14/11/2018
Notícia publicada pelo site Amazonas Atual
Os incentivos fiscais,
a mão de obra barata e o
modelo de produção baseado na importação de insumos e
montagem de produtos atraem os investidores chineses para
Manaus, revela a tese de doutorado de Cleiton Ferreira Maciel Brito. Intitulada ‘Made in China/Produzido no Polo Industrial
da Zona Franca de Manaus: o trabalho nas fábricas chinesas’,
a pesquisa foi defendida no Programa de Pós-Graduação em
Sociologia (PPGS) da UFSCar (Universidade Federal de São
Carlos), sob orientação do professor Jacob Carlos Lima, do
Departamento de Sociologia (DS).
Desenvolvida com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado do Amazonas (Fapeam), a tese analisou as formas
organizacionais utilizadas por quatro empresas chinesas da
ZFM. “A instalação de empresas chinesas no Brasil é
considerada recente, já que acontece a partir dos anos 2000.
Especificamente
nos setores de eletroeletrônicos e de duas
rodas, a ZFM era o principal destino dos investimentos
chineses no nosso País, principalmente por conta dos
incentivos fiscais,
da mão de obra qualificada
– com uma
expertise já formada no local –, e com salários um pouco mais
baixos se comparados a outras regiões do Brasil. Além disso,
as fábricas são atrativas por se congurarem
como uma forma
de se adentrar na Amazônia e colocá-la como objeto útil na
rota econômica e geopolítica da China”, contextualiza Brito.
O estudo revelou que, com o passar dos anos, os chineses
introduziram formas organizacionais peculiares, diferentes do
que vinha sendo observado nas fábricas de capital norteamericano,
europeu e japonês já instaladas na ZFM. “De
modo geral, os chineses mantiveram a linha do padrão de
produção estabelecida anteriormente no local: importação de
insumos, aumento da robotização e miniaturização e redução
de postos de trabalho na linha de produção”, diz Cleiton
Maciel Brito.
No entanto, a maioria dos cargos de gestão do trabalho
presente nas empresas instaladas em Manaus passou a ser
ocupada pelos próprios chineses, que se deslocam para a
cidade e por lá cam
por um período mínimo de dois anos.
“Além disso, em momentos de crise, percebe-se que os
expatriados são privilegiados, enquanto que os trabalhadores
locais são mais facilmente demitidos. Também há a
predominância de mão de obra masculina. Nas quatro fábricas
analisadas, destaco como semelhanças a gestão de
importação, a política de expatriação e a forma técnica da
gestão da mão de obra”, aponta o pesquisador.
‘Taylorismo chinês’
Ao mapear o trabalho dessas fábricas, a tese demonstra a existência do que Brito chamou de ‘taylorismo chinês’ na ZFM e revela a percepção desse sistema pelo olhar dos trabalhadores locais, sindicatos e expatriados chineses. “O ‘taylorismo chinês’ se caracteriza por ser uma gestão mais técnica e menos participativa, chamada, pelos chineses, de uma política de ‘no feelings’. No lugar de uma política de produção de colaboradores, que tinha sido realizada nas fábricas locais sob inuência da gestão japonesa, os chineses introduziram a produção de operadores. Há, nesse sentido, uma hierarquia rígida, numa gestão ‘técnica’ voltada para a produção, e não nos marcos da ‘aprendizagem organizacional’ ou com uma esfera relacional. Além disso, os chineses ‘territorializam’ os espaços onde se instalam, ou seja, expandem seu território produtivo e sua produção, sem haver um ‘desenraizamento’”, Maciel Brito.
Brito pondera, no entanto, que essa é uma tendência mundial
das empresas chinesas, e não exclusiva da ZFM. De modo
geral, algo que une todas as ‘pequenas Chinas’ espalhadas
pelo mundo – termo utilizado pelo pesquisador para se referir
às empresas chinesas implantadas em países da Europa,
África e no próprio Brasil – é justamente o fato de haver um
controle das matrizes sobre as subsidiárias. “Em todas essas
empresas, vemos uma política de expatriação, a importação
como centro da empresa, a ocupação por chineses de cargos
mais importantes. São formas de controlar a própria
globalização à chinesa, mas que toma formas distintas em
cada país. No caso do Brasil, há o intuito de tê-lo, a longo
prazo, como uma plataforma de exportação para outros
mercados do continente americano”, analisa ele.
O estudo também constatou que os chineses oferecem menor
média salarial e menores benefícios aos trabalhadores na
Zona Franca de Manaus. “Não há um descumprimento das
normas salariais, mas podemos dizer que os chineses
concedem apenas o que manda a lei, sem avançar na
emulação de trabalhadores e consequentemente na parte da
motivação, o que mostra que eles são bem pragmáticos. Eles
não abrem brechas para conversas, diálogos, participação e
premiações. Os trabalhadores mais qualicados,
por exemplo,
reclamam que suas ideias não são acatadas – têm aceitação se
apresentadas sob a ‘assinatura’ de um chinês”, enfatiza Brito.
Segundo o pesquisador, os resultados não condizem
exatamente com uma visão mais crítica emitida por
representantes sindicais de Manaus: “No geral, a opinião nos
sindicatos é a de que havia alta precarização nessas fábricas,
inclusive com não pagamento de salários, agressões físicas e
verbais etc. Mas não foi o que observamos. Na verdade, é
difícil falar que os chineses, na ZFM, ‘precarizaram o
trabalho’, no sentido que o termo implica na Sociologia. Mas eles, sim, introduziram um intenso processo de taylorização
do trabalho e de tecnicização da produção”.
Expatriados
Outro dado importante da pesquisa diz respeito aos
expatriados residentes na ZFM, que são fruto de um modelo
de produção de duas faces: exercem o controle, ao mesmo
tempo em que são controlados. Por um lado, é uma espécie de
conquista para eles estar fora da China, poder enviar dinheiro
à família e ocupar um cargo de alta remuneração. No entanto,
eles se sentem controlados por todos os meios – desde o
momento em que adentram a fábrica, até quando saem e vão
para seus apartamentos.
“Os expatriados não saíram da chamada política de
dormitório ao qual estavam submetidos na China, que
consiste em enxergar o trabalho como parte de toda a sua
vida, inclusive dormindo no mesmo ambiente. A expatriação,
portanto, pode ser encarada como a expansão global da
política de dormitórios que se vê na China; essa política, na
ZFM, apenas se reinventa”, explica o pesquisador.
Brito relata que, em Manaus, os chineses residem em
apartamentos, onde cam
horas, diariamente, preenchendo
formulários e dando feedbacks às matrizes, além de não
poderem trazer familiares para morar naquele ambiente. “Há
um isolamento que os aige
e isso diferencia a China de
políticas clássicas de expatriação, quando o morar com a
família é um elemento chave para convencer alguém a ir para
o exterior. Na China, a concorrência é tamanha que o processo
joga a favor das empresas, e não dos expatriados. É uma
dualidade, portanto, que se expressa em oportunidade e
sacrifício”, avalia.
Os resultados da tese foram obtidos por meio de entrevistas,
com questionários padronizados destinados às empresas, aos
sindicatos e aos diretores da ZFM. Além disso, foi utilizado o
método ‘Guanxi’, considerado pelo pesquisador como um
diferencial para a obtenção dos dados mais especícos.
“Este
termo se refere à formação de uma relação de amizade entre
duas pessoas e que implica em comprometimento e troca de
favores entre elas. É um método que tem sido utilizado por
pesquisadores internacionais e, no meu caso, me levou a um
processo muito emocionante, pois tive contato com a cultura
local e com os trabalhadores e suas rotinas”, relata.
Os resultados da tese foram obtidos por meio de entrevistas,
com questionários padronizados destinados às empresas, aos
sindicatos e aos diretores da ZFM. Além disso, foi utilizado o
método ‘Guanxi’, considerado pelo pesquisador como um
diferencial para a obtenção dos dados mais específicos.
“Este
termo se refere à formação de uma relação de amizade entre
duas pessoas e que implica em comprometimento e troca de
favores entre elas. É um método que tem sido utilizado por
pesquisadores internacionais e, no meu caso, me levou a um
processo muito emocionante, pois tive contato com a cultura
local e com os trabalhadores e suas rotinas”, relata.
A pesquisa de Brito foi premiada, na área de Sociologia, com
Menção Honrosa pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), divulgada no dia 1º de
outubro. Para o autor, a conquista do prêmio é coletiva e
recompensadora. “A transformação do pensamento em
análise somente tem sucesso em função de instituições,
ambiente e pessoas. Este é um prêmio compartilhado e que
nos enche de orgulho”, ressalta ele.
Agora, Brito já está desenvolvendo um projeto de pós-doutorado com o propósito de investigar a relação entre a emergência global da China e suas implicações para a Teoria Social. “A pesquisa de doutorado revelou uma lacuna explicativa nos estudos tradicionais sobre a globalização, pois indica formas chinesas de expansão que não se ‘encaixam’ nos modelos tradicionais da Teoria Social dos processos globais. Assim, minha próxima investigação visa indicar quais são esses desencaixes teóricos e como eles podem apontar para uma teoria crítica dos processos globais sob o protagonismo da China”, finaliza.