07/01/2020
Alfredo Lopes
Na Grécia antiga, os sofistas se destacaram por recorrer à Filosoa para desenvolver a
falácia, um raciocínio capcioso para induzir o interlocutor ao engano. Esta artimanha
losóca se vale de um silogismo aparente usado para defender algo falso e confundir
o contraditor. Platão recomendava manter a vigilância para não confundir sofisma, o
silogismo aparente, com os paralogismos que decorrem da ignorância, enquanto a
sofística é vetor de má-fé. Aos sofistas não interessa esclarecer, apenas doutrinar e
impor seus dogmas.
Premissas do engodo
A reflexão se depreende dos constantes ataques que costumam ser desferidos pelo engodo, benecia muito mais trabalhadores do que a ZFM. Esse cálculo desonesto se
baseia nos estudos do Senado Federal às vésperas da prorrogação dos incentivos em
2014, hoje baseados em 8%, 8,5% dos gastos tributários do Brasil. Esse percentual é
administrado pela Suframa com graus elevados de excelência gerencial.
Escondendo o essencial
Como o biquíni, a Estatística é uma área do conhecimento que mostra quase tudo para
esconder o essencial. No Congresso, no Palácio da Alvorada ou na Corte Suprema, as
estatísticas são usadas nos momentos em que é preciso demonstrar aquilo que o jogo
politico do momento prioriza. Na contabilidade do tal sofisma, cada emprego gerado
pela Zona Franca nas fábricas de Manaus custa impressionantes R$ 250 mil em
renúncia fiscal ao ano. Em comparação, esse valor é de R$ 2.800 no caso do Simples. A
partir dessa premissa falaciosa, a conclusão é a mesma que recomenda e insiste no
repensar da Zona Franca de Manaus com o objetivo de assegurar sua extinção.
Embargo de gaveta
Este é um jogo de cartas marcadas, que emerge em clima de turbulências ou de
aparente calma, a dos pântanos. Basta conferir o boicote articulado por interesses
inominados para protelar a liberação do PPB, na burocracia federal, o ritual que (des)
autoriza o manual de instrução do processo produtivo para as empresas usufruírem
de benefícios fiscais da ZFM. Um boicote sombrio, de servidores de terceiro escalão,
que se consideram mais real que o Rei e mais legal que a Lei e estão a serviço sabe-se
lá de quem. Merece aplausos a intervenção do titular da Suframa, Alfredo Menezes, ao
pressionar os ministérios de Ciência e Tecnologia e Economia para que a Lei fosse
respeitada.
Dados eloquentes da Receita
Os dados da Receita Federal sobre a renúncia fiscal do país são eloquentes e contundentes. Por região geográfica, na Amazônia, 2/3 do território nacional, com todos os incentivos regionais, onde há mais necessidade de investimento para aliviar as disparidades econômicas do país, a renúncia fiscal em 2012, foi de 17,9%, equivalente a R$ 26,02 bilhões. Em 2019, numa tendência de queda, foi de 8,5%. No Sudeste, o ralo da renúncia consumiu em R$ 70,65 bilhões naquele ano de 2012. Em 2019, o usufruto do Sudeste foi de 54,4% do bolo fiscal. Ou seja, o Sudeste consumiu mais de R$ 150 bilhões, representando 2,6% do PIB, com destaque para São Paulo, o Estado mais rico do Brasil.
A pobreza voltou a subir na Amazônia e Nordeste
"Entre os 500 municípios menos desenvolvidos do país, 68% estão no nordeste e 28% no Norte. Os estados da Bahia (34%), Maranhão (20%) e Pará (13%) tiveram a maior quantidade de representantes. A região Sudeste tem apenas 2,6% dos municípios na lista dos piores, o Centro-Oeste,1% e o Sul, nenhum.” Os dados foram recolhidos no Portal da Receita pela Gazeta do Povo- RS. A mesma disparidade se constata na distribuição de verbas do BNDES para manter os atuais patamares de desigualdade regional. É o mesmo BNDES que, há mais de 11 anos, embroma a distribuição dos recursos do Fundo Amazônia, constituído em 2008, com o objetivo de captar doações para investimentos não reembolsáveis em ações de prevenção, monitoramento, combate ao desmatamento, promoção da conservação e do uso sustentável das florestas no Bioma Amazônia.
O raciocínio de combate à Zona Franca alega sustentação nos Indicadores de
Desempenho do Polo Industrial de Manaus (PIM), para armar que a mão-de-obra
ocupada efetiva de 80 mil pessoas, em agosto último, custa R$ 250 mil/por emprego,
para a renúncia scal envolvida. O sofisma não considera a cadeia de produção,
distribuição e comércio por todo território nacional, marca que supera os 2 milhões de
postos de trabalho. E por que a Suframa não promove mais atividades econômicas
com geração de emprego? A resposta é simples: mais da metade da riqueza obtida a
partir de Manaus se destina aos cofres federais. Justamente a riqueza que deveria
diminuir as escandalosas desigualdades regionais.
Baú da felicidade fiscal do Brasil
falácia do montante da renúncia scal dividido pelo número de empregos ignora a
história, o alcance e a efetividade dos benefícios da ZFM. E omite que não há custeio
público na ZFM, há renúncia, onde o governo deixa escapar por um lado sua
compulsão arrecadatória e ganha por outro, fazendo da renúncia medida
compensatória aos próprios cofres, numa operação fácil e tecnicamente
demonstrável. Parece não interessar que Manaus sozinha na demonstração do
silogismo, comparece com 50% dos impos
Discurso raivoso e infundado
O Amazonas é um dos 8 estados da federação que mais recolhe do que recebe recursos. A exportação de recursos para União Federal arrecadou em 2018 R$ 14,5 bilhões e recebeu de volta menos de R$4 bilhões, uma informação que escapa a
de PIS (Programa de Integração Social) e Cons (Contribuição para o Financiamento
da Seguridade Social). A rigor , a renúncia scal real seria de apenas R$ 6 bilhões. A
ZFM não benecia só o Amazonas, mas o Brasil, os brasileiros que consomem os
produtos fabricados aqui. Portanto, é preciso rever o discurso raivoso da renúncia, e
olhar de outro prisma a paranoia da difamação.
A quem interessa?
E se as empresas aqui instaladas, comprovadamente arrecadam menos que em outros
arranjos industriais do país, elas patrocinam duas vezes o orçamento da UEA, no
fundo criado para sua manutenção, pagam os programas regionais de Pesquisa e
Desenvolvimento e os fundos estaduais de turismo e fomento municipal, que
permitiram, por exemplo, financiar os projetos de cadeias produtivas no interior. São
mais de R$ 2,3 bilhões de investimentos, entre P&D, Universidade, turismo e
programas de agroindústria para população ribeirinha. É, pois, nesse contexto, que
inclui a guarda do bioma amazônico, irrisório, muito discreto o peso da tal renúncia.
Por tudo isso e a partir dessas premissas objetivas, cabe indagar: a quem interessa a
demonstração de tantas falácias e sosmas sobre a economia regional partir do
Amazonas?
*Alfredo Lopes é escritor amazonense, com 11 títulos sobre a Amazônia, formado em Filosofia com pós-graduação em Administração e Psicologia da Educação. Professor na PUC SP, de 1977 a 1996, UFAM, Metodista, Universidade de Salerno, Itália, atualmente docente colaborador na USP para assuntos amazônicos. Consultor do BID, Grupo Simões e CIEAM e diretor da FIEAM. Escreve no ATUAL desde a fundação do site, em novembro de 2013.