22/07/2014
Em alguns setores específicos (como em bens duráveis), a redução desse descompasso está associada a uma menor importação. Na média, contudo, ela foi determinada pelo enfraquecimento do mercado doméstico e a desaceleração da renda, que viraram um problema adicional para a indústria de bens de consumo, afetada nos últimos anos pela forte concorrência de importados.
Na mais recente sondagem da Confederação Nacional da Indústria (CNI), a falta de demanda foi apontada como um problema por 41% das empresas consultadas, uma expressiva alta em relação aos 27% que manifestaram essa preocupação no primeiro trimestre deste ano. Além disso, foi a primeira vez em muitos trimestres em que esse temor superou o provocado pela "competição acirrada de mercado", manifestado por 31% dos entrevistados.
Nos primeiro cinco meses deste ano, enquanto as vendas do varejo ampliado (que incluem automóveis e material de construção) subiram 1,4%, a produção doméstica de bens duráveis recuou 3,2% e as importações destes itens ficaram 7% menores, em volume. Em bens não duráveis, a produção aumentou 4,5% e a importação caiu 4,2%, em quantidade, na mesma comparação.
Durante os últimos três anos, a importação cresceu a um ritmo muito maior que o da produção doméstica e passou a abastecer parte da demanda interna. Mais recentemente, a desvalorização do real encareceu o preço do bem importado e foi, em parte, responsável pela retração das compras feitas no exterior. Mas no momento em que o câmbio passou a ajudar, a economia doméstica já andava mais devagar e a renda já crescia menos, criando um problema adicional para o setor.
"O câmbio permitiu uma pequena recuperação de competitividade, só que isso ocorreu no momento em que a demanda começou a cair muito", observa o gerente-executivo de pesquisa e competitividade da CNI, Renato da Fonseca. Ele observa, olhando para o longo prazo, que em um primeiro momento, a partir de 2006, demanda, produção interna e importação cresciam juntos. Depois, a demanda continuou subindo, mas foi abastecida pelos importados e a indústria perdeu espaço, primeiro com impacto no volume produzido (captado pelas pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE) e agora inclusive no faturamento, registrado nas pesquisas da CNI.
Para Rogério César de Souza, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento do Varejo (Iedi), a importação ainda é um fantasma para a indústria, mas a demanda passou a ser uma variável adicional de incerteza para muitos empresários. Ele vê, contudo, outra relação de causa e efeito entre os desempenhos da indústria e do varejo. "A fraqueza da indústria contaminou o resto da economia e tirou força da demanda."
Assim, diz Souza, a proximidade dos dois setores ocorreu pelo pior jeito, o da desaceleração, com o varejo caminhando em direção ao ritmo mais fraco da produção. O ideal seria se as duas curvas tivessem se aproximado pela recuperação da indústria, e não pelo enfraquecimento da demanda.
Aloisio Campelo, superintendente-adjunto de ciclos econômicos do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), pondera que, apesar dos sinais recentes de perda de fôlego do consumo, a importação ainda é o grande problema da indústria brasileira. O pico de produção de vários setores lembra ele, citando recente levantamento publicado no Boletim de Conjuntura do Ibre, foi registrado há 72 meses - em 2008, portanto.
O déficit no comércio exterior de bens industriais continuou crescendo em 2014, embora a um ritmo menor. De acordo com dados da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex), e considerando a balança comercial de 23 setores da indústria de transformação, o déficit comercial no primeiro semestre deste ano alcançou US$ 33 bilhões, valor 8% maior do que o de igual período de 2013. O ritmo de alta, contudo, diminuiu. Em 2013, havia crescido 20%.
"A indústria perdeu um espaço que não será recuperado mesmo se a demanda subitamente voltar", diz Campelo. A perda de mercado, segundo ele, ocorreu tanto internamente, em relação aos bens importados, como nos mercados mundiais, com o enfraquecimento das exportações.
Embora a perda de dinamismo da indústria influencie outros setores, e tenha um efeito multiplicador, Campelo não considera que ela seja o principal motivo por trás da desaceleração das vendas do varejo e da demanda como um todo. "Toda economia perdeu ritmo", diz, citando a construção civil como outro segmento com forte perda de vigor.
A volta do crescimento vai exigir e depender de ganhos de produtividade, tanto da mão de obra como de máquinas mais modernas, diz Campelo. "Além de problemas conjunturais, como a paralisação provocada pela Copa e a crise argentina, há questões estruturais por trás da desaceleração, e por isso vamos demorar mais para sair dela", diz Campelo. As sondagens de confiança da FGV, afirma, mostram exatamente isso: a percepção atual e futura dos empresários de diferentes segmentos é muito ruim.
Apesar da avaliação de que há enfraquecimento da demanda, o economista do Iedi também concorda que o problema do país (e da indústria) não é de falta de consumo. "Medidas adicionais de incentivo ao consumo não vão ajudar a indústria como um todo. Elas podem fazer diferença, no curto prazo, para um ou outro setor, mas o problema não é esse", diz Souza.
Fonseca, da CNI, pondera que o real nível de demanda doméstica será sentido nos próximos meses, quando o efeito Copa do Mundo estiver fora das estatísticas. "O segundo semestre, especialmente a partir de agosto e setembro, é um período em que normalmente a produção cresce para atender a demanda de fim de ano. Se, apesar disso, a produção ficar estagnada, já será um sinal ruim."
Fonseca tem olhado com particular preocupação para os recentes dados de demissões na indústria. A queda no nível de emprego industrial já aparecia nas pesquisas do IBGE e da própria CNI. Desde abril, o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) mostra demissões líquidas na indústria, com saldo de 60 mil vagas fechadas no setor em todo o país, com maior concentração em setores mais organizados e tradicionais, como material de transporte, metalurgia e mecânica.
Enquanto o mercado de trabalho esteve aquecido e a percepção era de crise temporária, muitas empresas seguraram seus empregados. "Demitir um funcionário e depois recontratar representa um custo extra muito forte, na demissão e depois no treinamento", afirma Fonseca. "Quando uma empresa demite é porque não espera crescer tão cedo, ou porque realmente seu custo chegou no limite e ela sabe que não tem mais espaço para repassar para o preço o aumento dos custos, incluindo o de salários."
O risco, diz o gerente da CNI, é que esse movimento de demissões, que começou em alguns setores, se espalhe para outras indústrias e para outros setores da economia. Se isso ocorrer, a demanda ficará ainda mais comprometida pela redução de renda que virá.
Fonte: Valor Econômico