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Cabotagem: caminho mais barato da carga bloqueado por burocracia, cartel e falta de planejamento

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20/05/2019

Notícia publicada pelo site Portos e Navios

O Brasil tem uma estrada de nove mil quilo?metros, onde na?o ha? engarrafamentos nem bloqueios de grevistas ou quase nenhuma restric?a?o de velocidade ou peso. Essa estrada passa perto de onde vive mais de 70% da populac?a?o e foi deixada pronta bilho?es de anos atra?s.

Se usada com regras racionais, poderia resultar numa economia superior a 80% em cada tonelada de produto transportado em relac?a?o ao custo desse mesmo item no transporte via caminha?o, veículo usado para levar 65% de toda produc?a?o nacional.

Mas a ine?rcia do poder pu?blico ao longo de anos fez com que os custos aportados no decorrer do tempo tornassem cara e ineficiente a opc?a?o por usar navios nas vias mari?timas e hidrovia?rias do pai?s para transportar mercadorias, o que ajuda a manter um cartel de tre?s empresas e impede o desenvolvimento do setor.

O resultado: somente 10% da carga do Brasil trafega por vias aquavia?rias, na chamada navegac?a?o de cabotagem.

Essas concluso?es fazem parte de um relato?rio ine?dito da SeinfraFerroviaPortos do TCU (Tribuna de Contas da Unia?o), obtido pela Age?ncia iNFRA com exclusividade. O trabalho dos auditores, que ainda esta? sob ana?lise pelo relator do processo, ministro Bruno Dantas, sem aprovação do plenário, durou quase um ano, ouvindo dezenas de te?cnicos e reunindo informac?o?es de mais de 20 estudos e levantamentos sobre o tema no Brasil e no mundo.

Ao longo do peri?odo de levantamentos, a Age?ncia iNFRA entrevistou uma dezena de te?cnicos e especialistas do setor de navegação que, de maneira geral, referendam no todo ou em partes as principais concluso?es a que chegou o relato?rio prévio, focado na a?rea de cabotagem de conte?ineres, por ser onde o problema e? mais grave. Sa?o elas:

– Falta uma poli?tica pu?blica para a cabotagem no Brasil, o que deveria ser uma func?a?o do governo;

– Apesar de a lei obrigar a ter custos iguais, a navegac?a?o de cabotagem tem custos superiores a? navegac?a?o de longo curso (que leva ou traz cargas do exterior), especialmente no item mais significativo de custo para o transporte, o combusti?vel;

– Na?o ha? competic?a?o na cabotagem de conte?ineres, e a responsa?vel por desenvolver isso, a ANTAQ (Age?ncia Nacional de Transportes Aquavia?rios), na?o fomenta a competic?a?o;

– A burocracia dos o?rga?os pu?blicos, especialmente da Receita Federal, impede o uso da multimodalidade, o que prejudica ainda mais o setor.

Crescimento

Mesmo com todas essas dificuldades, o volume de carga transportado por cabotagem no Brasil cresce a taxas superiores a dois di?gitos desde o ini?cio da de?cada, de acordo com dados da ANTAQ.

O volume transportado saiu de 127 milho?es de toneladas ano para 163 milho?es de toneladas ano, entre 2010 e 2018. Nos contêineres, o volume sai de 5,3 milhões de toneladas para 13,5 milhões no mesmo período. Mas não houve ganho em relação ao todo, e o percentual sobre o total transportado no país continua variando pouco ao redor dos 10%.

O benefício de um maior uso da cabotagem, especialmente de contêineres, seria reorganizar o sistema de transporte, fazendo com que caminhões pudessem levar cargas em distâncias mais curtas, de até 400 quilômetros, o que é considerado o adequado para esses veículos e que dá mais rendimento e menos desgaste ao caminhoneiro.

“Assim ele pode dormir em casa”, costuma repetir o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, quando trata desse tema.

Nos próximos dias, o governo promete anunciar um pacote de medidas para o setor de cabotagem, que vai incluir inclusive propostas de alterações legislativas, com o objetivo de turbinar esse meio de transportes e alcançar a meta de dobrar o percentual de produtos transportados por cabotagem no país, chegando a 20% do total transportado, em 4 anos.

Custos mais baixos

O desenvolvimento do come?rcio no mundo aconteceu pela navegação, que ampliou o processo de troca entre cidades e aumentou as possibilidades de crescimento das nac?o?es.

O menor gasto energético para vencer o atrito no mar em relação à terra sempre fez com que o custo do transporte marítimo fosse mais baixo, seja na comparação com caminhões, carruagens, burros ou camelos.

Milhares de anos se passaram e os custos de navegar continuam sendo mais baixos, principalmente para cargas que sa?o transportadas por mais de 1,5 mil quilo?metros.

No trabalho do TCU, os auditores apontam que uma tonelada de produtos levada de Bele?m (PA) para Sa?o Paulo (SP) custa R$ 596, se for por caminha?o. De navio, mesmo com o uso de um trecho de caminha?o entre as cidades de Santos e Sa?o Paulo, o custo cairia para R$ 325.

E? claro que todos pagamos essa conta. Um estudo do Ilos, um instituto que trabalha dados de transporte, mostra que o pai?s tinha um custo de transporte me?dio de 7,1% para suas cargas. Nos EUA, escolhido como comparação por ter extensão territorial semelhante, esse custo era de 4,8%. O trabalho e? de 2013.

Ha? estimativas de que ja? estejamos a caminho dos 10%. Na prática, isso significa que, na média, de cada R$ 100 que você gasta, R$ 10 são para pagar o transporte. Deveria ser R$ 5.

Uma estimativa feita pela CNA (Confederac?a?o da Agricultura e Pecua?ria do Brasil) aponta que uma carga saindo de Sorriso (MT) com destino a Santos (SP) ou Paranagua? (PR), pelo modal rodovia?rio, gastaria, em me?dia, US$ 126 ate? o porto de despacho, enquanto por navegac?a?o de cabotagem, via Miritituba (PA), o valor seria de US$ 80.

Segundo a Federac?a?o de Agricultura e Pecua?ria do Para?, 95% do cacau que e? produzido no estado e? transportado para a Bahia, por mais de dois mil quilômetros via rodovias. A federação informa que os prec?os da cabotagem, mesmo saindo do porto de Miritituba (PA), sairiam mais caros que o transporte por estradas. Ou seja, mesmo o custo estimativo sendo menor que do caminhão, o preço final ao consumidor acaba maior.

Alumínio por cabotagem

Ha?, contudo, cadeias de grande porte no pai?s que se utilizam da navegac?a?o de cabotagem, como e? o caso do alumi?nio. Da extrac?a?o da bauxita nas principais minas no Norte do pai?s à parte das chapas que va?o virar as latinhas de cerveja do fim de semana, ha? transporte por vias aquavia?rias, “avaliadas de forma satisfato?ria pelos clientes”, de acordo com Luiz Fernando Resano, vice-diretor do Syndarma (Sindicato Nacional das Empresas de Navegac?a?o Mari?tima).

Por que ha? clientes satisfeitos e insatisfeitos com o setor? Para Resano, o que explica o problema e? o tipo de carga e a comparac?a?o com os prec?os praticados por navios estrangeiros em navegac?a?o de longo curso que passam pelo Brasil, que só podem fazer o transporte de produtos nacionais se obedecerem a regras rígidas, que serão detalhadas adiante nesta reportagem.

Para ele, o transporte por cabotagem tem que ser comparado com o custo do transporte por caminha?o. Mas o que se faz, em geral, e? comparar com o custo do transporte de navio internacional.

E? nesse ponto que reside um dos principais achados da auditoria do TCU sobre o que impede a maior competitividade do setor: a falta de isonomia entre o transporte de longo curso e de cabotagem, especialmente na compra de combusti?vel.

O custo de combusti?vel de uma viagem, a depender do prec?o do frete e do combusti?vel na época, pode variar de 40% a 60% do total dos custos. Por acordos internacionais, os navios estrangeiros que navegam por aqui na?o pagam impostos sobre os combusti?veis. Os navios que operam na costa brasileira pagam.

“Se voce? coloca 18% de ICMS nesse custo de combustível, é um impacto significativo”, lembra Resano, apontando que ha? incide?ncia ainda de impostos federais para as empresas nacionais.

Para piorar, desde a greve dos caminhoneiros de 2018, quando o governo comec?ou, de alguma maneira, a subsidiar o prec?o do diesel dos caminho?es, a diferenc?a ficou ainda pior em relação ao combustível da navegação, chamado Bunker, o que cria mais desincentivos para o uso da cabotagem, que paga os custos internacionais do combusti?vel, mais os impostos.

O combusti?vel mais caro na?o e? o u?nico problema de disparidade de prec?os entre os navios de empresas nacionais e os de bandeira estrangeira. Os estrangeiros que por aqui circulam na?o precisam cumprir as mesmas regras trabalhistas e ambientais, por exemplo. Enquanto aqui no Brasil uma equipe no navio trabalha 6 meses por ano, um estrangeiro pode trabalhar os 12 meses.

Sem contar que estrangeiros e brasileiros reclamam de outros custos elevados no Brasil, em especial o da praticagem, que é são as embarcações que apoiam as manobras dos navios nos portos.

Uma sai?da encontrada por algumas empresas foi criar offshores de navegac?a?o no exterior para fugir da legislac?a?o brasileira que rege as EBN (Empresas Brasileiras de Navegação) e dos custos mais elevados. Foi o caso da Vale do Rio Doce, quando privatizada.

Eliana Zacca, assessora te?cnica da Federac?a?o da Agricultura do Pará, diz que ha? ainda o problema da reserva de mercado para a construção naval, que dificulta a aquisição de navios.

“Quando voce? compra um navio na China, é 50% mais barato e entrega em um ano. Aqui e? mais caro e leva dois anos para receber”, disse. E nem sempre recebe. A Log In teve que abandonar encomendas de navios no Brasil e comprar navios chineses para ampliar sua frota. Um navio novo está chegando neste ano.

Lei determina isonomia

O relato?rio do TCU lembra que a Lei 9.432/1997 determina que o pai?s deve dar tratamento isono?mico a? navegac?a?o de cabotagem em relação aos navios de longo curso. A mesma lei é a que define que a cabotagem so? pode ser feita por empresas e navios nacionais. A de longo curso e? aberta a empresas e navios estrangeiros.

Mas faz sentido manter essa reserva de mercado quando seria possi?vel abrir a concorre?ncia?

Essa e? das poucas unanimidades do setor mari?timo em que a resposta e? sim. Em recente reunia?o para tratar do tema na CTLog (Ca?mara Te?cnica de Logi?stica e Transportes) do Ministe?rio da Agricultura, Pecua?ria e Abastecimento, o representante da CNA, Antônio Fayet, concordou que a protec?a?o a? navegac?a?o nacional e? necessa?ria.

De acordo com o relato?rio do TCU, 80% das linhas costeiras dos pai?ses da ONU (mais de 90 nações) te?m regras para protec?a?o de sua marinha mercante. Nos EUA, o Jones Act, lei que protege a cabotagem deles com regras mais restritivas que as do Brasil, vai completar 100 anos.

Ter navios pro?prios e? a forma que os pai?ses encontram para garantir o transporte mais barato via mari?tima, sem estarem totalmente dependentes de poucos conglomerados internacionais de navegac?a?o, flagrados com certa frequência em pra?ticas anticompetitivas por o?rga?os de regulac?a?o ao redor do mundo.

Isso ocorre porque e? fa?cil tirar um navio de uma região e leva?-lo para outra onde o faturamento esta? maior no momento. Afinal, o mar na?o tem muros. No setor aéreo, a cabotagem é 100% restrita no Brasil. Aviões em viagens do exterior não podem transportar qualquer pessoa ou mercadoria enquanto passam no território nacional.

Para o Brasil, no caso da navegação, a questa?o da proteção e? ainda mais relevante. Mais de 80% do come?rcio mari?timo esta? no eixo norte-norte, entre as nações desenvolvidas da Europa e da América do Norte, e entre essas e os países asiáticos.

“Somos ponta de linha”, alerta Resano, do Syndarma.

O secreta?rio nacional de Portos do Ministe?rio da Infraestrutura, Diogo Piloni, diz que o governo na?o e? contra mais abertura para o mercado de cabotagem, mas acredita que isso deve ser feito com precauc?a?o. O maior receio demonstrado pelos agentes do governo e? que o pai?s fique sem capacidade de transporte marítimo, caso se abra totalmente o mercado para estrangeiros.

“Em transporte, caro mesmo e? na?o ter”, disse Piloni.

O exemplo do passado mostra que essa protec?a?o aos estaleiros e empresas de navegação nacional, contudo, precisa ser bem calibrada. Por duas vezes em quatro décadas ela resultou em escândalo de corrupção.

Histo?rico da Navegação

Mesmo sendo um grande exportador de commodities desde o se?culo XIX, o Brasil tinha uma frota mercante incipiente. A partir da de?cada de 1950, a criac?a?o do FDMM (Fundo de Desenvolvimento da Marinha Mercante) comec?a a fomentar o desenvolvimento da navegac?a?o e da construc?a?o naval.

Pela lei que criou o FDMM (3.381/1958), o fundo deveria “ser aplicado na reposic?a?o e ampliac?a?o da frota das empresas de carga geral, em investimentos e em financiamentos destinados a? construc?a?o e ampliac?a?o dos estaleiros de construc?a?o naval”.

O boom do setor veio no ini?cio dos anos 70, mas as crises do petro?leo e da di?vida externa tiraram a competitividade dos estaleiros nacionais. A soluc?a?o encontrada foi atrave?s de subsi?dios, que viraram esca?ndalo de corrupc?a?o na de?cada de 1980, na enta?o Sunaman (Superintende?ncia Nacional de Marinha Mercante), já extinta.

No governo Collor (1990-1992), foi autorizada uma abertura radical do setor ao mercado estrangeiro, o que resultou em praticamente a extinc?a?o de uma frota nacional.

O resultado, em nu?meros, foi uma participac?a?o de navios de bandeira brasileira de apenas 23,4% em 1993, sendo a de navios pro?prios de mi?seros 8,2% do mercado nacional. A queda continuou nos anos seguintes. Em 1995, a participac?a?o de navios brasileiros foi de 7,6%, e caiu para 5,4% no ano seguinte. Na navegac?a?o de longo curso (entre pai?ses diferentes), a frota mercante brasileira reduziu em quase 50% entre 1986 e 1995.

Estaleiros na Lava Jato

A partir de 1998, o Congresso restabelece com a lei de 9.432/1997 a protec?a?o a? cabotagem nacional, reservando-a apenas a empresas e navios nacionais. Novamente, houve tentativa de fomento ao setor ao longo dos anos gordos de 2000, utilizando-se o agora remodelado FMM (Fundo da Marinha Mercante).

Mas, relembrando o caso Sunaman, os investimentos resultaram em esca?ndalos de corrupc?a?o, desta vez revelados pela Operac?a?o Lava Jato, que apontou corrupc?a?o na contratac?a?o de navios e sondas junto a estaleiros nacionais.

Com a crise provocada no setor, não houve a construção de navios em quantidade adequada para atender a? demanda por cabotagem, na opinia?o do diretor da Secretaria de Portos, Dino Antunes. Segundo dados do governo, ha? 17 navios de cabotagem nacional de conte?ineres no pai?s. Dezessete navios. Para Resano, no entanto, a quantidade de navios é a que atende ao mercado nacional e obedece a lei da oferta e da procura.

Obter navios na?o e? algo simples. Os estaleiros nacionais na?o conseguem entregar todas as encomendas, mesmo com a protec?a?o legal, além de seus prec?os serem mais caros que os dos principais concorrentes. E os navios comprados no exterior exigem pagamento de 50% do seu valor, a? vista, na nacionalização, como taxa de importac?a?o.

Dino Antunes, diretor da secretaria, diz que será necessa?rio alterar a lo?gica do FMM. Por ser um fundo constitui?do com recursos de clientes das empresas de navegac?a?o (que pagam uma taxa extra pelo frete para incentivar a manutenção e ampliação da frota), ele tem regras de uso que privilegiam a empresa de navegação que fez o frete.

Com isso, o fundo de R$ 10 bilhões acaba mantendo a lo?gica de concentrac?a?o do mercado, já que a empresa que faz mais frete tem mais disponibilidade de recurso para financiar manutenção e compra.

“Esse e? o nosso maior desafio. Que o fundo atenda o setor de construc?a?o, mas com foco na reduc?a?o dos custos da cabotagem”, disse Antunes.

Regulação inadequada

Os poucos navios de cabotagem circulando no país tambe?m decorre, na avaliac?a?o do relato?rio do TCU, de a ANTAQ na?o fomentar a competic?a?o entre operadores e na?o reprimir a concentrac?a?o de mercado na navegac?a?o de cabotagem de conte?iner.

“Embora tenha conhecimento de que o mercado e? dominado por tre?s empresas, a ANTAQ na?o produz regulamentac?o?es no sentido de fomentar a competic?a?o entre os operadores visando a desconcentrac?a?o de tal mercado”, escrevem os auditores.

A forma como essas tre?s empresas trabalham no Brasil da? a dimensa?o da concentrac?a?o. De acordo com o levantamento, a Alianc?a tem 50% do mercado. A empresa pertence ao grupo internacional Maersk, o maior operador de navegac?a?o do planeta.

Ainda segundo o relatório, a Alianc?a opera levando cargas, trazidas do exterior por navios do conglomerado Maersk, que ainda na?o foram desembarac?adas pela Receita Federal. Ou seja, a Maersk concentra a carga em um porto e a Alianc?a vai redistribuindo-a pelo pai?s. A pra?tica, legal, e? chamada de feeder.

A Mercosul Line, com 26% do mercado, faz o mesmo com as cargas da sua controladora CMA CGM, outra grande operadora internacional. A terceira empresa do mercado, a Log In, com 24%, de acordo com o trabalho, faz o restante das cargas. O restante não chega a 1%. Para o TCU, na?o existe competic?a?o nesse servic?o.

“Verificou a equipe que, nas navegac?o?es feeder, nas quais as empresas brasileiras transportam cargas de empresas controladoras ou parceiros comerciais estrangeiros, na?o existe, como regra geral, competic?a?o entre operadores brasileiros”, informa o texto, lembrando que o processo de verticalização está se ampliando, já que as empresas de navegação estão se tornando também operadoras de terminais portuários ao redor do mundo, fazendo com que o local para onde vão as cargas sejam de sua operação.

“Cada empresa tem seu nicho e atuac?a?o, baseado em contratos privados, que, por um lado, garantem carga a?s EBNs de cabotagem para prestar o servic?o ate? o ponto de destino e, por outro, limitam o prec?o praticado nos fretes na costa brasileira, em raza?o do volume de carga envolvido”, segue o relatório que recomenda aos ministros que, num prazo de 180 dias, determinem que a ANTAQ elabore um estudo para fomentar a competição no setor. A recomendação precisa ser referendada pelo plenário do TCU para ter validade.

A junção de custos elevados e concentração de mercado cria situações de fato inusitadas. O frete de uma carga transportada pela costa brasileira chega a custar de 7 a 10 vezes mais do que a mesma carga saindo de Xangai, na China, e vindo para o Brasil, de acordo com a CNA.

Um exemplo e? o o?leo de palma, que e? transportado a US$ 150 a tonelada do Para? a Sa?o Paulo, por meio do modal rodovia?rio. Pelo modal aquavia?rio, esse prec?o seria ainda mais caro, segundo a Confederação. A mesma mercadoria vinda da Mala?sia para o Brasil custa U$ 65 a tonelada.

Mercado não é atrativo, diz ANTAQ

Em nota à Agência iNFRA, a ANTAQ informou que destacou, em suas respostas ao TCU sobre a auditoria, que “no Brasil, ainda, na?o ha? um mercado atrativo para a navegac?a?o de cabotagem” e que os esforc?os da age?ncia promovem “adequada atratividade, melhores resultados e esti?mulo para outros grupos ingressarem no setor”.

A nota tambe?m fala sobre um dos aspectos apontados pelo TCU, a falta de uma poli?tica setorial, atribuic?a?o do governo, e que a “ANTAQ tem dado total prioridade ao desenvolvimento da navegac?a?o de cabotagem”, relembrando das resoluc?o?es editadas nos u?ltimos anos.

“Pode-se dizer a respeito das normas que elas foram dotadas de uma regulac?a?o ciru?rgica e refinada, praticamente sem barreiras de entrada, servindo de esti?mulo a?s empresas que efetivamente estejam investindo em frotas que arvorem bandeira brasileira, assegurando aos usua?rios do setor a prestac?a?o do servic?o adequado”, diz o texto.

Em recente audiência pública na agência, que tratava do tema de terminais portuários, o diretor-geral Mário Povia argumentou que a autarquia tem apanhado e que a regulação é muito incompreendida.

“É fácil taxar a agência de negligente quando em ela pode estar optando por não regular, seja pelo custo benefício da regulação, seja pela desnecessidade de regular. Não está dito em lugar nenhum que tem que regular tudo”, lembrou Povia dizendo que os recursos para a regulação são cada vez mais escassos no país. “Regulação é um processo que dura anos. A agência é nova ainda e estamos evoluindo.”

Concorre?ncia ruidosa

Obviamente que, com uma concentrac?a?o ta?o brutal, haveria de surgir concorre?ncia mesmo para um mercado que a agência considera “não atrativo”. Como a soluc?a?o na?o veio pelo governo, chegou pelo mercado, o que resultou numa ruidosa disputa que levou a cabotagem para as pa?ginas policiais, com abertura de inque?ritos para apurar possi?veis crimes por agentes públicos na ANTAQ.

A Lei 9.432/97 estabelece que as EBNs (Empresas Brasileiras de Navegac?a?o) podem afretar navios estrangeiros quando na?o houver ou estiverem indisponi?veis os de bandeira brasileira para cabotagem. Utilizando-se de embarcac?o?es herdadas de uma antiga companhia de seu pai, a Transnave, o empresa?rio Abraha?o Saloma?o, registrou uma EBN, a Posidonia Shipping.

A partir dessa EBN e de sistemas de alta capacidade de informac?a?o, comec?ou a operar fazendo cabotagem também com navios estrangeiros que esta?o passando no pai?s em regiões onde ha? cargas para serem transportadas. É a chamada consolidação de carga, uma espécie de Uber do transporte marítimo. Mas os concorrentes chamam de “empresa de papel”.

A fo?rmula resultou em forte pressa?o das companhias estabelecidas contra o que eles chamam de concorre?ncia desleal e desrespeito a? Resoluc?a?o Normativa 01/2015 da ANTAQ, que estabelece as normas para a cabotagem no pai?s. A Posidonia comec?ou a ter suas cargas impedidas de trafegar e entrou com denu?ncias em o?rga?os como MPF, Cade e TCU.

Uma das denu?ncias tornou-se um inque?rito da Procuradoria Federal no Rio de Janeiro que apura se houve crimes de servidores da ANTAQ em atos adotados pela age?ncia contra a empresa. Ate? o momento, na?o houve denunciados a? Justic?a no caso.

Um depoimento de um dos diretores da agência, Adalberto Tokarski, referendou que havia pressão contra a empresa, no que foi retrucado pelo atual diretor-geral, Mário Povia, alegando esse que os servidores estavam cumprindo com o que determina a lei.

No TCU, a análise da denúncia resultou em uma medida cautelar do ministro Bruno Dantas restringindo a ANTAQ de aplicar partes da resolução. Dantas, em geral um ministro tranquilo, fez duras críticas à agência no dia da votação.

Na semana passada, o Ministério Público de Contas deu parecer nesse processo pela manutenção da Resolução 01/2015, entendendo que a ação é parte da discricionariedade da agência e não haveria ilegalidade na ação. O processo ainda depende de julgamento do plenário.

As regras de competic?a?o na cabotagem, mesmo para o uso de embarcações estrangeiras, são complexas. A empresa que obtém um frete e não tem navio nacional para fazê-lo deve realizar uma consulta ao mercado, atrave?s do procedimento eletro?nico na ANTAQ denominado “circularizac?a?o”, para saber se há navios disponíveis.

Qualquer empresa brasileira de navegac?a?o que disponha do navio do tipo e porte adequados ao transporte pretendido pela empresa que vai alugar um navio estrangeiro pode oferecer o transporte. E? o chamado “bloqueio a? circularizac?a?o”.

Ha? registros de empresas que mante?m embarcac?o?es brasileiras com o mi?nimo necessa?rio e usam navios estrangeiros, chegando a cerca de 70% de suas frotas sendo de bandeira estrangeira. Essa e? uma das principais queixas de empresas que buscam entrar no mercado de cabotagem e que na?o conseguem se desenvolver.

A Posidonia Shipping reclama que, em setembro de 2018, iniciou um processo de circularizac?a?o a fim de consultar o mercado para o transporte de etanol em diversos portos do Brasil. Houve uma contestac?a?o de outra empresa de navegac?a?o, a Flumar. A alegac?a?o foi de que o afretamento da Posidonia seria feito por embarcac?a?o estrangeira e que a Flumar dispunha de embarcac?a?o de bandeira brasileira.

Em resposta, a Posidonia Shipping argumentou que a Cia de Navegação Norsul estava fazendo transporte com navio estrangeiro, no mesmo período, com entrega nos mesmos portos de Paranaguá (PR) e Rio de Janeiro (RJ), da mesma carga da Posidonia. Mas apenas a Posidonia foi bloqueada. A Posidonia acusou a Flumar de fazer um bloqueio seletivo a ela. No pedido de intervenção da Posidonia à ANTAQ no caso, a agência julgou correto o bloqueio.

A Posidonia relata que esse tipo de situac?a?o e? recorrente na?o so? com ela, mas com outras empresas que na?o fazem parte de um grupo de grandes corporac?o?es que dominam o mercado de cabotagem no Brasil.

O que diz o Syndarma

Luis Fernando Resano, o vice-diretor do Syndarma, diz que o problema dos novos entrantes na?o esta? na Resoluc?a?o 01 da ANTAQ e sim na Resoluc?a?o 05 – ou na falta de fiscalizac?a?o dela. A Resoluc?a?o 05 e? a norma que preve? quais empresas podem operar como EBN, com necessidade de cumprimento de requisitos te?cnicos e econo?micos.

Pelas normas da Resoluc?a?o 05, a empresa deve “ser proprieta?ria de pelo menos uma embarcac?a?o de bandeira brasileira que na?o esteja afretada a casco nu a terceiros, adequada a? navegac?a?o pretendida e em condic?a?o de operac?a?o comercial; ou apresentar contrato de afretamento de embarcac?a?o de propriedade de pessoa fi?sica residente e domiciliada no pai?s ou de pessoa juri?dica brasileira, a casco nu, adequada a? navegac?a?o pretendida e em condic?a?o de operac?a?o comercial, por prazo igual ou superior a um ano, celebrado com o proprieta?rio da embarcac?a?o”.

“Tem empresa que vai la? e apresenta coisas que na?o sa?o reais. Quem dribla a Resoluc?a?o 05, vai lá e abusa na Resoluc?a?o 01”, diz Resano, cobrando mais fiscalizac?a?o da ANTAQ quanto ao cumprimento dos requisitos para ser EBN.

Segundo Resano, a falta de cumprimento desses requisitos coloca em risco usua?rios. Em casos de acidente com a carga, por exemplo, sa?o necessa?rios seguros de alto valor que, sem o cumprimento de requisitos econo?micos, a empresa na?o teria como obter.

Sobre o sistema de circularizac?a?o da carga, Resano diz que ele funciona adequadamente e que protege o usua?rio. Pela regra, o usua?rio na?o tem que pagar a mais se a empresa nacional fizer o bloqueio de um frete com navio estrangeiro que esta? passando no Brasil, explica.

Sobre o tema, ele tambe?m cobra mais agilidade da ANTAQ no que ele chama de “blefe”, ou seja, empresas que dizem ter uma carga para fazer quando ha? navios estrangeiros passando no porto mas que desistem do serviço quando um navio nacional se dispo?e a transportar.

Burocracia setorial

Custos inadequados e falta de concorre?ncia, de acordo com o TCU, se juntam a um outro problema para a cabotagem no país, a burocracia. De acordo com o relato?rio, a Receita Federal na?o reconhece documentos que poderiam facilitar a chamada multimodalidade, ou seja, quando uma mesma carga pode andar em diferentes meios de transporte com um mesmo documento.

“Os sistemas da Receita Federal do Brasil na?o reconhecem o Conhecimento de Transporte Multimodal de Cargas (CTMC), apesar de haver esforc?os para agilizar e reduzir os custos burocra?ticos na liberac?a?o de cargas por parte do o?rga?o fiscalizador”, diz o trabalho.

Diante desta situac?a?o, a equipe te?cnica do TCU sugere determinar que o governo apresente estudo para o desenvolvimento da multimodalidade, “com estrate?gias e ac?o?es para superac?a?o dos entraves identificados”, diz o relato?rio.

Se, para quem transporta, a falta de um documento u?nico atrapalha a velocidade com que a carga e? transportada, para quem planeja o drama e? outro. De acordo com o trabalho, os sistemas pu?blicos de registro na?o falam a mesma li?ngua, o que pode produzir dados equivocados sobre o transporte, ale?m do que boa parte deles esta? sob sigilo por determinac?a?o da Receita Federal.

Falta de Política Setorial

Na cri?tica dos controladores, o ponto central dos problemas para a cabotagem esta? na falta de estabelecimento pelo governo de uma adequada poli?tica pu?blica para o setor. O relato?rio e? bem incisivo neste ponto:

“Na?o existe uma poli?tica pu?blica de fomento a? cabotagem no pai?s”, diz o texto.

Ha? planos do governo para o setor de transportes, de acordo com o relato?rio, que sequer consideraram a cabotagem, como e? o caso do recente PNL (Plano Nacional de Logística), apresentado em 2018.

Quando elaborado, o plano tinha intenção de privilegiar o investimento ferroviário no país. Mas a falta de dados para a cabotagem gerou números distorcidos que foram questionados por vários setores na época da apresentação do plano e levaram à sua revisão.

“Na?o existe no Brasil uma poli?tica pu?blica voltada especificamente para atacar de maneira estruturada os problemas da navegac?a?o de cabotagem, o que vai de encontro a?s boas pra?ticas de governanc?a”, diz outro trecho do relato?rio, apontando que, mesmo quando ha? intenc?a?o de se fazer algo sobre cabotagem, nada tem sido operacionalizado.

Senso de urgência para o setor

O secreta?rio nacional de Portos, Diogo Piloni, concorda com a avaliac?a?o do tribunal. Ele disse que, no momento, o governo trabalha em pontos que esta?o alinhados com o relato?rio do TCU, lembrando que está próximo de anunciar as medidas para o setor.

Um exemplo e? como solucionar a diferenc?a de prec?os entre o valor do combusti?vel para navios estrangeiros e para os nacionais. Segundo ele, tambe?m sera? pedida ajuda ao Ministe?rio da Economia para tentar igualar os custos de pessoal para a operac?a?o dos navios nacionais, que exige maior quantidade de tripulantes e tem regras mais ri?gidas para descanso, por exemplo. Outro ponto apontado no trabalho, a concentrac?a?o em poucas empresas, tambe?m vai entrar em ana?lise.

O secreta?rio pondera que, para muitos casos, a lo?gica do transporte de navio, com necessidade de muita carga e longas dista?ncias, na?o atende a alguns tipos de usua?rios de forma adequada. Isso porque o tempo de transporte e? lento, e, para cargas de alto valor agregado e baixas quantidades, as empresas preferem que os bens sejam transportados em caminha?o ou ate? mesmo avia?o, por exemplo.

Mesmo assim, a aposta no setor de navegação e? grande pelo atual governo. Resolver o problema da cabotagem no pai?s poderia, na avaliac?a?o dos te?cnicos do ministe?rio, elevar o patamar de qualidade de transportes no Brasil, retirando-o das indignas posic?o?es centena?rias nos rankings mundiais que medem qualidade do transporte entre as nações.

Com a vantagem de que a necessidade de investimentos, seja com recursos orçamentários ou com financiamentos, é muito menor do que em outros modais. Afinal, são mais de 7 mil quilômetros de litoral e mais de 1,5 mil de vias fluviais navegáveis deixados pela natureza.

Cabotagem com o ministro

Nos dois primeiros meses do governo, os te?cnicos da Secretaria de Portos receberam mais de 10 empresas e tentam separar o joio do trigo nas reclamac?o?es dos usua?rios. O trabalho tem sido elogiado por diferentes segmentos do setor. Segundo Piloni, o relatório do TCU vai ajudar a despertar o que ele chama de senso de urge?ncia para a questa?o.

“Navegac?a?o e? algo de muita importa?ncia para o ministro Tarci?sio de Freitas. Ele vai fazer uma viagem de navio para entender os reais problemas da cabotagem”, afirmou o secreta?rio.

O temor entre os técnicos do TCU, ainda no início do trabalho, é de que o governo ataque apenas um dos lados do problema, os elevados custos setoriais. Sem o fomento à concorrência, uma política de ataque nos custos pode levar a resultados parecidos com os de outras áreas da infraestrutura, em que a falta de competição tem impedido uma efetiva redução de custos e melhoria de qualidade ao consumidor, que poderá ficar “a ver navios”.

Fonte: Agência Infra

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