06/04/2020
Fonte: Valor Econômico
Danylo Martins
A indústria brasileira, que ensaiava uma retomada no início deste ano, começou a sentir os efeitos da pandemia do novo coronavírus. O tamanho do estrago ainda é difícil de quantificar, mas negócios de pequeno, médio e grande porte têm sentido queda na demanda, dificuldade para conseguir insumos e matérias-primas, além de uma diminuição na oferta de crédito para capital de giro.
Segundo levantamento feito pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) com 734
empresas no fim de março, 92% das companhias estão sofrendo um impacto
negativo por causa da pandemia - apenas 3% sentem um efeito positivo. “O
consumidor desapareceu, está em casa. O impacto atual está sendo bastante
violento”, resume Renato da Fonseca, gerente-executivo de pesquisa e
competitividade da CNI.
Trata-se de crise sem precedentes, que tende a se espalhar por diversos segmentos
do setor industrial, avaliam economistas e especialistas ouvidos pelo Valor. Um dos
principais ramos afetados é o de bens de consumo duráveis e semiduráveis,
prejudicado pela queda na demanda interna e externa, assim como a falta de
insumos importados de países como a China.
No setor de eletroeletrônicos, 24% das empresas operam com paralisação total ou
parcial da produção, conforme sondagem da Associação Brasileira da Indústria
Elétrica e Eletrônica (Abinee). Em fevereiro, a produção da indústria elétrica e
eletrônica caiu 7% em relação ao mesmo mês de 2019, quando a principal
preocupação era receber materiais e componentes da China.
Na indústria têxtil, 97% das companhias já sofreram impacto, com cancelamento de
pedidos de clientes e receio sobre o abastecimento de insumos, de acordo com
pesquisa da Abit, entidade que representa o setor. “O desafio das indústrias é
sobreviver sem receita, com a fábrica sem ter como produzir. Também temos
reclamações de problemas de transporte de produtos e insumos”, aponta Fonseca.
O impacto ainda é pequeno comparado com o cenário provável para abril, prevê
Viviane Seda Bittencourt, coordenadora das sondagens do Instituto Brasileiro de
Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV). Isso porque o Brasil não chegou
ao auge da epidemia, o que dificulta mensurar os efeitos negativos na produção do
setor industrial
Pesquisa divulgada na semana passada pelo Ibre/FGV mostra que 43% das
empresas do setor perceberam que a atividade foi afetada. Além disso, 68,5% dos
industriais acreditam que serão impactados pelo surto de coronavírus nos próximos
meses. Entre os ramos menos prejudicados estão alimentos e indústria farmacêutica que, mesmo assim, estão preocupados com o fornecimento de
matéria-prima, diz a economista.
Entre os especialistas, é consenso de que a recuperação da atividade no setor
depende do período de distanciamento social e do conjunto de ações propostas
pelo governo federal para aliviar o caixa das empresas e ampliar o acesso a linhas
de capital de giro. “A recuperação vai ser muito lenta. A indústria estava começando
a ganhar fôlego, e agora demos um passo atrás”, observa Viviane.
Para João Mauricio Rosal, economista-chefe da Guide Investimentos, o cenário torna
difícil o planejamento de curto prazo, tanto de pagamentos quanto de recorrer a
modalidades de empréstimo. Segundo ele, o foco agora deve ser a gestão da crise,
com o objetivo de minimizar os impactos, como redução da capacidade produtiva,
possíveis demissões de funcionários e encerramento de operações de
fornecedores. “Num segundo momento, quando essa travessia for cumprida e
comece a se deslumbrar um horizonte um pouco mais longínquo, aí as empresas
vão precisar reconstruir essa cadeia”, afirma.
Rosal lembra que alguns setores, como logística e transportes, são estratégicos para
o quadro atual, garantindo o suprimento de produtos e serviços necessários. A
tendência é que segmentos ligados a itens básicos e de subsistência, tenham
capacidade de absorver o choque de maneira menos dolorosa. A velocidade da
retomada como um todo, diz ele, vai depender da manutenção das relações com os
empregados e com o sistema financeiro para acesso a crédito. “Conseguir empregar
a mão de obra demora muito tempo, ainda mais se isso ocorrer de maneira
massiva.”
Para os especialistas, a obtenção de empréstimos para capital de giro não tem sido
tarefa fácil entre os industriais, principalmente negócios de pequeno e médio porte.
“O dinheiro chega ao banco, mas não sai. O risco é grande, então o banco não
empresta”, diz Fonseca.