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Como engatar a quarta marcha na indústria

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06/06/2019

Artigo publicado pela Revista Exame

A análise de dados para auxiliar os gestores na tomada de decisões é, talvez, uma das soluções mais promissoras da indústria 4.0, ou Quarta Revolução Industrial — o avanço no sistema produtivo propiciado por tecnologias digitais, como inteligência artificial e internet das coisas. Não à toa, o cargo de cientista de dados tem figurado em diversos levantamentos como um dos talentos mais desejados pelas empresas.

A siderúrgica Gerdau é uma das companhias que enxergam a importância dessa função. Em 2017, ela resolveu montar um modelo analítico para prever o custo de um insumo usado na fabricação de aço. Foram levadas em conta diversas variáveis, de condições climáticas a informações sobre o mercado. O projeto, no entanto, não teve sequência. “O profissional que operava o modelo limitou seu uso à validação de um resultado que ele já enxergava antes”, diz Gustavo França, gerente geral de TI e digital da Gerdau. “Isso nos mostrou que não adianta investir em tecnologia se não temos pessoas preparadas para lidar com as novas ferramentas.” Na companhia, em média, apenas duas em cada dez iniciativas relacionadas à indústria 4.0 ganham escala e dão um retorno financeiro significativo.

Esse não é um problema só da Gerdau — tampouco é uma característica exclusiva das indústrias brasileiras. Segundo uma pesquisa da consultoria McKinsey, obtida com exclusividade por EXAME, apenas 30% das empresas conseguem, de fato, superar a fase de teste das soluções tecnológicas e implementá-las de maneira definitiva. As ferramentas da indústria 4.0 incluem recursos como realidade aumentada, modelos analíticos e automação de máquinas, a exemplo dos veículos autoguiados. O estudo levou em conta as respostas de mais de 700 empresas de Alemanha, Brasil, China, Estados Unidos, França, Índia e Japão.

Para Henrique Ceotto, sócio da McKinsey, três entraves dificultam o processo de transformação digital das empresas. “Existe uma falta de clareza sobre os problemas a ser resolvidos”, diz Ceotto. “Há uma visão inocente de que basta comprar e implementar a tecnologia, e, consequentemente, não se investe na capacitação de funcionários.” Para ele, é comum que empresas selecionem os gargalos a ser trabalhados com base apenas em análises qualitativas. Mas o impacto das soluções deve ser medido principalmente de forma quantitativa. Além disso, a tecnologia não deve ser entendida como um fim em si mesmo. “As soluções de hoje são vivas, com melhorias e desenvolvimentos constantes”, afirma o consultor. “Como elas vão se tornar desatualizadas em algum momento, é necessário um envolvimento da empresa no sentido de colaborar para sua evolução.”

Há, no entanto, algumas saídas para as empresas apostarem com mais segurança nas opções da indústria 4.0. A fabricante de caminhões Scania, que inaugurou em agosto uma unidade com tecnologias de automação e informação em São Bernardo do Campo, no ABC paulista, tem por hábito monitorar de perto a rentabilidade de cada solução. “Antes de a empresa tomar qualquer decisão de investimento, cada caso é pensado, repensado e questionado”, diz Christopher Podgorski, presidente da Scania na América Latina. A companhia conta com um laboratório onde as ideias são desenvolvidas e testadas. Muitas vezes, o processo de decisão depende, inclusive, de uma consulta à matriz da empresa, na Suécia. Mesmo assim, existem diferenças entre as operações.

Segundo Podgorski, alguns processos que já são automatizados por lá ainda não o foram por aqui, por questões inerentes ao negócio no Brasil. Além disso, a Scania na Suécia aderiu à figura do chief digital officer (CDO), principal executivo de digitalização, posição que vem surgindo em empresas preocupadas com a transformação digital. “Ainda não tomei a decisão de ter um CDO”, diz Podgorski. “A contratação vai acontecer, mas não atingimos a maturidade necessária para isso.”

A responsabilidade pela implementação da indústria 4.0 é um fator de preocupação para as organizações. A mesma pesquisa da McKinsey aponta que, no Brasil, 43% das empresas acreditam que a transformação deva ser capitaneada pelo presidente. É a maior porcentagem entre os países pesquisados — no Japão, com um índice de 20%, o mais baixo do estudo, a crença é que a tarefa deva ser partilhada com outros níveis hierárquicos. Para a ZRG, especializada em recrutamento de executivos, não basta o envolvimento da alta liderança. “É preciso ter um apoio forte de cima, mas o engajamento deve chegar ao chão de fábrica”, diz Nate Frank, um dos diretores da ZRG. “Na transformação digital, não se pode simplesmente dar ordens de cima para baixo e esperar resultados.”

Soluções adequadas

Também diretor na ZRG, James Aslaksen diz que, para uma adesão bem-sucedida aos preceitos da indústria 4.0, o executivo precisa ter um bom nível de autoconfiança e um ego bem controlado. São, possivelmente, duas características de Jeffrey Immelt, que deixou a presidência da GE em julho de 2017, depois de 16 anos liderando a multinacional americana. Em março, Immelt publicou um artigo na revista de negócios do Instituto de Tecnologia de Massachusetts refletindo sobre os aprendizados como líder na GE em tempos de transformação digital. Segundo ele, a indústria 4.0 é o desafio mais complexo e crítico de toda empresa industrial — e nenhuma conseguiu (ainda) realizar a mudança com sucesso.

Jeffrey Immelt, ex-presidente da GE: a transformação digital é o desafio mais crítico | Germano Lüders

Immelt define a transformação como um processo para a geração de novos valores com a conexão de ativos físicos e digitais por meio de dados, algo que exige a criação de ecossistemas para tornar isso possível. Nesse contexto, uma organização não deve se deixar levar pela excitação que uma ferramenta tecnológica pode causar nem adotá-la sem antes verificar se é ou não adequada a seu modelo de negócios.

Adepta da indústria 4.0 desde 2015, a construtora MRV já se viu nessa situação. “Muitas vezes, a coisa não dá certo porque a expectativa de usabilidade não se mostra efetiva”, diz Flávio Vidal, gestor executivo de inovação da MRV. “É bom ser entusiasta das soluções. Sou entusiasta da impressão 3D, mas não dá para achar que amanhã vamos implementar isso aqui. É preciso ter uma percepção do que é tendência para o futuro e quais ferramentas podem ser usadas agora.” É importante, porém, buscar um equilíbrio. Segundo Vidal, as premissas da MRV para a transformação digital são aumento de produtividade e redução de custos, sem perder de vista as ofertas mais disruptivas do mercado.

Para obter ganhos com a transformação digital, a McKinsey sugere que as empresas tenham foco em três pontos. O primeiro é entender que tecnologia é apenas um item de um tripé da mudança, que deve incluir estratégia de negócio e cultura organizacional. O segundo ponto é a fixação de prioridades, que devem considerar o impacto — é preciso definir as metas do negócio e trabalhar os fatores necessários para atingi-las. Por fim, é essencial entender a importância das pessoas. As soluções da indústria 4.0, com frequência, não decolam porque os funcionários não compreendem os dados obtidos pelas máquinas (ou não confiam neles). Além disso, ainda que, segundo estudos, 60% dos empregos atuais sejam passíveis de automação, o processo deve levar décadas. Até lá, a Quarta Revolução Industrial deverá ser feita por humanos.

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