13/01/2020
Fonte: Inova Social
No último mês de dezembro, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulgou o ranking 2018 do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa – Programme for International Student Assessment). Por se tratar do último mês do ano e os noticiários estarem ocupados com vários acontecimentos expressivos (Fogo na Austrália, Conflitos no Oriente Médio e tantos outros), o pouco que se falou sobre os resultados do estudo foram focados no Brasil, que ficou em 63º lugar, de um total de 70 participantes. No entanto, o grande destaque deveria ser a Estônia e, no texto abaixo, vou explicar porquê devemos olhar para o pequeno país banhado pelo mar Báltico com a melhor educação da Europa (e do Ocidente).
Primeiramente, precisamos entender o que é o Pisa. Ele é um estudo comparativo internacional, realizado a cada três anos pela OCDE, que “oferece informações sobre o desempenho dos estudantes na faixa etária dos 15 anos, vinculando dados sobre seus backgrounds e suas atitudes em relação à aprendizagem; e também aos principais fatores que moldam sua aprendizagem, dentro e fora da escola”, segundo o INEP. Ou seja, muito mais que uma mera avaliação quantitativa, o estudo leva em conta o contexto que o estudante está inserido.
Agora que entendemos o que é o Pisa, vamos entender quem é a Estônia. O país, com uma população de pouco mais de 1 milhão, está rodeada pela Suécia, Finlândia (ambas via mar Báltico), Letônia e Rússia (com quem tem fronteiras terrestres). Com a Rússia, são pouco mais de 2 horas da fronteira, até São Petersburgo, considerada por muitos o “centro cultural da Rússia.” No contexto histórico, a Estônia passou por diversas dificuldades nos últimos 100 anos. Durante a 2ª Guerra Mundial, por estar localizada em uma região estratégica, o país foi ocupado pela URSS e, em 1942, invadido pelo exército nazista. Com o fim da Grande Guerra, o país passou a fazer parte da União Soviética, tornando-se a República Socialista Soviética da Estônia.
Com a queda da Cortina de Ferro, a Estônia aumentou seus laços comerciais com a Europa. O setor de serviços, que praticamente não existia na era soviética, teve um rápido crescimento no início dos anos 1990 e, desde 2010, tanto a taxa de desemprego, quanto a dívida pública vêm caindo registrando, respectivamente, 5.3% e 8.4% em 2018. Além de uma forte economia, o país é muito mais que uma referência em administração pública digital, é um grande laboratório de estudo para gestores públicos de todo o mundo. Dos 1.3 milhão de estonianos, cerca de 98% possuem RG digital, documento que inclui um chip e garante acesso a mais 500 serviços do governo (saiba mais no texto “O que podemos aprender com a digitalização e o governo 4.0 da Estônia?”, do Instituto Tellus).
A educação estoniana: Valorização, acesso e autonomia
Agora que você já teve uma breve apresentação sobre a Estônia, vamos entender o porquê do país estar entre as 10 melhores no Pisa. “‘O sucesso da educação na Estônia se baseia em três pilares’, afirmou à BBC News Brasil a ministra da Educação e Pesquisa do país, Mailis Reps. ‘A educação é valorizada pela sociedade, o acesso é universal e gratuito e há ampla autonomia (de professores e escolas). Os estonianos realmente acreditam que a educação abre uma ampla gama de possibilidades’.” Ainda segundo a BBC, “a educação (na Estônia) é gratuita e inclusiva em todos os níveis, o que significa que todos têm igual possibilidade de inserção. ‘Também oferecemos acesso igual a vários serviços de apoio baseados nas necessidade, como refeições gratuitas na escola, fornecimento de materiais didáticos, serviços de aconselhamento, além de subsídios em transporte e, a partir do ensino secundário, acomodação’, afirma Mailis Reps, ministra da Educação e Pesquisa da Estônia.”
Para podermos entender melhor, aqui está um pequeno comparativo. Nos resultados do Pisa publicados em 2016, a Estônia ficou em 3º lugar em Ciência, enquanto o Reino Unido ficou em 15º e, em Leitura, a Estônia ficou em 6º lugar, enquanto o Reino Unido ficou em 22º. Um dos ingredientes deste sucesso é que a Estônia tornou a educação de alta qualidade nos primeiros anos uma prioridade para o país. Além disso, a Estônia visa muito mais os padrões nórdicos (de ensino), do que o europeu.
Enquanto os modelos mais tradicionais, incluem aulas separadas, o modelo estoniano trabalha com aulas multidisciplinares. Para completar, o modelo de sociedade digital que a Estônia possui atualmente permite que muitos dos estudos sejam feitos via online. Os livros também são emprestados eletronicamente, o que ajuda os estudantes no grande volume de deveres de casa. Durante o período escolar, os alunos precisam aprender língua e literatura estonianas, primeira e segunda línguas estrangeiras, matemática, biologia, geografia, física, química, humanidades, história, civismo, música, arte, artesanato, tecnologia e educação física. Mas também são comuns aulas de história das religiões, design e economia.
Outro ingrediente para o sucesso da educação estoniana está centrada no professor. Atualmente o país investe 6% do PIB na educação – o mesmo percentual que o Brasil – mas, enquanto o governo brasileiro investe, no ensino básico, R$ 6,6 mil por aluno ao ano, o governo estoniano aplica o equivalente a R$ 28 mil. Já o salário-base dos professores é de 1.250 euros (aproximadamente R$ 5.600) – um incremento de renda de 80% na última década.
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Além disso, o professor possui total autonomia no ensino. As diretrizes do ensino estão no currículo nacional, mas como aplicá-las fica, em grande parte, a critério de cada escola. Isso significa que as metodologias e até mesmo os ambientes de sala de aula podem ser definidos de acordo com o plano dos professores. “O currículo determina os resultados gerais. A maneira de alcançá-los é escolhida pelos professores”, afirmou Mailis Reps, em entrevista para a BBC. E, ao contrário de países como o Brasil, onde professores são selecionados por concursos públicos, os candidatos a diretores de escolas são entrevistados por um conselho formado por pais, professores e representantes do governo municipal. A ideia é analisar suas habilidades de educação e de gestão. Na hora de contratar um professor, a responsabilidade pela sabatina cabe ao diretor.
Ainda na entrevista para a BBC Brasil, Reps foi questionada se o modelo estoniano poderia ser aplicado ao cenário brasileiro. “Cada país é diferente e não existe uma receita ou um modelo secreto que possa ser usado apenas copiando tudo”, afirmou a ministra. As ressalvas são óbvias: discrepâncias de tamanho populacional, problemas históricos ainda não resolvidos ou mesmo diferenças culturais. “O modelo da Estônia foi formulado considerando um pequeno país. Circunstâncias brasileiras são completamente diferentes”, completa Reps.