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IPI reduzido abala Zona Franca e atrasa Reforma Tributária

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06/05/2022

HELENO TAVEIRA TORRES

06.maio.2022 (sexta-feira) - 5h50

AReforma Tributária, pelo visto, não será mesmo a prioridade do governo ao longo deste ano. Evidência disso está no Decreto nº 11.055/2022, que autorizou o corte linear de 25% no IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), a pretexto de impulsionar nossa indústria. Em verdade, um paliativo que só agregou ainda mais dificuldades a diversos setores estratégicos. O melhor, e que se mostra cada vez mais urgente, seria investir energia na reforma de todo o IPI, pela simplificação, harmonização com os demais impostos e correções das suas graves distorções.

Independentemente do destino das PECs nºs 45/2019 e 110/2019, que já se tornaram envelhecidas, pelas mais variadas dificuldades que apresentam, o IPI é só mais um imposto que carece de reforma própria. Dentre as dificuldades, destaca-se que “o aproveitamento de créditos do imposto (IBS) ficará condicionado ao recolhimento do imposto devido na etapa anterior”. Uma prova de que nunca perdemos a oportunidade de mudar para aprofundar o atraso e o retrocesso.

A história do IPI acompanha o constitucionalismo brasileiro. Ainda na Constituição de 1891, o “imposto de consumo” era de competência concorrente e podia ser “decretado” tanto pelos Estados (antigas províncias), quanto pela União. Guardadas as devidas proporções, é o que segue em vigor com a incidência do ICMS (Estados) e do Imposto sobre Produtos Industrializados. Na Constituição de 1934, o imposto “de consumo de quaisquer mercadorias” passou à competência da União (IC Federal); ficou para os Estados o imposto sobre “vendas e consignações efetuadas por comerciantes e produtores, inclusive os industriais” (IVC Estadual).

O IPI no lugar do “imposto de consumo” com denominação ajustada à sua natureza surgiu só com o relatório da comissão do projeto que deu origem à Emenda Constitucional nº18/1965. Ou seja, as competências tributárias da União (sobre o IPI) e dos Estados (sobre o ICMS) remontam aos tributos que lhe deram origem (IC e IVC). Tanto que a Lei no 4.502/1964 manteve-se aplicável ao IPI atual, com ajustes sobre a tabela de produtos tributáveis.

Modificações no IPI precisam ser efetuadas ao lado da reforma do ICMS, ISS, PIS e Cofins, sob pena de enorme perda arrecadatória, e desde que observados os parâmetros constitucionais. Parâmetros que o decreto editado em 2022 claramente não respeitou.

De acordo com a Constituição, o IPI é um imposto da União com caráter extrafiscal, ao tempo que deve ser seletivo, em função da essencialidade do produto, e da não cumulatividade, o que só autoriza o Executivo a usar de Decretos para definir as alíquotas. O que seria uma exceção ao princípio da legalidade, nos limites daquelas duas balizas materiais e do que prescrevem a Lei de 1964 e o art. 4º do Decreto-lei 1.199/1971. As reduções efetuadas não atendem a estes pressupostos e sequer foram justificadas pelo que prescreve a Lei de Responsabilidade Fiscal.

O Poder Executivo não tem liberdade absolutista para alterar as alíquotas do IPI, pelos limites da competência. A legislação só permite alteração nas alíquotas do IPI pelo Executivo se mantida a seletividade em função da essencialidade. As inconstitucionalidades, porém, não param por aí.

A atual redução das alíquotas do IPI traz sérias consequências ao desenvolvimento e à continuidade da ZFM (Zona Franca de Manaus), que foi alçada à proteção do constituinte originário no art. 40 da ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias). O Ministério da Economia, em contrapartida, alegou que 76% do faturamento do segmento está fora do alcance do decreto. Contudo, conforme atesta o Partido Solidariedade, a retirada de 24% do faturamento da região pode arruinar seu ciclo econômico, com severa afetação à sua competitividade.

Com isso, o decreto de redução do imposto equivale ao fim da proteção estratégica da região amazônica, seu meio ambiente e diversidade, além de frustrar a redução das desigualdades regionais.

A ZFM foi criada pela Lei nº 3.173/1957 e regulamentada pelo Decreto nº 47.757/1960 para se consolidar e promover o desenvolvimento industrial amazônico, originariamente, em 30 anos. Com a Constituição de 1988, veio a manutenção da ZFM “pelo prazo de 25 anos, a partir da promulgação”. A duração sofreu acréscimos para 10 e 50 anos, em 2003 e 2014, respectivamente, o que demonstra sua importância estratégica.

Na ZFM, diferente do que se possa imaginar, tem-se baixa permanência percentual dos impostos federais em relação aos valores arrecados no Amazonas entre 2017 e 2020:

Assim sendo, o decreto leva a União a sofrer perdas de recursos, acaso se tenha alguma redução de tributos concentrados no Amazonas. Concentrada em 0,03% do território total do Estado, a ZFM responde pela maioria dos recursos líquidos para a União. Só em 2021, as empresas da ZFM faturaram R$ 116,59 bilhões.

No caso, os decretos nºs 11.047/2022 e 11.055/2022 reduziram a 35% e 25%, de forma linear, a alíquota corrente do IPI, salvo poucos produtos, sem quaisquer medidas compensatórias para a ZFM.

A legislação que disciplina a concessão de benefícios relacionados à ZFM, à exemplo do decreto de abril, deve ser sempre interpretada em conformidade com os princípios constitucionais. Logo, aquela mudança afeta a posição competitiva da ZFM, ao reduzir a carga tributária e, por consequência, a vantagem da tributação favorecida, afronta os princípios de proteção do desenvolvimento nacional e da redução das desigualdades regionais assegurados pela Constituição.

A diferença entre as alíquotas de IPI incidente sobre o produto final e a que se aplica ao insumo fabricado por empresas com sede na área beneficiada é fundamental para o funcionamento da imunidade tributária da ZFM. Isso, na medida em que confere aos pagadores de impostos a possibilidade de transferir, para seus consumidores em outras unidades da federação, o crédito presumido de IPI, à base de 20% do valor do imposto. Sem essa combinação de medidas, a imunidade queda-se prejudicada.

O Ministério da Economia, no entanto, justifica a medida apontando suposta ampliação de investimentos em todo país, em cerca de R$ 534 bilhões nos próximos 15 anos, além de redução da carga tributária em R$ 23,4 bilhões só em 2022. Ainda que alegue, igualmente, a preservação de competitividade de 76% dos produtos fabricados na ZFM, por sua exclusão do decreto de abril, é perceptível que só impede que sobre estes recaiam os efeitos nefastos de redução de 35%, já que o novo patamar de 25% apresenta reflexos sobre toda a cadeia econômica da ZFM.

Conforme já decidiu o STF, o legislador infraconstitucional deve se conformar aos benefícios da imunidade prevista na Constituição em favor da ZFM. De fato, o STF bem afirmou em recurso extraordinário em 2021 que “[a] isenção do IPI em prol do desenvolvimento da região é de interesse da federação como um todo, pois este desenvolvimento é, na verdade, da nação brasileira”. Imunidade é garantia e proteção constitucional de não tributação ou de proteção a valores, o que não pode ser amesquinhado por lei ou atos do Executivo.

Na forma da ADI nº 310, “[o] quadro normativo pré-constitucional de incentivo fiscal à [ZFM] constitucionalizou-se” por meio do art. 40 do ADCT. Com isso, a fragilização a Zona Franca atrai ofensa direta à Constituição, que deve ser analisada pelo STF à luz dos demais princípios fundamentais. Por esta razão, o plenário da Corte não se furtou em consignar que a ZFM “deve estar, fiscalmente, sob um regime mais vantajoso do que o aplicável às demais regiões do país e não numa condição igual ou pior”.

Por tudo isso, mediante a técnica de intepretação conforme a Constituição, cabe ao STF declarar a inconstitucionalidade das reduções dos decretos no que trazem afetação direta aos princípios constitucionais do IPI, bem como aos condicionantes da imunidade tributária da ZFM. Região de suma importância para o desenvolvimento nacional, redução das desigualdades e preservação do meio ambiente. Proteger a Amazônia é proteger o Brasil.

Heleno Taveira Torres

Heleno Torres, 54 anos, é professor titular de Direito Financeiro do Departamento de Direito Econômico, Financeiro e Tributário da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), acadêmico da cadeira 44 da Academia Paulista de Direito (APD) e diretor-presidente da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF). Foi vice-presidente e integrante do Comitê Executivo da International Fiscal Association (IFA), com sede em Amsterdã, na Holanda.

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