03/10/2018
Alfredo Lopes
filósofo e ensaísta
Escolhida por sobrevoos inconsequente em território
amazônico, tendo como protagonistas um presidente do
Brasil e um presidente de uma das maiores empreiteiras do
mundo, ambos encarcerados pela justiça federal, as
hidrelétricas da Amazônia são exemplos de governança
autoritária e oportunista do interesse e do patrimônio público
nacional. Os recursos naturais foram apropriados para
benefícios particulares, corporativos e obscuros, provocando
um rastro de destruição da esperança de populações
tradicionais, e irreversível depredação socioambiental, com
rescaldo de dor e morte no sentido amplo e dramático deste
conceito.
Invocando segurança energética sem dizer para quê e para
quem, atrelada à hipocrisia da integração geopolítica e
energética nacional, a palhaçada revelou-se um asco
da
primeira ora na medida em que os promotores da grande
jogada discutiam apenas quem se dará bem em termos exponenciais no jogo da partilha das respectivas fatias das
obras do sinistro cívico.
Entre os danos do complexo hidrelétrico do Rio Madeira, as
usinas de Jirau (3.750MW) e Santo Antônio (3.568MW) estão a
redução substantiva da pesca artesanal tradicional, fonte de
emprego, renda e nutrição dos povos amazônicos. Além disso,
o desequilíbrio geofísico, que impactou fortemente o Ciclo
das Águas, comprometendo as atividades econômicas
agrosilvopastoris, o ciclo milenar da descida e subida das
águas e suas nuances culturais, econômicas e de referência
socioambiental.
Interesses inconfessos levaram a produção de expedientes
jurídicos improvisados, derrubados por diversos expedientes
do Ministério Público Federal e Estadual das unidades
Federativas envolvidas mostram que este é o País dos
penduricalhos jurídicos dos mais escabrosos. Desde as
licitações irregulares, a formação de caixa dois, a distribuição
de propinas com propósito de manipulação política e
eleitoral. De 2004 a 2012, assistimos a um festival
escandaloso de depredação dos cofres públicos.
Em ação coletiva, capitaneada pelo deputado amazonense
Dermilson Chagas, mobilizando associações ribeirinhas,
colônias e sindicato de pescadores, ainda hoje buscam
indenização- assegurada pelo Superior Tribunal de Justiça - STJ,
que reconheceu os direitos indenizatórios. São dezessete
áreas, em apenas uma das ações reclamatórias que
demonstraram danos irreversíveis dessa aventura de
destruição e dor.
A revista científica
International Fisheries Management and
Ecology, em recente artigo denúncia, aponta uma queda de
39% no volume total do pescado desembarcado nas cidades
das regiões. Isso inclui ainda desaparecimento de espécies
como os bagres voadores, típicos da calha do Rio Madeira,
entre outras espécies da ictio fauna regional. Estimasse que
2500 pescadores apenas no estado do Amazonas foram
alcançados por essa iniciativa aloprada e criminosa.
A quem se destina essa epopeia do caos se não ao atendimento de interesses sombrios de grupos e seguimentos da economia marginal, envolvendo corporações nanceiras, consórcios com empresas globais e grupamentos políticos marcados pela sordidez moral. Precisamos estar alertas para conhecer a história os compromissos e as condutas de quem se oferece a representar o interesse da cidadania. Ausentarmo-nos desde cuidado e omitirmo-nos dessa preocupação significará o castigo sem perdão de quem chora o leite político derramado. Esta terra tem dono, valor e dignidade de seus habitantes. Representar esse patrimônio natural e humano exige hombridade e brasilidade que devemos cobrar de quem se apresente a por ela lutar.