13/07/2018
Notícia publicada pelo site Valor Econômico
O Congresso Nacional aprovou nos últimos dias uma série de medidas que
visaram mais angariar votos do que a responsabilidade com as contas
públicas, impondo derrotas a um governo já fragilizado pela baixa
popularidade e com o presidente em fim de mandato.
Por sua vez, temas de interesse do Palácio do Planalto, como a cessão onerosa
da Petrobras, regras para distrato imobiliário e o cadastro positivo, ficaram
para o segundo semestre, o que levou aliados do presidente Michel Temer a
comemorarem o início das férias dos parlamentares.
"Graças a Deus é recesso", brincou o deputado Beto Mansur (MDB-SP), vicelíder
do governo.
Durante a greve dos caminhoneiros, o
Congresso tentou tomar a dianteira da
crise e aprovou, apesar dos alertas da
equipe econômica, um subsídio de R$ 12
bilhões ao óleo diesel dentro de um
projeto que gerava menos de R$ 3 bilhões
em receitas de contrapartidas. A proposta
forçou o governo a editar, dias depois,
medida provisória (MP) com o subsídio.
Outras duas demandas dos caminhoneiros também foram usadas pelos
parlamentares - e pelo setor de transportes - para conquistar benefícios. O
marco legal do transporte de cargas, hoje em discussão no Senado, incluiu
possibilidades de desonerações tributárias, anistias de infrações e aumento
da pontuação limite para motoristas de caminhão perderem a carteira de
habilitação.
Já a MP do frete rodoviário foi encaminhada à sanção presidencial com
artigos que anistiam as punições por descumprimento da própria medida
provisória e as multas de quase R$ 1 bilhão aplicadas pelo Supremo Tribunal
Federal (STF) às empresas acusadas de praticar locaute (greve a mando dos
patrões, o que é ilegal).
O governo sequer tentou mobilizar sua base aliada e deixou a Câmara livre
para aprovar o que queria às vésperas da eleição.
O presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), jogou ontem nas costas
do Planalto a responsabilidade pela aprovação de projetos que aumentam
gastos. "Eu vi uma certa crítica dizendo que o Congresso Nacional aprovou
Refis, tirou dinheiro daqui, fez isso, fez aquilo...", disse Eunício. "Todas as
matérias no que se refere a anistia ou aumento de gastos ou Refis vieram do
Executivo, não nasceram no Parlamento."
Apesar da fala de Eunício, várias iniciativas passaram pelo Congresso
presidido por ele nos últimos dias a contragosto do governo.
Um desses casos foi a aprovação de "jabuti" na MP que regulamentava as
carreiras de agentes comunitários de saúde para aumentar em 53%, em três
anos, o salário base dessas categorias. Para beneficiar 350 mil agentes, o Congresso impôs um gasto extra de R$ 2,1 bilhões por ano aos cofres
públicos.
Em troca de aprovar a proposta que viabiliza a venda de seis distribuidoras
de energia deficitárias da Eletrobras, o governo cedeu a emendas da base e da
oposição para ampliar a gratuidade das contas de luz para a baixa renda.
Outros "jabutis" entraram no projeto para repassar custos das empresas de
energia para os consumidores.
No apagar das luzes antes do recesso, deputados votaram, simbolicamente,
emenda para liberar as nomeações de dirigentes partidários e parentes em
cargos de direção de empresas estatais e de agências reguladoras. O projeto
foi aprovado conclusivamente numa comissão especial da Câmara e será
enviado direto ao Senado se não houver recurso.
O Congresso aprovou ainda, nesta última semana de trabalho, o projeto que
manteve os benefícios tributários para a indústria de refrigerantes da Zona
Franca de Manaus. A votação, na terça-feira, anula a iniciativa que foi parte
da solução encontrada pelo governo em junho para financiar a redução de R$
0,46 no litro do diesel prometida aos caminhoneiros, então em greve. O
governo estimou o impacto anual dessa medida em cerca de R$ 1,9 bilhão
Também contra a orientação do governo, o Senado aprovou no mesmo dia
projeto que permitirá o retorno de até 312 mil empresas ao Simples Nacional.
Antes disso, o Congresso já havia derrubado o veto do presidente ao Refis das
Microempresas.
Fechando o recente circuito de medidas consideradas perdulárias, deputados
e senadores derrubaram na noite de anteontem os principais mecanismos
para a contenção de gastos que haviam sido incluídos no projeto de lei de
Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2019. Dentre eles, a proibição à
concessão de reajustes e criação de cargos para servidores públicos.
Economistas criticam as propostas em um momento de grande fragilidade
fiscal. "A gente vive um momento fiscal grave, que o Congresso não parece
entender", diz também Guilherme Tinoco, especialista em contas públicas.
Para ele, isoladamente alguma dessas medidas podem fazer sentido, "mas o
conjunto mostra que não há compromisso da Câmara e do Senado com o
ajuste fiscal".
Mauricio Oreng, economista-chefe do Rabobank, afirma que as propostas vão
na "direção contrária à consolidação fiscal" que faria a economia voltar a
crescer de forma sustentada. Ainda assim, o impacto orçamentário dessas
medidas "parece de segunda ordem" e não ameaça, por exemplo, o
cumprimento da meta de resultado primário. Ele calcula um déficit do
governo central de R$ 151 bilhões neste ano e de R$ 133 bilhões no ano que
vem. Ambos os números são menores do que as metas de R$ 159 bilhões e
R$ 139 bilhões, respectivamente.