automático de seguro desemprego a todos os trabalhadores dispensados, por pelo menos 6 (seis) meses.
  2. Caso a empresa tenha interesse em manter sua força de trabalho, mas reduzir a jornada de trabalho acompanhada de redução proporcional do salário, propõe-se o pagamento de 75% devido do que seria pago de seguro desemprego, desde que não ultrapasse o salário integral auferido, por 90 (noventa) dias.

2) Preservar as empresas, mantendo sua saúde financeira na travessia desta crise com injeção de recursos de capital de giro a juros próximo de zero. Os recursos podem vir de duas fontes. Primeira, da redução das exigibilidades bancárias de 17% para 10%, com recursos condicionados a formarem linhas de créditos para capital de giro. Recursos não utilizados por bancos privados devem obrigatoriamente migrarem para bancos públicos que obrigatoriamente devem colocar a disposição do mercado. Nesta linha de financiamento, recomenda-se suspensão do IOF. E, segundo, recursos advindos das fontes do BNDES e estruturados para serem operados pelo sistema financeiro nacional, em montante bem superior ao anunciado pelo BNDES, que foi de R$5,0 bilhões. Da mesma forma, à taxa de juros próxima de zero e sem IOF.

3) Nestas circunstâncias, a taxa de juros como instrumento de política monetária é altamente ineficaz como instrumento de política para atingir metas de inflação ou mesmo para subsidiar na política cambial. Quanto menor a taxa Selic, menores serão os encargos financeiros da dívida pública e menores, também, serão as taxas de juros para empréstimos bancários. Da mesma forma, com taxa Selic extraordinariamente baixa, evita-se que aqueles empréstimos via bancos públicos, especialmente para capital de giro, incorram em subsídios creditícios e financeiros. Por isso, e dadas as circunstâncias extraordinárias que estamos vivendo, seria altamente recomendável que o Copom reduzisse emergencialmente, e de modo tempestivo, a taxa Selic-meta para o mais próximo de 0% ao ano.

4) É bastante oportuno que se reforce, sem restrições orçamentárias, os gastos em Saúde com foco na mitigação do surto do coronavirus, combinado com compras governamentais de grande escala de equipamento médico-hospitares e de medicamentos.

Da mesma forma, é preciso rever a regra de teto de gastos. Faz-se mister a retirada de investimentos públicos do limite de teto de gastos, pelo menos por um tempo determinado, como 5 anos, para ajudar o país na fase de recuperação econômica. É preciso retomar os projetos de investimentos públicos, especialmente as chamadas obras paralisadas, para a suspenção mínima de emprego e renda, em regime especial de fast track, em acerto com todos os anuentes da República (MPF, TCU, IBAMA, ICMBio, IPHAN, etc). Será preciso atenção também com os efeitos colaterais do surto do coronavirus sobre a atividade econômica no médio prazo.

A crise econômica provocada pelo surto do coronavirus está apenas no começo, mas já nos deixa algumas lições. Vamos precisar investir bem mais em educação, em pesquisas e inovações, especialmente voltadas para saúde, dado que o Brasil deve se envelhecer muito rapidamente nas próximas décadas.

Políticas públicas voltadas para as grandes cidades serão cada vez mais essenciais. A perda de produtividade do trabalho causada pela precariedade da mobilidade urbana e de saneamento público e da falta de oportunidades das comunidades mais pobres vivendo em regiões vulneráreis e sujeitas a desastres ambientais tem deixado o país à deriva.

A desigualdade social, de renda, de gênero e regional precisa ser endereçada com determinação. Políticas públicas de redução destes gaps devem são pilares de um desenvolvimento econômico sustentado.

Da mesma forma, o espraiamento espacial da atividade econômica é importante instrumento para evitar a contaminação mais acelerada da população em casos extremos como do surto atual do coronavirus, mas também de eventos imprevisíveis como guerras e conflitos e, com isso, impacto mais severo sobre o ciclo econômico.

Nota-se mais uma extraordinária importância de políticas de desenvolvimento regional. O Brasil precisa promover mais essa distribuição da atividade econômica pelo território nacional. Vejam o caso de modelos como o da Zona Franca de Manaus, que tem sido sistematicamente criticados. Imagine se tivéssemos na região metropolitana de São Paulo todas as grandes empresas industriais no contexto do surto do coronavirus? A desconcentração da atividade econômica precisa ser ainda mais aprofundada para aliviar o peso das políticas públicas sobre os grandes centros urbanos.

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Márcio Holland é economista e professor na Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV-SP), onde é Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Finanças e Economia (lato sensu). Tem pós- doutorado em Economia pela University of California, Berkeley. Foi Secretário de Política Economia do Ministério da Economia.

Fonte: Correio Braziliense em 25.03.2020

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