03/05/2020
Larissa Cavalcante
O economista e professor José
Alberto da Costa Machado
pondera que a crise decorrente da pandemia do novo coronavírus é uma oportunidade
estratégica para Zona Franca
de Manaus (ZFM) fortalecer a
indústria nacional através de
um programa de substituições de importações.
A CRÍTICA conversou com
o economista, por videoconferência, sobre o surgimento de
novos segmentos produtivos
na ZFM como a produção de
Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), a redução de
mão de obra no Polo Industrial de Manaus (PIM) e as medidas econômicas anunciadas
pelo governo federal para mitigar os impactos do coronavírus no Brasil. Abaixo trechos
da entrevista:
Quais são os reflexos na economia com fábricas do Distrito Industrial de Manaus paralisadas?
No geral, vamos ter perda de
receita nos próximos meses.
As empresas tomaram decisões que são naturais pela ausência de fornecimento, de insumosdaChina,altadodólare
a expectativa de venda, de demanda para esses meses iniciais que não são iguais as que
se tinha porque produzimos
bens de consumo duráveis.
Economia que passa por uma
crise a aquisição desses itens
normalmente fica prorrogada.
Fizeram uma leitura correta
da situaçãoquevivemos e adotaram providências que não
vão conturbar o retorno da atividadedeprodução atéporque
o governo tem estabelecido
uma série de medidas que vão
ajudar as empresas a atravessar essa diminuição de faturamento nos próximos meses.
Entendo que serão apenas nos
próximos meses e não de forma prolongada.
Com a recessão prevista, nos setores de eletroeletrônicos e duas rodas do PIM deve cair a aquisição de bens duráveis?
Nesses primeiros três meses
deve ocorrer. Os pontos de
venda neste momento estão
obstados de funcionar e é natural que ocorra a diminuição.
O país sairá dessa situação
com o preço do petróleo, a inflação e a taxa de juros dos
bancos como as mais baixas
da história. Nós vamos ter
uma liquidez da economia
muito grande por causa do
grande aporte de recursos
que o governo federal está fazendo com um volume que vai
chegar quase a 10% do PIB.
Nós já temos anunciado pelo FMI (Fundo Monetário Internacional),União Europeia e
o governo americano trilhões
de dólares para injetar liquidez na economia do mundo.
NocasodoBrasil,passadotrês
ou quatro meses com repressãodedemanda,logo ela se coloca na nossa agenda. A retomada da produção, no meu entender, vai ter movimentos
muito virtuosos logo após o retorno do comércio, ponto de escoamento da produção.
NOME: José Alberto da Costa Machado
IDADE:66 anos
ESTUDOS: Doutor em Desenvolvimento Socioambiental, mestre em Engenharia de Sistemas e Computação, graduado em Administração de Empresas.
EXPERIÊNCIA: Professor
aposentado da Ufam. Foi
executivo de empresas,
Coord. de Administração
Financeira da SEFAZ-AM e de
Estudos Econômicos e
Empresariais da Suframa.
Uma novidade é a espécie de
renda mínima assegurada às
classes mais baixas, de R$ 600
ou R$ 1200 para mães de família, dando suporte para novas
mudanças na economia e na sociedade. Vamos sair dessa crise,
em específico a ZFM com prenúncio de que teremos uma
oportunidade estratégica muito
grande pela frente.
Qual seria essa oportunidade?
Ficou comprovado nessa crise a
nossa dependência da produção
de insumos da China e do Sudeste Asiático. Precisamos fortalecer a indústria nacional, ter
um grande programa de substituições de importações. Poucos
polos industriais do Brasil estão
tão adaptados para ter uma resposta imediata. A ZFM está toda
organizada para isso. Nesse momento avançamos na produção
de EPIs e as novas demandas do
polo digital. Vamos sair com um
novo segmento produtivo. Fortalecer o polo de componentes para atender as indústrias do PIM
e do restante do país.
Não avançamos mais pela insegurança jurídica, pela posição que as autoridades federais
tinham em relação ao modelo e,
sobretudo, pela política do governo com o propósito de não
dar mais incentivos porque deveríamos comprar de onde vendesse mais barato. O resultado
foi isso: comprávamos mais barato da China e ficamos dependentes dela. Essa éagrande
oportunidade. Nossas lideranças empresariais e políticas deveriam perceber e já está se preparando. Nós temos tudo para
fazer e está tudo pronto. Basta
deixar a gente produzir e atender o mercado.
Vamos ter necessariamente um novo polo industrial?
Não. Será uma versão fortalecida
se nós soubermos aproveitar o
ensejo. Obviamente a realidade
e as razões que tínhamos quando o PIM foi criado eram outras,
mas a natureza eopropósito era
similar substituir importações
que na época o país não detinha
tecnologia e acabava importando tudo de fora. Aprendemos
nesse tempo muita coisa e podemos ter um polo dedicado à substituição de importações, mas
com mecanismos para evitar
ineficiências que gerem aumento demasiado (preço) do produto
para o consumidor. Há vários
mecanismos que podem ser utilizados para permitir isso. O
mercado livre é sempre muito bom, mas um mercado que priorize produtores nacionais, que
dê algum tipo de vantagem para
quemproduznaturalmente.
De que forma isso pode ser feito?
Legislação, canais de distribuição, linhas de produção organizadas, expertise gerencial, mão
de obra treinada temos. Talvez
organizar linhas de financiamento específico para ampliação de escalas e a aperfeiçoar
processos. Não saberia lhe dizer
que tipos de medidas poderiam
ser vistas, mas entendo que o
que precisa já temos e mais ainda porque temos um polo digital
surgindo em conexão com o polo industrial.
O PIM tem capacidade para produzir em larga escala equipamentos essenciais no combate ao coronavírus como EPIs e respiradores?
Não tenho dúvida que as sementes disso estão prontas tanto o
respirador quanto outros EPIs
desenvolvidos pelas nossas empresasdo segmento termoplástico que produzem baseadas na
injeção plástica, não necessariamente com impressora 3D. É necessário que nossas lideranças
percebamessa oportunidade estratégica que estamos vivendo.
Como o senhor avalia a capacidade produtiva do PIM hoje?
O segmento de bens de informática, eletroeletrônico, duas rodas seguirão tendo destaque,
porém outros começarão a ganhar espaço. Por exemplo, o termoplásticoeo polo de produção
de medicamentos. Vamos supor
que venhamos a produzir amanhã de forma maciça a cloroquina e hidroxicloroquina, está tudo pronto. O polo de bens associados à saúde, equipamentos,
materiais de demanda do segmento da saúde podem ser atendidas pelo PIM sem problemas.
O nosso polo industrial tem capacidade, escala para fazer e as
nossas linhas de produção se
adaptam de forma imediata.
O modelo após a pandemia
de coronavírus pode
encolher?
Muito pelo contrário, éagrande
oportunidade para ZFM de se
tornar relevante até pelo surgimento do polo digital, uma conexão, parceria que vai ter que
existir em todo tipo de produção
a partir daqui. Produção baseada em impressão 3D vamos ter
bastante a partir daqui por causa dos experimentos feitos durante o coronavírus.
Segundo o Sindicato dos Metalúrgicos do Estado nos meses de fevereiro e março foram registradas 1,6 mil demissões no PIM. Esse número tende a aumentar?
Naturalmente vai ter um crescimento, mas será muito pequeno
em relação à dimensão da crise
que se vê lá fora. Os empresários avaliam que no retorno vão
ter um mercado que estará demandante. Ademais o governo
criou mecanismos para que as
empresas pudessem manter os
seus funcionários. É importante
reduzir carga horária e salários proporcionalmente para não gerar desemprego. Devemos esperar algum tipo (demissões), sobretudo as empresas menores
que não conheciam os recursos
do governo. Nada que vá criar
um impacto muito grande em
relação ao futuro.
Com as linhas de produção mais enxutas e a redução de quadros. Como reinserir esses profissionais no mercado de trabalho?
Essa é uma boa demanda e não
vai acontecer apenas no segmento industrial. Vamos passar
a ter uma vida digital na sociedade. Está em curso um processo de interação com a realidade
mais virtual. Todos aqueles que
têm dificuldade de vivenciar o
digital vão precisar de uma readequação. Isso vai trazer a necessidade de encontrar novas
ocupações para esses segmentos que certamente vão ser atingidos. Uma reorganização do
que fazer na sociedade como um todo. Desafio posto para
sociedade como um todo e não
apenas para indústrias.
Quais investimentos serão
necessários para manter a
produtividade nas linhas
com menos mão de obra?
Investimento em automação.
Novamente uma onda nova de
automação,umanova frentede
inovaçãoetecnologia, sobretudo, considerando as contribuições que vem do segmento digital. O PIM já tem um nível de
automação, mas terá mais
ações nesse campo e me refiro
a inovação tecnológica. Outros
tipos de inovações podem ajudar as empresas a aumentar a
produtividade mantendo o
mesmo quadro depessoal.
No período da recessão que
se anuncia as empresas vão
estar em dificuldades. Os
incentivos fiscais da ZFM
nesse ambiente podem
atrair investimentos para o
Estado?
Se o PIM se consolida, de fato,
nesse novo cenário com essa
característica não tenho dúvida que terá a atração de empresas. A partir daí para uma
empresa internacional, que
exporta para o mercado brasileiro, entrar nesse mercado
teria que vir produzir aqui.
Que cuidados devem mudar?
Empresas terão
que fazer investimentos na
prevenção e saúde dos
trabalhadores?
Não só nas empresas. Em toda
sociedade passa ser uma realidade.A saúde que era uma coisa muito periférica na própria
agenda dos governos assumiu
o centro do palco. Verificamos
queumdesequilíbriona saúde
podecausaressetranstornode
naturezamundialqueestamos
vendo e isso vai passar a ser o
novonormalna sociedade.
Como o senhor avalia as medidas que estão sendo adotadas pela indústria?
Destaco a união dessas em presas. Antigos concorrentes
se uniram de forma rápida e
desenvolveram protótipos e
soluções. Estão muito proativas, solidárias e parceiras do
governo federal e estadual
tanto em sugerir medidas
quanto atender às demandas,
em não fazer demissões e não
deixar o mercado brasileiro
desabastecido.
O país imerso em uma nova crise, desta vez de origem sanitária, é o momento de maior ou menor interferência do Estado?
Quando o Estado injeta na economia algo próximo de 10% do
PIB é natural que tenha uma
participação muito maior, nesse momento, e é basicamente
introduzir liquidezedarsuporte aos mais fragilizados. Tem
uma forma de intervir na economia muito mais nobre: investir em obras de infraestrutura.OuoEstadopróprioinvestindo ou resolvendo esses gargalos burocráticos para permitirquehajaumaportederecursosinternacionaisnasobrasde
infraestruturanopaís.
As medidas anunciadas e adotadas pelo governo federal serão necessárias para retomar o crescimento econômico?
A demora em organizar, as reticências em fazer estão causando o desconforto. É preciso
dar efetividade ao que já está
planejado e visibilidade asmedidas que já foram tomadas.
As outras que vão acontecer,
estão sendo cogitadas, acredito que talvez estejam mais no
âmbito do tempo que vão perdurar as medidas já tomadas.
As autoridades federais fizeram isso com uma visão muito
curta de três meses, avalio que
vai ser preciso ampliar um
pouco mais, não sei se todas.O
coronavírus trouxe a tona a
grande fragilidade social que
o Brasil tem. Se estamos buscando um mercado de consumo de massa não podemos
conceber uma situação dessa.
A desigualdade monstruosa
que temos no país vai ter que
fazer parte da conta nessa retomada pós-coronavírus.
Quando tempo levará para o país retomar o crescimento econômico?
Uma previsão muito irresponsável se eu fizesse. Não temos definição clara de como vamos debelar a crise sanitária. Para isso precisamos de quatro variáveis: sistema de saúde robusto apto para enfrentar a crise, recursos para tratar a doença, dados que nos permitem customizar as medidas de prevenção e o processo de retomada e a vacina. Arrumar essas variáveis permite dizer de fato quando nos vamos sair da crise. Não precisamos sair definitivamente de tudo para começar a retomada. Vamos passar dois, três meses sofrendo os efeitos do que já está posto, mas a minha expectativa é que não passamos disso. Vamos estar saindo da crise sanitária e começar a vê os efeitos da parada econômica, nos meses de março e abril, e uma sensação de que as coisas estão ruins, mas na verdade já estaremos na retomada.