24/07/2018
*Augusto Barreto Rocha
Temos uma tendência nacional de achar os outros
coitadinhos. Não vou explorar esta característica ou a sua
psicologia, mas ela precisa ser o início da questão relacionada
ao engano monumental que é o tabelamento de fretes para o
Brasil. Outro ponto é: gostamos ou não de competição,
meritocracia e capitalismo? Ou preferimos uma vantagem?
Uma facilidade provida pelo amigo estado? São tantos os
Brasis que a Polícia Rodoviária tem medo até de desobstruir
uma via, algo já previsto no Código de Trânsito Brasileiro faz
mais de 20 anos. As nossas instituições seguem não
funcionando, ao contrário do que tanto se repete.
As empresas de transporte de cargas no Brasil cometeram um
erro básico do capitalismo: cobrar menos do que o custo de
seu produto. Ao fazer isso sistematicamente, seja qual fosse o motivo, inclusive o dumping ou a competição burra, as
empresas foram pouco a pouco trincando ou quebrando.
Alguns dos grandes trincados e melhor geridos foram
comprados por gigantes multinacionais. O método sábio para
manter a margem de lucro do negócio: usar o subemprego de
caminhoneiros, que recebiam abaixo do custo, pois quando o
custo é decente, a empresa opera com seus recursos, quando
não, usa-se o subemprego de quem se sujeitar a ele, por não
saber fazer conta ou por não ter qualiæcação. Se o custo fosse
bom, a empresa faria o transporte por si. Para os negócios
ruins, terceirizava-se.
Até que os motoristas se deram conta disso e começaram a
pressionar, contando com a população, porque muitos dos
adultos de hoje assistiram ao seriado Carga Pesada em sua
infância e, em um país que transporta mais de 67% de suas
cargas pelo modal rodoviário, existe uma sensibilidade pelos
valentes caminhoneiros que ganham seu pão de cada dia nas
terríveis estradas nacionais. Todavia, quem é mais ou menos
valente? Eles ou os médicos que fazem cirurgias sem todos os
recursos? Ou os professores que lecionam Engenharia com
ferramentas do século passado? Ou os taxistas que agora
concorrem com o Uber e em breve com o Lyft e com veículos
autônomos em algum tempo? A mesma briga que eliminou os
cocheiros das carruagens. O progresso é imparável, com
alegria ou não, para uma parte da sociedade por vez. A
modernidade vem, então é melhor se adaptar do que lutar
contra ela. Aliás, o melhor mesmo é criar o futuro, mas isso
æca para outro texto.
Nos EUA, um motorista de caminhão tem a remuneração
média de US$ 57 mil ao ano, podendo chegar a US$ 75 mil
(cerca de R$ 24 mil ao mês). Entretanto, lá já há ciência que
em 10 ou 15 anos a proæssão não existirá, substituída por
veículos autônomos. Como leis são feitas para o longo prazo,
estamos protegendo robôs. Outro ponto fundamental é que
esta lei coloca preços mínimos (e não máximos! Não se
protege o consumidor, há um protecionismo para as empresas
vendedoras, é o oposto das regulagens normais!). Assim, o
lucro das grandes empresas de transporte está protegido.
Quem paga a conta? Regiões remotas, que æcarão mais
isoladas e os consumidores como um todo. Claro, sempre
quem paga a conta é o consumidor. Como diz um humorista: é
tão romântico ver o governo me chamando de Tesouro. O tal
Tesouro é feito pelo nosso dinheiro. Somos o Tesouro. O preço
do frete é pago pelo nosso dinheiro: ou seja, fomos
convencidos a pagar mais caro pela inabilidade da regulagem
e da política que não é política. Chamou-se um mega-locaute
de pequenos e grandes empresários de greve. Isso: um caminhoneiro é um pequeno empresário. Então isso não foi
uma greve.
Quem ganha? Não é consumidor, nem é o Tesouro. Quem
ganha? O Estado, com a fatura maior cobrará mais imposto.
Bom para ele. As empresas grandes com o preço mínimo
garantido, pagando seus custos, poderão com mais este
cartório ou reserva de mercado ou boquinha… o nome não
importa, terão a alternativa de voltar a verticalizar seus
serviços, só que agora ganhando Dinheiro, com a proteção do
Estado. Ótimo momento para verticalização das frotas e, em
breve, para automação. Quanto aos caminhoneiros mais
românticos: é melhor começar a estudar um novo ofício,
começando pela matemática, robótica ou… pela Política,
aquilo que todos precisamos aprender.
*Augusto Barreto Rocha é doutor em Engenharia de Transportes, professor de Economia dos Transportes, Sistemas de Transportes e Planejamento dos Transportes na Faculdade de Tecnologia da Ufam.